Alberto da Costa e Silva
Alberto da Costa e Silva faz o trabalho de resgatar a
memória de África com arte e elegância. É um poeta que está a escrever. As
palavras são do escritor moçambicano Mia Couto em reação a escolha do nome do
brasileiro para o Prêmio Camões 2014. Desde 2007 que acompanhamos ano a ano os
galardoados com a honraria maior das literaturas de expressão portuguesa. E é
sempre um privilégio dar com nomes aparentemente desconhecidos – principalmente
quando são de figuras que se encontram no quintal de nossa casa, como é o caso
de Alberto da Costa e Silva. À exceção de João Ubaldo Ribeiro (2008), Ferreira
Gullar (2010), Dalton Trevisan (2008) e o próprio Mia Couto (2013), os nomes
desse intervalo de tempo eram nomes por conhecer.
Alberto da Costa e Silva é, dos nomes aqui mencionados, o de
maior maturidade literária e possui como elemento para corroborar essa
conclusão sua própria obra que se espraia entre a poesia, o ensaio, o memorial
e o trabalho acadêmico. Se o ofício da poesia representa parte pequena na lista
de títulos publicados por ele, o exercício com a palavra poética, entretanto,
não obedece apenas a rigidez formal do verso. Atesta isso a fala do próprio Mia
Couto – e este exercício, diga-se, é privilégio para poucos. Na cena nacional,
então, contam-se nos dedos e parte dos que têm a maestria de Alberto da Costa e
Silva são tragados pelo tempo, como tem o caso da grande perda recente de
Benedito Nunes – para citar um dos nomes que esteve entre a fronteira da
palavra comum e da palavra volatilizada de poesia.
O trabalho de resgate da memória de África como assinala Mia
Couto é outra louvação de Alberto da Costa e Silva. Para Affonso Romano de
Sant’Anna, um dos membros do júri deste ano, a obra do escritor brasileiro é também
uma contribuição notável na construção de pontes entre os países de língua
portuguesa – consideração que honra de ponta a ponta a natureza de um prêmio da
envergadura do Camões. Isso tudo atesta ainda outro lembrete para além do
reconhecimento de nome que trabalha no silêncio e à distância do barulho
infernal dos conglomerados midiáticos: o reconhecimento da necessidade de se
imprimir um constante olhar para a história plural do continente africano,
sempre lembrado pelas correntes da segregação ou pelos interesses escusos de
exploração desenfreada.
E pensar que todo esse empenho de historiador começa ainda
quando se falar de África não era coluna comum como tem sido cada vez mais –
muito embora as visões ainda que plurais são um tanto suspeitas. Isto é, há
quem fale sem saber o que fala. Estava em Oxford, em 1963, quando ouviu o
professor Hugh Trevor-Hopper afirmar que faltava aos anais da história da
humanidade uma História da África subsaariana. É desde esta data que ele deu
início a tarefa de pesquisar o continente africano – resultado que desaguou
numa leva de artigos e ensaios bem como na organização de obras essenciais como
A enxada e a lança, As relações entre o Brasil e a África Negra,
A manilha e o libambo: a África e a
escravidão, Um rio chamado Atlântico
e O vício da África e outros vícios.
Some a esse exercício de cavoucar a história, o interesse de
Alberto da Costa e Silva por personalidades não situadas nas lentes da historiografia
tradicional como é caso os títulos Francisco
Félix de Souza, mercador de escravos e Mestre
Dezinho de Valença do Piauí – nomes reconduzidos pelo olhar atento do
escritor à arena da cena nacional. Como também o interesse por nomes mais
populares: Guimarães Rosa foi motivo para Guimarães
Rosa, poeta e Castro Alves para Castro
Alves: um poeta sempre jovem, ambos escritos para a série editada pela
Companhia das Letras Perfis Brasileiros.
Filho do poeta Da Costa e Silva, Alberto nasceu em São
Paulo, em 1931. Formado pelo Instituto Rio Branco, no ano de 1957, serviu como
diplomata em Lisboa, Caracas, Washington, Madri e Roma, antes de ser embaixador
na Nigéria e no Benim, em Portugal, na Colômbia e no Paraguai. Foi chefe do
Departamento Cultural, Subsecretário-Geral e Inspetor-Geral do Ministério das
Relações Exteriores.
“Nasci numa biblioteca. Sou como Baudelaire, meu berço
ficava na biblioteca. Sou um homem de letras, um poeta, cresci entre livros.
Meu avô materno era um comerciante de borracha na Amazônia, mas tinha uma
enorme biblioteca jurídica e filosófica. O hobby
dele era estudar Direito. De certa maneira, o mundo sempre me chegou pelos
livros. Desde menino tive essas duas paixões: a poesia e a História. E tenho a
impressão de que o poeta ajuda o historiador – o poeta intui esse muito de
imaginação de que você necessita para tentar restaurar um tempo que já passou –
e que, de certa forma, você jamais pode dissociar a História das artes
literárias, pois a História surge como um gênero literário e é um gênero
literário até hoje” – diz Alberto da Costa e Silva numa entrevista para a Revista História.
“Nasci em São Paulo, criei-me em Fortaleza, e, aos 13 anos,
vim para o Rio de Janeiro. Meu pai era do Piauí, mas se encontrava em São Paulo
como alto funcionário do Governo Federal quando houve a Revolução de 32, e
precisou abandonar a cidade. Pouco depois ele teve um problema neurológico e
perdeu o uso da razão. Tinha 42 ou 43 anos. Passou o resto da vida sentado,
lendo seus livrinhos.” Não foi, portanto, apenas o fato de ser hóspede junto
aos livros. “Às vezes ele lia em voz alta para mim, foi o meu grande companheiro
de infância. Lia Walt Whitman em inglês. Eu não sabia inglês, mas sabia que
aquilo era bonito, tinha a noção de que as palavras possuem valor musical
próprio, independente do significado. Então me criei com um homem enfermo, mas
que me abriu muitos horizontes”.
O parque e outros
poemas, O tecelão, Alberto da Costa e Silva carda, fia, doba e
tece, Livro de linhagem, As linhas da mão, A roupa no estendal, o muro e os pombos, Consoada, Ao lado de Vera
– Prêmio Jabuti em 1997 – e Poemas
reunidos são os títulos que compõem a biblioteca de poesia de Alfredo Costa
e Silva. Uma poesia não extensão, mas considerada como um trabalho de
excelência, uma vez que, o exercício da construção textual rende uma força de
extraordinária grandeza.
E a produção literária de Alfredo Costa e Silva não finda
nos títulos até agora citados; também é autor dos infanto-juvenis Um passeio pela África, A África explicada aos meus filhos.
Escreveu ainda O quadrado amarelo,
livro que reúne textos sobre temas diversos no território da arte e da
literatura cruzando com referências entre o popular e erudito. Como memorialista é autor de Espelho do príncipe e Invenção do desenho.
Por essa breve apresentação é já visível que o Prêmio Camões não foi para mãos impróprias e ainda oportunizou-nos chegar próximo de uma obra que se faz necessária ser conhecida.
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