Hoje eu quero voltar sozinho, de Daniel Ribeiro
Muito se ouve comentar que a produção cinematográfica
brasileira deixa a desejar. Mas, há muito que faço o discurso contrário: há produções
muito boas e o que falta ao telespectador é buscá-las, visto que, em grande
parte, os filmes comerciais (ou os mais divulgados) são, de fato, os que deixam
a desejar. Talvez por isso nasça a conclusão generalizada que o cinema
brasileiro é ruim. Prova do que digo é o filme de Daniel Ribeiro, Hoje eu quero voltar sozinho, produção
que teve sua gênese a partir do curta-metragem Eu não quero voltar sozinho; aí era tema o medo das personagens –
uma gay e cega e outra o aluno recém-chegado no colégio – com o primeiro beijo.
Quando a história se amplia, o tema do primeiro beijo torna-se
apenas um dos elementos de uma narrativa sobre o conflito de descoberta da
sexualidade – típico do grupo adolescente, mas que aqui ganha outros contornos uma
vez que a dupla situação elaborada no curta, a cegueira e a homossexualidade, também
ganha mais relevo na narrativa. Em linhas gerais, Daniel parte de um tema comum,
mas enxerta nele, situações que fogem do lugar comum das narrativas do gênero.
Decisão mais que acertada, num momento em que a deficiência e a homossexualidade
ganham destaque através do discurso da inclusão e toda outra leva de práticas de
exclusão social sofrida pelos dois grupos dotados dessas características. Ainda
que de modo leve, não estamos diante de uma trama trágica, essas discussões
estão por toda parte da narrativa, compondo a matéria narrativa.
A leveza assumida pelo diretor não tem valia apenas porque
está diante de uma história de adolescentes recém saídos da infância, mas
porque não faz do filme nenhum elemento para servir de bandeira política para
as causas aí colocadas. Não; quer apenas contar uma história e provocar a
reflexão social sobre a igualdade entre as pessoas, matéria que se reflete, por
exemplo, a todo tempo no filme com a implicância de Leonardo – o protagonista afetado
pelo duplo tabu – com a superproteção dos pais.
Daniel Ribeiro não transforma as personagens em arquétipos.
Elas são quem são e pronto; são humanas à mesma maneira de todos e são,
portanto, afetadas pelos mesmos conflitos vividos por qualquer pessoa. Isso
leva a narrativa a fugir da especificidade para se integrar no rol dos
conflitos universais – este é o grande mérito do filme. Não reduzir a
personagem ao lugar por ela representado e, erroneamente, fazer dela protótipo da
exclusão social.
Mesmo o tema da homossexualidade não é tratado como
descoberta. Os dois rapazes são gays e, pronto: se sua sexualidade não é de
interesse para ninguém, não nutrem a necessidade de dizerem isso para todo
mundo, o que interessa apenas é viver isso, e não como viver com isso. Não é
uma condição à parte; isso está dito com muita propriedade quando Leonardo
conta de sua paixão por Gabriel para a amiga de tudo, na escola e fora dela,
Giovana. Não há, portanto, um processo de autoaceitação da vida como ela é por
parte das personagens. A angústia da protagonista traduzida na vontade de fazer
intercâmbio para fugir de casa e da rotina, por exemplo, que poderia se tornar
em situação a ser explorada pelo diretor como problematização de autoaceitação
do eu, é mera representação da fase pela qual ele atravessa e cai na lista daqueles
momentos de puro existencialismo em que queríamos qualquer coisa para fugir
desse mundo.
A leveza da narrativa também não está presa a interesse de
produzir uma historinha bela e imaginária entre dois adolescentes que se
descobrem gays e vivem cada um num mundo de perfeições. Tem certo zelo da direção
em fugir da ideia de que o mundo extramuros é incipiente para todo aquele que
está para entrar nele – fato que parece fazer parte, cada vez mais, da rotina dos
adolescentes. Daniel supera esse momento que queremos que as coisas aconteçam todas
de uma única vez e à nossa maneira com a ideia de que, com tempo (há tempo para
tudo) as coisas todas acontecem e a depender de nós, sim, à nossa maneira. Não é,
portanto, coisa de destino ou de desatino, mas de existência mesmo.
Mesmo livre de pretensões artísticas e sem querer fazer coro a nenhuma minoria, Hoje não quero voltar sozinho merece atenção pela homogeneidade, simplicidade e leveza da narrativa, pela fotografia e música singelas, pelo tom de um romance de formação que consegue ser um tratado sobre os afetos e sobre o amor, de forma natural, como deve ser.
Mesmo livre de pretensões artísticas e sem querer fazer coro a nenhuma minoria, Hoje não quero voltar sozinho merece atenção pela homogeneidade, simplicidade e leveza da narrativa, pela fotografia e música singelas, pelo tom de um romance de formação que consegue ser um tratado sobre os afetos e sobre o amor, de forma natural, como deve ser.
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