Vasco Graça Moura



Vasco Graça Moura não é um nome totalmente alheio ao Brasil; embora não tenhamos conhecimento da publicação de alguma obra do escritor para esses lados, em 1989, entretanto, recebeu aqui a condecoração da Ordem do Rio Branco e a Medalha da Marinha. Nesta época ocupava cargo na Comissão dos Descobrimentos e passava por um intenso verão nas produções em poesia – como outros que já havia atravessado – o que também não se reflete na sua obra, porque deixou-nos, só de poesia, quase trinta livros.

Sua carreira literária começou com o dinheiro dos primeiros ordenados como trabalhador numa fábrica de conservas em Matosinhos. Modo mudando, foi, em 1963, distribuído pela livraria e galeria Divulgação, um espaço ponto de encontro de escritores e intelectuais do Porto. Não demorou a chegada do segundo título, Semana inglesa, publicado dois anos depois, o que não se tornará uma constante esse arroubo poético. Depois do segundo título, até que venha o próximo – e aqui está seu primeiro intenso verão – se passarão oito anos.

Nesse intervalo, Vasco se dedica a outras atividades mais pessoais, como o andamento e a conclusão do curso de Direito, o cuidado com os primeiros filhos, a inserção no serviço militar, as primeiras atuações com o escritório de advocacia; depois, o que se nota é uma extensa dedicação à literatura como poeta, romancista, ensaísta, dramaturgo, cronista, contista, tradutor, gestor cultural. No exercício da escrita, por exemplo, Vasco nunca se descuidou das publicações semanais, até seu último dia de vida, para o jornal português Diário de notícias.

Lido pela crítica como “um improvável espírito renascentista encarnado neste presente um pouco caótico”, sua literatura é também lida como o maior acontecimento desde Jorge de Sena. Além dos títulos citados, outros atestam essa vistoria da crítica: Quatro sextinas, de 1973 – o livro de retorno do seu primeiro verão e primeira parte de uma obra que só viria ser concluída três anos depois com a publicação de O mês de dezembro e outros poemas em 1976; Recitativos (1977); Sequências regulares (1978); Instrumentos para a melancolia (1980) – título com o qual o próprio poeta considera ter encontrado sua voz própria; A variação dos semestres deste ano; 365 versos seguidos de a Escola de Frankfurt – extenso e estranho título publicado numa tiragem resumida a 150 exemplares, sem circulação comercial, composto por dois também extensos poemas que só chegarão ao alcance do público geral nos anos 90; Nó cego, o regresso (1982); Os rostos comunicantes (1984), ano em que sua obra começa a ser editada fora de Portugal; Furiosa paixão pelo tangível (1987); daqui, é quando se inicia seu segundo hiato, aquele de quando esteve no Brasil, cinco anos para publicação de Concerto campestre, livro com o qual conquista o prêmio do PEN Clube; Sonetos familiares, livro de circulação íntima que vem a lume em 1995; dois anos depois, dois novos títulos, Poemas com pessoas e Uma carta de inverno, livro que ganha o Prêmio da Associação Portuguesa de Escritores. 1997 é também o ano em que Vasco Graça Moura entra numa seara inédita mesmo no espaço da poesia: publica Letras do fado vulgar.

Em 1998, publica O retrato de Francisco Matroco e outros poemas seguido de, em 1999, Sombras com Aquiles e Pentesileia e Garret, numa cópia perdida do Frei Luis de Souza (31/12/1843). Em 2000, Giraldomachias; quatro anos depois, torna-se o primeiro poeta português a ganhar a Coroa de Ouro do Festival de Poesia de Struga, na Macedônia, ano em publica Variações metálicas. Esse prêmio, por exemplo, só havia sido dado, nas três edições anteriores, a nomes vencedores, mais tarde, do Prêmio Nobel, Tomas Tranströmer e Seamus Heaney.  Em 2005, sai seu penúltimo livro de poemas, Laocoonte, rimas várias, andamentos graves; o último livro será gestado depois de mais um hiato, agora de cinco anos, O caderno da casa das nuvens. Nesta seara da poesia, Vasco foi um importante estudioso da poesia de Camões, obra a que dedicou também extensa bibliografia, além de tradutor de grandes nomes da Literatura, como Dante, Petrarca, François Villon, William Shakespeare, Rainer Maria Rilke, Federico García Lorca, H. M. Enzensberger, Seamus Heaney, Walter Benjamim (!), Pierre Ronsar, Gottfried Benn.

Exercícios de escrita que, pela diversidade e a qualidade podem ser julgados como produtos de uma força épica. Em se tratando de sua poesia, assim se pronuncia Peter Hanenberg, ela “caracteriza-se por um vasto saber de tradições literárias de várias línguas e culturas, uma navegação pela terra-firme da poesia de tempos e espaços diferentes.”

Para o pesquisador, um leitor estrangeiro, natural de uma paisagem literária alheia, “encontra na poesia de Vasco Graça Moura um guia de descobertas multifacetadas”. O poeta recria seu espaço de convívio, àquele que denota uma identidade de seu povo, e o integra a uma geografia universal, de moto, que sua obra alcança um limite além fronteiras mais propício que nomes de grande envergadura poética em Portugal, como Camões e Fernando Pessoa – desse último, estamos pensando em títulos como Mensagem.

O sentimento universal de sua obra coaduna com o momento porque a passa a literatura contemporânea, marcadamente desterritorializada, no sentido de não ser uma obra que se deixe levar pelo hermetismo, fechamento ou limitação espacial. Uma visita aos nomes de quem cuja obra angariou os mais importantes prêmios da literatura, como o Prêmio Nobel, atestará bem essa constatação. A literatura de Vasco Graça – e estamos agora pensando no território sobre o qual não especificamos detalhadamente, o da ficção iniciada muito tardiamente, mas que deu ainda vários títulos – se permite ao entrecruzamento de espaços culturais diversificados, é marcadamente dialógica, atenta ao fluxo da multiplicidade de vozes para o encontro do que lhe é próprio e alheio, conforme acentua Hanenberg.

A poesia de Vasco Graça Moura se apropria de características e processos tidos clássicos para renová-los com marca própria – é o caso, por exemplo, da recuperação da sextina, de temas praticados por poetas e obras do passado. No mesmo instante busca diálogo com outras expressões artísticas, como a música e a pintura – considerado ponto alto de sua obra – e incorporação da ironia. Outra centralidade, observa Luís Miguel Queirós, está na prática do poema longo.

No romance, para deixarmos uma incursão da versatilidade do escritor com a escrita, Vasco Graça Moura, teve uma estreia tardia. O primeiro título vem a lume só em 1987, Quatro últimas canções; seguem-se Naufrágio de Sepúlveda (1988), Partida de Sonofisba às seis da manhã (1993); A morte de ninguém (1998); Meu amor era de noite (2001); O enigma de Zulmira (2002); Por detrás da Magnólia (2007), seu último livro do gênero. Obra que Miguel Real lê como representativa de duas frentes na literatura do escritor – uma estético-realista e outra realista, ambas assinaladas pela forte verve imaginativa, imagética, de força criativa única no interior das produções literárias do período que cobre essa produção e primoroso apuramento da construção narrativa. 

A seguir, reunimos num catálogo alguns poemas da extensa obra de Vasco Graça Moura:


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