O imaginário visual de William Shakespeare
David Garrick no papel de Ricardo III (1745), de William Hogart. |
Como todos os grandes gênios literários, William Shakespeare
e sua obra têm servido de inspiração a uma amplíssima e variada leva de
artistas, sobretudo, os que, como ele, tem fascinado nossa época, a ponto de
convertê-los merecidamente em mito. Esta observação nasce no interior de um
instante em que a obra do bardo inglês alcança níveis cada vez mais acentuados
de crítica e público desde o século XVIII. De modo que, pode-se dizer que a projeção
internacional alcançada pelo autor no século XIX ainda se mantém vigente nos
dias atuais.
Do ponto de vista das artes visuais, a obra de
Shakespeare tem servido de criação de imagens de todo tipo e técnica; deste a
arte gráfica, a pintura e a escultura, até a fotografia, o cinema e as novas
mídias. Frente a este imenso caudal de releituras, nos cabe mais centrar nossa atenção
em alguns exemplos característicos, selecionados entre os que produziram durante a primeira etapa de sua
progressiva entronização universal. Neste sentido, há que ter em conta além da
obra da obra de Shakespeare, pletórica de imaginação e de sentido narrativo, a compreensão de que ela é particularmente fértil para ser abordada desde uma perspectiva visual. Em qualquer
caso, o arranque de sua fama universal esteve associado com o romantismo,
movimento decisivo para configurar a mente e a sensibilidade de nossa época.
De todas as formas, as primeiras manifestações de rendida admiração
pela obra de Shakespeare e, portanto, de seu plasma em imagens artísticas se
produziram, como era lógico esperar, em seu próprio país, como assim o
corroborou a atenção cedo que lhe dedicou o compatriota, o pintor e gravador
William Hogarth, o qual não estava muito interessado pelo teatro ou pela
narrativa de cunho moderno shakespeariana mas pelo seu cunho imagético.
Amigo do célebre ator David Garrick, figura capital para a promoção
teatral de Shakespeare, Hogarth o retratou em 1745, interpretando o papel de
Ricardo III, depois de haver já antes pintado quadros como Falstaff em revista aos seus recrutas (1730) ou Uma cena da tempestade (1730-35).
Faltaff descoberto no cesto de roupas. Cena de As alegres comadres de Windsor pintada por Johann Füssli |
Durante a segunda metade do século XVIII, o interesse
artístico por Shakespeare foi crescendo e despertou particular interesse entre
os artistas visionários de caráter romântico como entre outros, o
suíço-britânico Johan Heinrich Füssli ou Fuseli, que representou cenas de O rei Lear, Hamlet, Macbeth, Sonho de uma noite de verão, As alegres comadres de Windsor etc. ou
William Blake, que também insistiu na releitura de algumas dessas peças dramáticas.
Pity, de William Blake. Pintura a partir de Macbeth |
Ao longo do século XIX, em pleno romantismo, se multiplicou
exponencialmente o número de artistas britânicos fascinados por Shakespeare, recolocando-o
em evidência: os prérrafaelistas, como Ford Madox Brown, William Holman Hunt,
John Everett Millais – cuja versão de Ofelia
é a mais impactante obra de referência; e o escultor Thomas Woolner.
O clássico Ofélia, de John Everett Millais |
Não obstante, a expansão internacional da fama de
Shakespeare esteve também canalizada pelo romantismo francês, de cujo movimento
o artista mais emblemático, Eugène Delacroix, o converteu em tema recorrente de
sua obra. Basta dizer que entre 1835 e 1859 pintou nada menos que uma série de
dezesseis telas sobre Hamlet. É
verdade que, seguindo na esteira de Gericault, muito anglófilo, Delacroix bebeu
com abundância na fonte literária do romantismo britânico, o que lhe remeteu,
uma e outra vez, de forma indireta, à figura da musa shakespeariana até colorir
com ela uma boa parte de sua produção e usá-la como referência para outros colegas contemporâneos franceses como
Antonie-Felix Bosselier, mas também, no geral, a todo resto dos românticos continentais
que já então o tinham como obrigatória em Paris.
Com a emergência das vanguardas no começo do século XX o
panorama mudou mas não em relação a admiração rendida por Shakespeare. Podo se
falar da imposição de uma desliteraturalização da arte, por alcançar meios
muito particulares a que a crítica preferiu chamar de suficientes para
expressar-se como tal. Mas, neste contexto de uma arte não narrativa ou simbólica,
Shakespeare migrou para outros meios como o cinema, onde o inglês se converteu
num astro das telas, além de ter sido sempre o do teatro, da ópera e outras
artes cênicas de cujo material se poderia fazer uma enciclopédia.
Seja como for, a contribuição inspirativa de Shakespeare
para o cinema foi e é imensa, sendo destaque para o alimento de gênios como
Orson Welles, cujo Otelo ou Chimes at Midnight são e serão memoráveis
em todos os sentidos. E isso sem contar que não cineasta que no ocidente ou no
oriente não se tenha sentido desafiado pela obra do escritor britânico e sua
própria biografia, parte dela enigma, como em Shakespeare apaixonado ou Anonymous,
só para citar duas das obras relativamente recentes. De maneira que, não cabe
dúvidas: Shakespeare segue hoje sendo uma fonte das artes visuais, entre outras
coisas, porque forma parte de nossa forma de ser e de pensar.
Ligações a este post:
No Tumblr do Letras compilamos parte das imagens comentadas neste texto. Vejam, aqui.
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