Philomena, de Stephen Frears
Por Pedro Fernandes
Quantos crimes a Igreja terá cometido (e ainda comete) em
nome da manutenção de seus dogmas? Não há números precisos para isso, mas a
resposta bem poderia ser: tantos que a história do horror, do ódio, da
intolerância – se possível fosse historiá-los – se confunde com a história da
Igreja. E não entram nessa linha imaginária do tempo os crimes individuais,
aqueles cometidos contra a vida das pessoas. Philomena é um filme cujo solo aparece sedimentado dessa sorte de
horrores, embora não seja um ajuste de contas (porque isso parece impossível)
com a instituição. Mesmo diante dessa impossibilidade, já adianto que este terá
sido o grande erro proposital da produção; muito embora saiba que, baseado em
fatos reais, a direção tivesse que seguir os protocolos de ação da história
original.
O título do filme é o nome da protagonista, uma senhora que
procurou seu filho durante mais de cinco décadas e só o encontrou depois desse
tempo graças ao interesse de um jornalista que, sem o devido sucesso em
escrever um livro sobre a Revolução Russa, dará atenção para o drama vivido por
ela. Philomena, ainda jovem, envolveu-se com um rapaz com quem perdeu a
virgindade e logo ficou grávida dele. Essa situação é vista pela família como
uma grande mácula para o seu tradicionalismo e a jovem é, então, enviada ainda
grávida para um convento. Descoberta sua situação, ela terá o filho vendido,
numa negociata escusa entre a madre superiora e uma rede de tráfico muito em
voga depois da Segunda Guerra Mundial e até a década de 1960, para um casal estadunidense.
A produção não tem qualquer propósito estético. Seu
interesse é o do drama pessoal, a história de vida através da construção de um
itinerário para esse encontro entre mãe e filho, por isso abstrai diretamente toda a vontade
política que a situação narrada possa desenvolver. Mesmo assim, não deixa de
ser esse o grande pano de fundo ou o motor da narrativa se pensarmos acerca da
impossibilidade de tratar a situação sem considerar seu contexto.
Do drama de Philomena, talvez o que mais nos indigne não é
nem a situação como que seu filho é tirado de si: isso é coisa corriqueira e
até a pior das novelas já fez uso desse mote narrativo para sustentar o drama
de determinada personagem. O que mais nos indigna é a construção maquiavélica
em nome de um princípio que chega a ser mais individual que coletivo sustentado
pelo discurso cristão do não direito materno na situação de Philomena. Isso
desde o parto realizado a qualquer maneira a fim de resultar numa morte
justificada da mãe para expiação definitiva do pecado até a omissão de tornar
público entre mãe e filho o amor incondicional que os une.
É isto, aliás, o combustível que nos mantém a todo tempo,
como se diante de um thriller policial que,
aconteça o que acontecer, mas o final nos há de tranquilizar que, apesar de
tudo, alguém tomou partido e fez o devia ser feito – dar fim aos culpados e
devolver, assim, parte do que lhe foi roubado. No caso de Philomena fica demonstrado, definitivamente, que nem tudo é assim
como queremos e essa ideia de o bem superar o mal não é de um todo verdadeira.
Talvez a realidade seja mesmo muito complexa para se reduzir a somente um jogo
de oposições.
Ao menos fica provado ser os fios que tramam o poder da
instituição religiosa muito mais complexos ou perigosos que qualquer outra
coisa: primeiro, a construção psicológica do tema pecado não se baseia apenas
na punição invisível do corpo, mas numa subserviência tão ou mais danosa quanto
– subserviência que permite, em nome do perdão, a omissão da justiça direta dos
homens em detrimento de uma justiça tão invisível quanto o pecado; por essa
teia de subserviência, a punição aos culpados sempre estará condenada ao
fracasso.
Uma narrativa arredondada, sem perder o fôlego e nem se tornar maçante, com excelentes atuações e doses homeopáticas de certo melodrama. Situação que não deixará barato o sentimento dos que não se sentem conformados com a injustiça. Se não toma partido político no caso, Philomena ao menos dar a conhecer novas nuances de mais uma leva de crimes cometidos pela igreja: recupera parte do que já foi tema no cinema em outras ocasiões como em Em nome de Deus de Peter Mullan – filme que toca na questão do trabalho escravo de mulheres como Philomena – e avança na lista negra com escusas como a extorsão, a corrupção, o tráfico de menores etc. É, pois, um filme necessário de ser visto; até mesmo para aqueles que ainda têm uma consideração zelosa pelo passado da igreja. Se isso nos servir de alguma coisa que nos sirva para se afastar cada vez mais desse discurso em falso que separa a palavra da prática, isto é, que diz uma coisa e faz outra.
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