Para Donizete Galvão
Por Pedro Fernandes
Eu sempre me pergunto, sem nenhum senso de eternidade, para onde vão todas as palavras que trocamos nessa esfera virtual depois que daqui formos
embora. Será possível que, séculos depois, ainda encontrarão vestígio nosso na web? E as correspondências, ora extensas
ora rápidas, que trocamos via e-mail, Facebook e outros meios, como ficarão? Sucumbirão ao
fosso do esquecimento porque essas correspondências são lacradas com códigos
que só nós sabemos para acessá-los? Não serão feitas, então, mais edições com
trocas de correspondências? Nem, se especulará sobre os contatos feitos em vida
com outros distantes de nós? Enfim, seremos apenas casca de bytes do que está
explicito e nada mais?
Numa busca sem muita insistência catei um e-mail que escrevi
no dia 11 de julho de 2012, cf. aparece datado, enviado as 15h30 convidando o
poeta Donizete Galvão a redigir um ensaio sobre a obra poética de Dora Ferreira da Silva, o
nome homenageado pelo caderno-revista 7faces em sua sexta edição. A resposta
veio prontamente no mesmo dia, sucinta: “Pedro: aceito sim. me mande as
instruções. abraços, Donizete”.
No dia seguinte, mandei-lhe as instruções. E no mesmo dia
respondeu-me: “tudo bem. mas não acredito que terei 10 páginas para escrever
sobre a Dora. não que ela não mereça, mas tenho fôlego curto. não sou crítico e
nem ensaísta. Abraços, Donizete”.
Não lhe fiz objeções. Aposto na liberdade daqueles quem convido para escrever seja para o caderno-revista 7faces, do qual sou editor
desde sua fundação em meados de 2009, seja para este blog que edito e para o
qual tenho, paulatinamente, elegido nomes para compor os quadros de colunistas.
Ainda mais se tratando de Donizete, quem, antes de conhecê-lo por correspondência,
conheci pelos versos lidos aleatoriamente nas várias idas à biblioteca ainda
nos meus tempos de Graduação em Letras. Donizete, dono de voz única; de fôlego curto,
como disse, mas de sentido amplo, como é dado ser os poetas, que numa sentença dizem o mundo e o que nele contém.
A quase um mês do prazo dado, volto a entrar em contato para
saber do andamento do texto. Vem, num instante, como resposta: “peço desculpas
por não lhe atender o convite já firmado antes. mas tive sérios problemas de
saúde e tenho estado afastado desse ofício da escrita. tem alguns poemas meus
escritos com dedicatória para Dora e você pode usá-los. vão em anexo e pode
publicá-los do jeito que estão. Abraços, Donizete”.
Se o poeta não se via como adivinho, tornou-se para mim,
naquele dia, em alguém parecido com ele. É que eu trabalhava em contato com outros poetas na elaboração
de um “caderno para Dora” no qual reuniria poemas de alguns poetas dedicados a
poeta paulista. Os de Donizete, portanto, caíram como uma luva: “Tzvietáieva e
o céu do poeta” e “Último outono”, páginas que reproduzo ao fim deste texto.
Depois de publicada a revista, enviei-lhe um exemplar em PDF
sobre o qual recebi a seguinte resposta: “alcançou a altura de Dora. rica
homenagem. Abraços, Donizete”. Depois disso, apenas agradeci por ter gostado do
material produzido. E não nos falamos mais. Apenas eu, em contato ora uma vez
ora outra com seu “fôlego curto”.
Estava entretido com outros afazeres para esta página, quando
numa visita aleatória ao caderno Ilustrada
do jornal Folha de São Paulo soube da
morte repentina de Donizete. Não é necessário dizer que me senti tomado por
aquele mesmo sentido de vácuo que nos suga e joga de cara com a finitude. Este é
o típico sentimento que nos atravessa sempre que recebemos essas situações inesperadas,
principalmente, diante de quem achamos ainda ter uma longa vida pela frente. Talvez,
novamente, o poeta tenha sido produto daquela iluminação que o fez enviar poemas
em homenagem a Dora Ferreira da Silva. Digo isso enquanto
penso nos versos do poema “Evocação a Príano”, de A carne e o tempo, livro de 1997:
“Livre-nos do mijo nas calças,
das quimioterapias e escleroses.
Quando chegar o enfado,
Dê-nos o prêmio da morte limpa e súbita.”
O poeta deixou-nos no dia 30 de janeiro. Nascido em Borda da Mata, Minas Gerais, em 1975 foi para São Paulo, onde cursou jornalismo,
trabalhou como redator publicitário e fez sua carreira como poeta. Deixou-nos
sete títulos, além das participações em revistas e antologias pelo Brasil e fora
do país: Azul navalha (1988), As faces do rio (1991), Do silêncio da pedra (1996), A carne e o tempo (1997), Ruminações (2000), Mundo mudo (2003) e O homem
inacabado (2010), título finalista do Prêmio Portugal Telecom. Deixou-nos – servindo-me das palavras de Cláudio Daniel num breve, mas denso ensaio publicado na edição 185 da revista Cult – “um
catálogo de motes obsessivos, em que se destacam tempo, memória, cidade,
insetos, animais, pequenos acontecimentos da jornada ordinária e a busca da
epifania possível numa era de ‘homens inacabados’”.
Ligações a este post:
Para ler e-ou baixar os poemas de Donizete Galvão reeditados no caderno-revista 7faces, basta ir aqui.
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