Julio Cortázar e Carol Dunlop
Carol Dunlop e Julio Cortázar |
“A outra vez que voltei a vê-lo, em Londres, com nova companheira,
era outra pessoa. Havia deixado crescer o cabelo e tinha umas barbas ruivas e
imponentes, de profeta bíblico. Me fez levá-lo a comprar revistas eróticas e
falava de maconha, de mulheres, de revolução, como antes de jazz e de fantasmas
(...) Tenho a suspeita de que teve uma vida mais intensa e, certamente, mais
feliz que aquele de antes em que, como escreveu, a existência se resumia para
ele num livro. Pelo menos, todas vezes que o vi, me pareceu jovem, exaltado,
disposto”, escreveu Mario Vargas Llosa na introdução aos Cuentos completos de Julio Cortázar. Para o Prêmio Nobel peruano –
amigo do escritor argentino – “o de antes”, era o Cortázar que não conhecia a
sua última e “nova companheira”, a estadunidense Carol Dunlop, sobre quem pouco
se sabe. Até agora.
O canadense Tobin Dalrymple trabalha com o argentino Poll
Pebe Pueyrredón no documentário Julio
& Carol. Los exploradores de la comospista, uma alusão a Os autonautas da cosmopista, o único
livro escrito a quatro mãos e o penúltimo que Cortázar publicou em vida e em
que registraram, à sua maneira, a viagem de camioneta que fizeram durante 33
dias entre Paris e Marselha. “Já gravamos sete entrevistas em quatro países
(França, Suíça, Canadá e Argentina) e falta a montagem das imagens. Queremos apresentar
o filme durante do Festival Internacional de Toronto, em setembro”, explica o
diretor em entrevista para a Revista Enie.
Dalrymple gastou as economias de toda uma vida – 25 mil dólares – para financiamento
do filme e agora busca mais dinheiro através de crowfunding (uma vaquinha virtual) para concluir o trabalho. O
desejo de fazer este filme nasceu quando terminou sua história de amor com a
argentina que lhe introduziu ao universo cortazariano.
O filme é o relato do último livro de Cortázar e de sua
história de amor. O livro é triste, porque nos últimos capítulos, o leitor
descobre que a Osita – assim Cortázar chamava Dunlop – está próxima da morte. É
um livro muito romântico, mas muito triste; muito real, afinal ele também
estava morrendo com ela. É uma grande história que as pessoas e mesmo os
leitores da obra de Cortázar não conhecem muito.
Cortázar e o filho Stephan. |
Carol era uma pessoa muito privada e não se deixava abater
por nada. Era uma menina grande, como Cortázar. Ambos gostavam de brincar. Nos autonautas é muito difícil saber quem
fala, porque suas visões de mundo são muito próximas. “Fiz a viagem e não há nada
muito interessante em viver numa pista, mas para eles era uma aventura, a
melhor do mundo” – lembra Dalrymple. Quiseram deixar este livro como um legado –
sua visão de mundo – para seu filho Stephan, que costumava viajar com Cortázar
e ela. É incrível a dedicação de Carol ao trabalho: era fotógrafa, tradutora,
tinha três romances publicados e até hoje outra montanha de textos do gênero ainda
inéditos.
Depois de divulgada a novidade recente de que Cortázar
morreu por complicações causadas pela AIDS, de acordo com entrevista de Cristina
Peri Rossi, divulgada no jornal Clarín,
Dalrymple, prefere ficar com a hipótese de que foi, sim, um câncer o que levou
a morte dos dois. Só a título de fechar este parêntesis sobre o caso, Rossi diz
que Cortázar foi contaminado durante uma transfusão de sangue em agosto de
1981, quando morava no sul da França, depois de uma hemorragia estomacal. Na
época, a doença ainda não havia sido identificada. Rossi diz que depois de um
grande escândalo no hospital em que o escritor foi atendido ficou provado que o
sangue utilizado na transfusão estava contaminado; o diagnóstico de câncer nunca
foi feito e depois de várias consultas Cortázar foi apenas identificado como
portador de uma infecção não determinada provocada por um retrovírus e sem
tratamento. Com o vírus, Julio teria passado a doença para Carol que morreu
dois anos antes dele devido sua imunidade estar muito abaixo da do companheiro:
Carol havia se submetido à retirada de um rim numa cirurgia.
Não se toca tanto sobre a importância de Carol para a vida
de Cortázar apenas por uma forma de que a memória costume guardar melhor os
nomes mais atuais – concorda Dalrymple. E por isso o documentário. Perguntado se
a presença de Aurora, o nome mais conhecido da companheira de Cortázar, não teria
uma incursão nesse esquecimento, o cineasta desconversa: “Aurora e Cortázar
foram amigos durante toda a vida; Carol era como um anjo e cada pessoa que
entrava em sua vida ela queria bem. estiveram muito próximas, eram amigas, não havia
ciúmes, nem nada parecido”.
Dalrymple concorda que o filme não é também um resgate; mas
uma forma de homenagem ao escritor. Decerto Cortázar e Carol constituem mais um
dos pares importantes para a cena da literatura e das artes como foram
Jean-Paul Sartre de Simone de Beauvoir, José Saramago e Pilar del Río, Jorge
Amado e Zélia Gattai...
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