Vontade
Por Rafael Kafka
Hora de me
nadificar. De fazer de minha cabeça um grande vazio repleto de liberdade. Não
me prender a determinações feitas por sentimentos passageiros. Pois nessa vida
tudo é passageiro e apenas de eterno tenho o medo do fim. A sensação de término.
Quero me libertar de meus grilhões e sofrer de um modo diferente: seguir meus
passos pelas ruas, sem me preocupar em ficar parado em algum canto.
Eu vejo o
sorriso dela se distanciando. Sinto a ansiedade brotar em mim, o desespero se
condensar em falta de autoconhecimento. O sono tenta me derrubar, enquanto eu
tento seguir minha vida mesmo com esse sentimento de vazio em meu redor. A
revolta de não querer perder tempo, o desejo de curtir uma xícara de café
acompanhada de um bom livro, ou mesmo um beijo bem dado em alguém que me
alegra, ou quem sabe um boa soneca dada sem culpa alguma para curtir a sensação
de cansaço satisfeito.
Os
fantasmas vêm e tiram meu foco desses pequenos prazeres. Mas o fantasmas são
ilusões. O tempo é uma ilusão apenas desmentida por meus ossos que se
fragilizam a cada dia. Minha energia se renova e eu quero mais engajamento de
mim mesmo em mais e mais coisas. Quero minha diáspora sendo minha, o olhar
alegre de um estudante apaixonado por leitura e a certeza do amor grato de um amigo
ou amiga.
Eu daria
tudo para me pegar sorrindo novamente pelo amor à liberdade! Contudo, um
sorriso brilha em minha mente. Um sorriso que habita outras sintonias. Um
sorriso que me atormenta por sua beleza.
E eu
percebo que necessito amar, e necessitar amar para mim é derrota pessoal, pois
hoje quero encontrar o amor em alguma esquina, ou em algum recanto vazio de
significação premeditada. Não quero fazer do amor necessidade minha. Quero
fazer do amor projeto casual que se torna poesia absoluta relativa. Quero fazer
do amor mais uma coisa poética que torna minha vida poética, não a coisa
poética em si!
O sorriso
tem que se dissipar então.
O sorriso
precisa virar uma doce lembrança.
E enquanto
eu me alimento de livros, álcool, passos, comida, de revolta... Eu a vejo indo
em sua direção, sendo feliz e bela. E eu sorrio para ela, enquanto sinto
saudades de sua voz falando para mim como sou um cara legal, e do seu cabelo
cobrindo minha cara no abraço apaixonado. E eu penso que deveria estar trabalhando,
mas ser eu mesmo agora me ocupada.
E o meu
corpo sente o arrepio sentido quando a pele dela tocou a minha, no momento no
qual ela se deitou por cima de mim e se entregou tão belamente.
Doce
lembrança... Poderíamos ter sido feliz juntos, eu acho.
Mas aí
lembro que sou desastrado demais, bronco demais, insensível demais. Talvez ela
se enjoasse de mim rapidamente, ao não me ver parado em nenhum canto, dono de
uma poesia do caos e do movimento. Ou talvez ela me amasse ainda mais por tudo
isso. Todavia, sou revoltado! (Ou tento ser...) Não quero viver de esperança.
Quero viver de mim, de meus projetos, de minha ânsias, de meu desejo de viver
concretizados em desejos de carne e osso.
O sorriso
dela... Ele encontra-se em outras frequências. A lembrança doce. O desejo de
felicidade clandestina sendo levado às últimas consequências da rebelião
pessoal conta a reificação de si mesma. Não quero me emprestar para ideologias
carcomidas.
Mas quero
me emprestar para sonhar.
O sorriso
dela vira uma lembrança conformada ao redor de meus outros sonhos destruídos. E
de repente eu me sinto nada: criatura completamente sem definição. O peso vira
leveza, eu sinto vontade de dançar. Estou sozinho e vou aonde eu quiser. O
desejo de sorrir para a felicidade em uma janela ensolarada em alta velocidade
vem a mim de novo. O desejo de devorar o mundo com os meus olhos vem de novo a
mim tornar-me plenamente pleno em um minuto.
O sorriso
vira lembrança e eu me pego sorrindo. Vou visitar um amigo e falar sobre essa
epifania. Aquele sorriso me libertou pela prisão. Aquele sorriso me deu
coragem, percebida apenas quando o desespero tomou conta de mim. Aquele gesto
belo, sublime, singelo fez-me querer percorrer ruas e guetos sem medo de ver e
sentir a morte chegando perto de mim. O sorriso mais belo do mundo que foi meu
por alguns segundos fez-me ter ainda mais pena de morrer...
O meu amor
virou algo eternizado em gratidão. O meu amor hoje se liberta com medo de se
agarrar novamente à convenção. O meu amor anda pelas ruas querendo ser senhor
de minha alma. Eu apenas quero viver sem limites, freios ou agarrado a
esperanças. Cada momento para mim é devorado em ritmo antropofágico: me dá
força e visão nova do real.
Gostaria de
revê-la mais uma vez. Sentir sua mão na minha, dar-lhe um livro de presente e
dizer o quanto sou grato. Com a certeza de que em minha vida, de alguma forma,
ela estará viva para sempre, se possível falando comigo por telefone ou por
SMS, importando-se com meus êxitos e derrotas. E enquanto isso, eu viveria em
uma eterna presentificação de todo o amor à vida adquirido pelo simples contato
erótico com a existência.
Vamos rodar
por aí. Eu gosto da velocidade, sabe?, ela me faz sentir-me projetado para fora
de mim mesmo. Dono de mim mesmo. É só isso o que quero: espalhar-me pelo mundo,
sem objetivos, na graça divina da casualidade. Ver-me rodeado de mim mesmo, em
outros cantos e outros universos. Ver-me devorado pelas palavras e amado pelas
coisas. Aprofundando-me em universos humanos e lendo a realidade com os olhos sedentos
de um conquistador iconoclasta que ataca ferozmente todo ser cristalizado em
verdade vendida...
E aquele
sorriso, ah aquele sorriso... Será para sempre o marco da liberdade recuperada.
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