O lobo de Wall Street, de Martin Scorsese
Conta-se que Leonardo DiCaprio renovou em Martin Scorsese o
interesse por contar histórias para o cinema; os agradecimentos do ator
enquanto recebia o Globo de Ouro ao diretor dizia dessa renovação ao contrário:
a criatura agradecendo ao criador por acreditar em sua capacidade. O fato é que,
no universo da arte (e em qualquer outro universo) quando dois apaixonados
naquilo que fazem se encontram acontecem dessas coisas raras. Que o Scorsese,
mesmo com algumas obras não tão significativas no currículo, tornou-se, nos
últimos anos, uma espécie de designativo para algo de bom a vir para a tela tão
saturada de bobagens é já uma verdade quase inquestionável. É como se o nome
do diretor substituísse, por vezes, o nome da obra. Podemos não nos lembrar do
título do filme, mas, logo dizemos, aquele filme do Scorsese, para de imediato
completar, Scorsese é Scorsese. O mesmo se dá com DiCaprio. Na mesma situação de
não nos lembrar do título do filme dizemos, aquele filme com Leonardo DiCaprio.
O lobo de Wall Street
– peço licença aos partidários do contra – deve ser incorporado na lista dos
melhores dessa década, porque é a produção que faltava nesse tempo de cinema
obsoleto, do afã dos blockbusters que
se revezam ano sim ano não nas telas e sempre a cada edição vão reduzindo o
poder narrativo pelo poder visual, transformando a arte cinematográfica num
mero ir e vir de sensações. As falhas que houverem aí são perdoadas em nome de
um enredo muito bem estruturado, fotografia adequada, excelente trilha sonora e
a impecável atuação de Leonardo DiCaprio. É necessário apenas dizer, mesmo isso
datando mais ainda o texto, que o Oscar para Melhor Ator deve reconhecer isto ou
estará a Academia novamente cometendo aqueles deslizes que sempre costuma
cometer.
O centro da narrativa é a autobiografia de Jordan Belfort o
protagonista de uma história de sucesso financeiro que, a modo do que fazem
hoje os criadores das pirâmides comerciais que têm dado o que falar e dor de
cabeça aos setores financeiros de qualquer país, provocou, seguindo a euforia
do dinheiro fácil e a ambição pela riqueza a qualquer custo, uma fissura e tanto
na economia dos Estados Unidos. Pelo tom de destaque da personagem na
narrativa, terão uns a ideia de ser este um filme de exaltação da figura, que apenas
no uso da lábia, como se diz, ergueu um império em seu nome e levou outros
tantos para uma zona financeira até então permitida apenas aos grandes
potentados financeiros. Outros desenvolverão por Belfort a imagem de um trapaceiro
que somente ergueu um império de ar à custa da inocência alheia. E há espaço
para essas duas posições, o que não dá é para terminar o filme com um ódio
mortal desenvolvido a partir das atitudes de Belfort. E uma das razões para
isso está na forma como Scorsese decidiu contar essa história.
Mesmo não dispensando o narrador em primeira pessoa – o que
a princípio poderá tornar o filme um tanto enfadonho aos olhos de uns – vigorará o tom da galhofa, do exagero, como se essa característica de bom de lábia da
personagem se tornasse no próprio estilo da narrativa, de modo que ficamos entre o
ódio e a admiração sobre a capacidade com que a personagem lida com as situações e como
ela se reinventa a cada investida contrária do Estado em tentar colocá-lo como
um mal a ser combatido. De certo modo, Belfort acaba provando para o próprio
sistema capitalista o seu verdadeiro retrato: o de criar necessidades imaginarias
nas pessoas e fazer disso um trunfo através das quais apenas aquele que está na
ponta de suas criações é quem de fato lucra com isso. Belfort é uma criação do próprio
sistema que, vindo de onde vem, e com os interesses escusos muito mais abertos
que os do próprio capital, não pode ser detido assim, de qualquer modo, sob
pena de aviltar e expor ainda mais a bolha de ar que é o mercado financeiro e
causar assim um desastre maior ainda do que aqueles já experimentados nos anos
de crack das bolsas.
Fora do lance econômico, o filme de Scorsese é uma investida no campo das ambições humanas, que parece nunca está satisfeito ou saciado com a simplicidade das coisas; quanto mais possui, mas quer ter. E nessa escala perde-se ele da condição que o define enquanto criatura humana. É dessa sede que se alimenta Belfort e por isso, cada vez mais o uso de drogas para torná-lo super-homem, cada vez mais ativo para o lucro. E no que finda tudo isso? No que tudo isso é transformado? Em consumo. Aliás, tudo é consumo, o sexo despudorado, as festas badaladas, até os sentimentos são comprados a peso de dólar. Só não dá é para acreditar que tudo isso seja duradouro. Há limite para tudo. Ainda mais quando tudo é mediado por dinheiro. E, além dos exageros, é para testar que a vida é feita de limites que este filme existe. E mais: mesmo não tendo o cineasta nenhum interesse político com sua arte, o teor político se expressa no contexto em que este filme é apresentado; hoje, pela atual conjuntura de um sistema econômico em falência, é também uma denúncia de um sistema insustentável pensado e construído às cegas pelos Estados Unidos. Mas, não se enganem, essas três horas de filme não é nenhuma fábula de revisão moral; o que O lobo de Wall Street quer é provocar e, por isso, não se fixa de nenhum lado, nem favorável ou contra alguma coisa.
Fora do lance econômico, o filme de Scorsese é uma investida no campo das ambições humanas, que parece nunca está satisfeito ou saciado com a simplicidade das coisas; quanto mais possui, mas quer ter. E nessa escala perde-se ele da condição que o define enquanto criatura humana. É dessa sede que se alimenta Belfort e por isso, cada vez mais o uso de drogas para torná-lo super-homem, cada vez mais ativo para o lucro. E no que finda tudo isso? No que tudo isso é transformado? Em consumo. Aliás, tudo é consumo, o sexo despudorado, as festas badaladas, até os sentimentos são comprados a peso de dólar. Só não dá é para acreditar que tudo isso seja duradouro. Há limite para tudo. Ainda mais quando tudo é mediado por dinheiro. E, além dos exageros, é para testar que a vida é feita de limites que este filme existe. E mais: mesmo não tendo o cineasta nenhum interesse político com sua arte, o teor político se expressa no contexto em que este filme é apresentado; hoje, pela atual conjuntura de um sistema econômico em falência, é também uma denúncia de um sistema insustentável pensado e construído às cegas pelos Estados Unidos. Mas, não se enganem, essas três horas de filme não é nenhuma fábula de revisão moral; o que O lobo de Wall Street quer é provocar e, por isso, não se fixa de nenhum lado, nem favorável ou contra alguma coisa.
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