Frances Ha, de Noah Baumbach
Parece que já não temos muito o que inventar em territórios de
sétima arte; já usamos de tantos artifícios que não nos resta mais alguma
possibilidade perdida. Nesse fim de linha – expressão usada aqui apenas por
força de modo – o que resta ainda é voltar aos artifícios já inventados a fim
de ressignificá-los e, quem sabe daí, não nos dê a sorte de criar coisa que
valha. Persistente à minha maneira, acho que o cinema há que apostar sempre
naquilo que antes de tudo o constitui como arte, não perder a capacidade de
contar de histórias; um cineasta crente nesse artifício poderá revolucionar a
arte sem necessariamente mexer com a forma, mas mesmo assim estará produzindo
um trabalho de igual poder revolucionário. Essa constatação, compreenda, não é
gratuita; chega-me pelas lentes das melhores produções contemporâneas – e mesmo
através daquelas mais antigas.
Quando abre-se a câmera para apresentar ao telespectador a
personagem principal que dá nome ao filme, tem-se logo a impressão de que Frances Ha está interessado nesse ideal
da cinematografia, a narrativa, mesmo que sejamos tocados durante o filme inteiro pela crença de
que não há aí um roteiro assim rigorosamente bem elaborado. Mas, essa ideia que
nos persegue durante todo o filme, é uma prova de que o narrado não quer ser mais um comum comum e nem essa personagem principal preencher o mero perfil de uma
mocinha descobrindo-se ou descobrindo o típico amor ideal com o qual anseia
dividir o resto da sua vida, ainda que haja logo num primeiro instante um imbróglio
amoroso por se resolver.
Resolvido isso, o que sobra
é a história de um momento específico da vida de uma garota, quer dizer, nem tão
garota assim, em busca de uma única coisa, viver. Viver como se a vida não fosse
um linha composta de pontos cronometrados, com metas a vencer para alcançar num
futuro que nunca vem, o real sentido da existência. Existimos e é o suficiente.
Parece ser esta a cartilha pela qual se rege a personagem principal – ela e os
que ao seu redor mais permanecem, como é o caso da amiga de longa data, única
personagem, aliás, a atravessar de uma ponta a outra a narrativa.
Interessante observar isso, porque o telespectador atento logo
perceberá: todos aqueles, como o namorado de Frances, que têm essa vida pré-estabelecida,
vão se perdendo à medida que a narrativa avança. Para recuperar o lance do
desenvolvimento amoroso, mesmo quando isso se constitui num motivo para
determinado diálogo, não é ele um tema específico em torno do qual as
personagens se debatam a fim de provar uma performance
diante da vida. Aliás, se buscarmos um tema específico para este filme,
ficaremos no mesmo lugar de partida. Isto é, não há um tema sobre o qual o
cineasta tenha se esforçado para demonstrar alguma coisa.
Esse impasse – que não chega a ser totalmente um impasse –
tem suas raízes num gênero cultivado do cinema francês na década de 1950, a
nouvelle vague (e as produções francesas desde então terão reinventado essa
fórmula de maneira diversa), em que importa o detalhe, o realismo da história
e qualquer narrativa, basta estar tudo diante de uma câmera e tudo pode servir à narrativa
cinematográfica. E demorou tanto tempo para que o cinema estadunidense percebesse a
força dessa ideia. Só depois de se desgastar o suficiente em historietas
mirabolantes, com idas e vindas já desenhadas, com narrativas adocicadas de
amor com pitadas de riso besta; só depois disso, alguém do cinema estadunidense
percebe a força que é dar forma a uma história banal, mas em torno da qual se
desenvolve as situações mais bem elaboradas ou complexas.
Frances é uma mulher deslocada desses estereótipos já modelados
por Hollywood; nem parece estadunidense (temos muitas vezes essa impressão) e a achamos muito mais afeita à paisagem parisiense que na mais cosmopolita das Nova Yorks (e em algum momento do filme lá está ela sentindo-se, imaginem(!) deslocada). Mesmo
estando bem em qualquer situação, não é uma persona
comum integralmente ligada aos grupos já determinados – por não preencher
esses lugares comuns, ela torna-se persona
única conquistando um protagonismo, portanto, sem ser a máscara de uma
personagem, mas sendo meramente personagem. Isto é, é sua espontaneidade, a
marca principal, aquilo que a distingue entre as demais personagens. E isso é
bom; ficamos sempre querendo que irrompa na narrativa uma única situação em que
possamos testar sua versatilidade existencial e as situações não caem como imposições
de um narrador, mas se constituem pelos rumos (mesmo sem eles estarem totalmente
à mostra) tomados pela personagem.
As situações vão definindo Frances – mesmo na
superficialidade das ações – numa mulher de espírito profundo; em que a rudez da
beleza em preto e branco subtrai muito da expressão de sua personalidade,
demonstrada apenas pela sua constante atuação.
O filme finda por apresentar uma rica fotografia, calcada
sempre no detalhe que não é percebido pela câmera, mas pelas personagens que o
colocam, muitas vezes, em destaque na cena; e, sem esquecer, da também rica trilha
sonora, responsável pelo melhor da narrativa. capaz de motivar o telespectador ao
encantamento e a paixão à primeira vista pela personagem principal. É a trilha
sonora que transforma toda rusticidade da cena em algo delicado e é responsável
por atribuir uma personalidade ao filme; não fosse isso e talvez estivéssemos
diante de uma narrativa sobre um ideal um tanto confuso de uma nova geração
despida dos dramas fortes da geração da nouvelle vague e igualmente inspiradora
a fornecer a narradores mais atentos uma rica história.
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