Todos nós adorávamos caubóis, de Carol Bensimon
Por Pedro Fernandes
“Todas as ótimas ideias já pareceram más ideias em algum
momento.” A afirmativa é da narradora de Todos nós adorávamos caubóis, o mais recente livro da escritora gaúcha Carol Bensimon
que há dois anos publicou uma antologia de contos – Pó de parede – e um ano depois seu primeiro romance, Sinuca embaixo d’água. O primeiro
título, que foi decerto, o de revelação da autora, tem um rico ensaio de
escrita que reinaugura promessas no segundo e rui, que não seja em definitivo,
nesta terceira tentativa. Se o título nos sugere uma ótima ideia, a sugestão é
desfeita não em algum momento, mas em toda tentativa de romance; uma ótima
ideia, repito, mas que aponta para uma má ideia (afinal, o que sugere um termo
como este Todos adorávamos caubóis?)
e finda, se confirmando como tal: um texto com faro comercial e que pouco se
aventura esteticamente, pedindo a todo instante uma fuga desse status medíocre e mais um tempo de
maturação.
De modo que, são necessárias algumas respostas para antes de
indicar a leitura de Todos nós adorávamos
caubóis; as perguntas soam como aquelas feitas por um vendedor de livraria
que atende a um cliente perdido sem saber o que comprar de presente para alguém
que tem o gosto pela leitura e ele, pobre cliente que não tem sequer hábito de
entrar numa livraria, é logo, por essas perguntas-chaves, convencido pelo
vendedor a tentar escolher entre os livros da banca dos horrores – a títulos chinfrins
mas que estão de certeza entre os mais vendidos. No fim contas, só para
concluir essa anedota um tanto sem sentido, o leitor atento já terá percebido,
cliente perdido e vendedor encontram-se na mesma zona brumosa, nem um e nem o
outro sabe exatamente o que estão fazendo ali.
As perguntas são: a) numa autoavaliação, como você se
considera enquanto leitor? b) você tem coisas mais urgentes e importantes para
ler? c) que tipo de leitura você procura – aquela para laboração intelectiva ou
aquela de mera fruição? Se as respostas forem ou se aproximarem de:
considero-me um pequeno/ mediano leitor; não tenho nada urgente e nem
importante para ler no momento; e estando buscando algo para ler na praia,
antes de dormir, busco algo para passatempo. Bom, então, você reúne as condições
básicas e necessárias para receber como indicação de leitura este texto da
Carol Bensimon.
Todos nós adorávamos
caubóis não passa de um trabalho que reúne uma “pegada regionalista”, ao
visitar lugares, embora já empoeirados, da tradição gaúcha, com a imitação muito
barata de clássicos sexo-álcool-viagem, típico road trip a Hollywood. O resultado é uma tentativa falhada, talvez
porque o lugar de onde vem essa narradora está distante do ideal que se marginaliza, por exemplo, num road trip clássico como On the road, de Jack Keroauc. Cora, a narradora, é de uma família gaúcha
abastada, das que “enquanto todos passavam por aperto da oscilação econômica”
das décadas passadas, vivia sem dificuldades; vinda de Paris, onde foi cursar
moda, para estar por alguns dias próxima ao lado do pai que, depois de vários
anos separado, envolve-se com uma garota de praticamente a idade da filha e
está, agora, para ser pai novamente; ao invés disso, fica sabendo da chegada de
sua melhor amiga, que havia ido para Montreal, e resolve com ela, do nada, cair
na estrada para uma travessia pelo Rio Grande do Sul, uma viagem que há muito
estivera na conversa das duas, mas que nunca saíra do planos.
Vê-se que o mote para o nascimento da narrativa, este e a própria
narrativa desenhada durante a viagem dessas duas mulheres, num jogo entre
passado e presente, intercalando-se e dando tessitura ao narrado, é muito bem
feito. Esse entretempo segue também essa compreensão, ficando demonstrado que
nem tudo se perde na tentativa road trip made
in Brazil. Além do imbróglio familiar, Bensimon ainda pensa a amiga de
Carol, Julia, como a representante mais legítima dos elementos enformadores se não
identidade do estereótipo gaúcha, seja por certo resquício da infância e
juventude que vez ou outra irrompe no decorrer da viagem – as danças
tradicionais, a bebida, as vestimentas, o modus
vivendi de onde veio e a aproximação com determinadas nuanças da própria
língua. Isso também é bem feito. O que desanda é que isso poderia servir de
elemento a ser contraposto à personalidade da própria Cora, mulher sempre
urbana, signo de uma geração que desconhece seu lugar e não tem, ou ao menos não
aparenta ser assim, com referências locais muito bem elaboradas e é muito mais
influenciada por aquilo que é oferecido de maneira gratuita pelo modelo
cultural capitalista. Junte a isso uma história de amor mal resolvida no
passado entre as duas amigas e está desenhado o itinerário dessa viagem.
Cora reúne, portanto, todas as potencialidades para ser uma
narradora em conflito – seja pelo certo desencontro onde se vê dentro da
família abastada no tempo em que todos passavam por algum tipo de crise e em declínio
no tempo em que todos parecem está melhor, ao menos economicamente; seja pela
sua sexualidade, descoberta ao acaso pela mãe num dos muitos romances construídos
ao sabor da pressa sob seus olhos no seu quarto com a desculpa de mais uma
amiga; seja pela própria forma que escolhe para viver, sair do conforto
familiar para peregrinar em Paris a fim de dar contas de um curso que sequer
sabe ser isto o que quer da vida; seja ainda pelo reencontro inesperado com a
amiga amante e também a redescoberta desse amor adormecido pelo tempo enquanto
se põem em destinos escusos do mapa gaúcho. Mas, por uma razão ingênua, que é a
de problematizar essas condições, até mesmo esta de ser narradora, que faz o
todo homogêneo da narrativa desandar e findar tudo em delicadezas, desfechos previsíveis,
como se fosse este um romance que prefere fugir pela tangente ao invés de
enfrentar as situações elaboradas para sua existência.
Mesmo tudo isto estando lá
no texto, mesmo a escritora não escapando da capacidade criativa da invenção, o
próprio texto se recente de que tinha de ter mais ali. Tudo precisaria de mais uma dose de ânimo para que, enfim, pudéssemos
estar diante cuja natureza provocadora que tanto dá sinais melhor se expusesse.
Não falo aqui do nível linguístico – certa vez cobrado por um ou outro crítico
que também ensaiou compor notas como as que aqui vimos escrevendo; já devemos
dar por superada essa ideia de que o texto literário para ser designado como
tal deva ser aquele movido pela firula da linguagem.
A linguagem simples pode sim dá suporte para um texto bem construído
e ter assim menos desavenças com os leitores. E não é esse o caso de Bensimon
que parece se nutrir de certas manifestações literárias de seu próprio estado:
ou irão me dizer que um Erico Verrissimo, nome mais forte da escrita gaúcha, ou
para citar um ainda mais próximo de nós, João Gilberto Noll, são casos de excelência
literária devido ao rebuscamento da linguagem? Querelas linguísticas à parte, o
que problematizo aqui está no plano da construção e da forma narrativa. O
leitor que respondeu às questões que localizo no terceiro parágrafo deste texto
com a proximidade do que previ no parágrafo seguinte, muito provavelmente,
jamais perceberá esses detalhes, mas poderá se sentir sempre movido por um e daí a cada virada de situação.
Do ponto de vista temático, reunindo toda a gleba de situações
a uma cena um tanto de não muito destaque no romance – quando Júlia relembra
para Cora de como soube, ainda criança, da perda do irmão e antes disso do
apego que ela nutria por um brinquedo de vômito surrupiado pela amiga encrenqueira
Marcela – pode-se dizer que este é um texto de afetos, sobre afetos, e o que esses
afetos representam na vida das pessoas. A escolha da escritora em colocar isso
numa escrita está diretamente em diálogo com uma das problematizações encaradas
pelo romance contemporâneo, mas a via simplista escolhida para a sua construção
não alcança esse efeito problematizador. Isto é, a escritora se arrisca de
menos e esperamos, a todo tempo, que ela invista sempre mais na forma como
emoldura sua capacidade inventiva.
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