Os 10+ de 2013

Por Pedro Fernandes

Este instante é o mais o pessoal de todos os instantes que por aqui estou. O blog, em 2013, iniciou um processo de expansão, dada a grande visibilidade e ao aumento das responsabilidades, evidentemente, com este público que por aqui circula. Mesmo nas ocasiões em que providencio leituras sobre livros e filmes, por exemplo, busco sempre ocupar um lugar crítico que embora possa em alguma passagem se confundir com o lugar pessoal, não é necessariamente uma posição de igual natureza. Do mesmo modo quando estou destilando minhas opiniões sobre determinada questão; nesse caso, em específico, mesmo que haja um lugar do pessoal a se intrometer, é a posição crítica que busca se estabelecer sobre ela.

Como no dia 31 de dezembro de 2012 disse que aquele ano havia sido um ano intenso, volto a esse mesmo dito para redizê-lo de igual maneira. A correria para as apresentações de Retratos para a construção do feminino na prosa de José Saramago – meu livro – que resumo aqui como a responsável pelos momentos de maior realização profissional, num ano em que esse tempo de apresentações se dividiu na estadia em congressos, simpósios, colóquios, encontros sobre literatura, na ampliação de leituras para a escrita de uma tese de doutorado a sair em 2016 e outras tentativas de elaboração pela palavra.

Mas, além dessa satisfação, a maior das realizações quando o assunto é o Letras in.verso e re.verso está nas companhias que tenho construído para engrossar o caldo da escrita neste blog: Pedro Belo Clara, Rafael Kafka, Cesar Kiraly, Thiago Gonzaga (os que escrevem regularmente, a cada quinzena), servem a mim e aos leitores como vozes distintas num colóquio quase ad infinitum sobre aquilo que aqui nos irmana – a literatura. Espero ampliar essas parcerias em 2014 pelo teor enriquecedor que elas possam representar para o Letras.

Antes de separar os livros e os filmes de 2013 é preciso dizer o que ainda há de pessoal nela: não tem ela o mérito do ineditismo de outras listas que pipocam desde os meados do mês de dezembro por lugares diversos, nem está em conformidade com aquilo que foi mérito do ano. É uma lista daquilo que mais simpatizei nos dois gêneros e os méritos os breves textos que redigi a respeito procuram torná-los visíveis. Há sempre dificuldades em dizer apenas dez títulos – porque o certo era poder dizer mais – mas no balanço (que também não quer ser um ranking) restam os que mais mexeram comigo.



OS LIVROS

1. Claraboia, de José Saramago: o romance publicado em 2011 e que levou toda uma vida para se tornar público também teve de ficar quase três anos na estante até que eu – já depois de ler integralmente a obra do escritor português – pudesse fazer sua leitura. Resisti porque era, como se vê, o último título de um mestre que já não está aqui para escrever e dizer aquilo que mais carece a essa humanidade sem rumo. Foi preciso vir um convite (sobre o qual deverei ter oportunidade de falar melhor em 2014) para que eu pusesse essa resistência de lado. Saiu notas sobre este romance aqui e um texto meu para um periódico no Rio de Janeiro aqui.

2. Toda poesia, de Paulo Leminski: num ano em que fomos tão leminskianos, num ano em que se “vendeu e como!” poesia, num ano em que a Companhia das Letras teve a feliz ideia de produzir reencontros com o que estava fora de circulação tem seu tempo, esta reedição integral do livro Best-Seller do ano, talvez se firme como o maior acontecimento no meio editorial e é claro, não apenas por tudo isto, a poesia de Leminski é o que melhor há da capacidade de produzir arte a partir de trivialidades, mas sem fazer das trivialidades situações elevadas, e sim, fazer daquilo que elas são, poesia. Comentei por aqui.

3. o apocalipse dos trabalhadores, de Valter Hugo Mãe: 2013 finda sem que eu cumpra a promessa de ver escrita (mesmo depois de lida) as notas de leitura para tudo aquilo que já foi editado deste escritor português, um dos melhores da lavra dos novíssimos. Este romance tocou muitíssimo pela maneira como Valter Hugo Mãe engendra feminilidades (técnica já iniciada desde seu primeiro romance e que foi motivo de uma fala minha num dos congressos que participei este ano). Há notas sobre ele aqui; para serem lidas com a meta renovada de que em 2014, sim, findaremos a promessa de 2013.

4. Em breve tudo será mistério e cinza, de Alberto A. Reis: o primeiro romance deste escritor tocou-me muitíssimo pela razão única de que sinto falta de vozes alinhadas com aquele propósito literário dos primeiros instantes de nossa literatura; além de ter uma narrativa bem construída e um diálogo com determinadas nuances da história brasileira ainda carente de leituras. Falei sobre o romance por aqui.

5. Não entres tão depressa nessa noite escura, de António Lobo Antunes: já disse e muitos terão feito isso que António Lobo Antunes é um dos maiores nomes da escrita em língua portuguesa. Um ‘devassador’ na capacidade de reinventar os processos narrativos a partir da tortuosidade da memória e dos lugares mais escusos dos sujeitos e da sociedade. Este é já um dos títulos adiantados de sua extensa obra, mas é também uma aula de escrita, porque desde os primeiros romances, o romancista só tem se aperfeiçoado.

6. Livro de haicais, de Jack Kerouac: um dos nomes mais significativos da Geração Beat reinventou a estrutura do haikai japonês e estabeleceu uma revolução não apenas no gênero, mas na poesia produzida na América. A edição bilíngue feita pela L&PM Editores e com a tradução mais que elogiada de Claudio Willer é por isso e pelo exercício com a palavra, atividade dada a todo leitor, um dos livros mais significativos que tive oportunidade de ler neste ano. Há aqui uma matéria sobre este livro.

7. O arco e a lira, de Octavio Paz: um ensaio mais bem acabado sobre a poesia, desconheço. E um leitor de poesia – por maior que seja – duvido que esteja completo sem esta leitura, a um só instante ensaística e lírica. Paz, aos que se aventuram escrever sobre literatura dá uma aula de como ser o crítico pela crítica vazia ou ser o crítico que quer sobrepor-se a obra criticada. A meta para 2014, é entrar pelo Os filhos do barro, outro título de Paz que saiu aqui no Brasil pela Cosac Naify. Aqui no Letras também há notas.

8. Biologia do homem, de Jorge Reis-Sá: quando um poeta se apresenta em carne de palavra a dizer sem perder a capacidade do fingimento pessoano e diz não apenas de si, mas busca novas forças para alargar as fronteiras da própria poesia. O livro que li na minha rápida estadia em Minas Gerais e me levou a crer que há ainda muito que se fazer em territórios de poesia. Comentei sobre, aqui.

9. Dentro de ti ver o mar, de Inês Pedrosa: estou nas páginas finais do mais recente romance da escritora portuguesa e consigo me reencantar pela forma com que Inês escreve, ainda possuidora daquela força que me levou a indicá-la numa lista como esta em 2012.

10. Um encontro, de Milan Kundera: primeiro foi A arte do romance, depois A cortina e agora Um encontro. As pretensões muito bem-vindas de Kundera no ensaio e na crítica são aulas de sensibilidade; são modos de ver a obra literária sempre por um viés desperdiçado pela crítica comum. E aprendemos um tanto com este sentido arguto do romancista que se propõe dizer daquilo que lê.



OS FILMES

1. O som ao redor, de Kleber Mendonça Filho: o cinema nacional esteve na melhor forma neste ano de 2013 – contando os poucos títulos que tive oportunidade de assistir é possível ser um tanto positivista para acreditar que se não estamos saindo do modismo da comédia estamos ao menos tentando outras vias no gênero. O filme de Kleber Mendonça Filho é exemplo dessa nova onda. Tem notas aqui sobre.

2. Django livre, de Quentin Tarantino: a capacidade de Tarantino em produzir a partir de produtos tão diversos narrativas significativas e com um fôlego que escapa a rotina das produções hollywoodianas é um talento reconhecidamente de grande valia que torna muita prata em ouro, usando aqui um trocadilho barato. Comentei sobre o filme aqui.

3. No, de Pablo Larraín: visitar o passado negro da ditadura chilena e sua derrocada e tentar fazer dessa particularidade uma narrativa sobre a capacidade humana de subverter realidades pessimistas em nome de um bem pelo qual lutamos desde sempre – a liberdade e o direito de ser. Ao atingir esse propósito, consegue No ser um grande filme. Notas aqui.

4. O grande Gatsby, de Baz Luhrmann: muito que a crítica leu esta produção como um desastre. Eu a li como uma ousadia, ressignificar (e conseguir, evidente mais pela força da interpretação de Leonardo di Caprio) uma obra já várias vezes visitadas por outros cineastas. Mais comentários sobre o filme aqui.

5. Flores raras, de Bruno Barreto: aí está mais um produto de boom positivo do cinema brasileiro neste ano. Um filme sensivelmente belo, conforme descrevi em minha página no Facebook, construído sobre a sensibilidade dos versos de Elisabeth Bishop. Valer ver este filme. Mais notas aqui.

6. Blue Jasmine, de Woody Allen: um cineasta que sempre se reinventa. E se reinventa para melhor, o que é melhor ainda. Um filme entre o riso sisudo e o drama puxado para o trágico e com um texto muito bem elaborado. Notas aqui.

7. Camille Claudel 1915, de Bruno Dumont: teria outros destaques entre os títulos que pude ver no Festival Varilux de Cinema Francês – Renoir, O homem que ri, Ferrugem e osso, A datilógrafa, Adeus, minha rainha – mas destaco este pelo trabalho de preparação artística – um tanto inovador – e pelo acerto em reinventar as fronteiras do realismo no cinema. Há um texto sobre o filme aqui.

8. Álbum de família, de John Wells: como um cineasta modela mulheres a partir de suas histórias de vida e do encontro dessas histórias nasce uma narrativa em que Meryl Streep apresenta-se honrando o nome que conquistou no cinema. É um filme para o qual estou preparando notas, mas impossível de não estar numa lista como esta, porque, numa era dos blockbusters, poder ver um filme desse nível é ainda uma forma de crer que nem tudo está perdido.

9. Os amantes passageiros, de Pedro Almodóvar: Almodóvar encontra-se com Almodóvar. E o que resulta desse encontro? Um filme simples, mas rico e brilhante pela capacidade como incita o telespectador a reolhar sua vida e a vida que em nome do termo sociedade temos dado a criar. Notas aqui.

10. O sol, de Aleksandr Sokurov: tão significativo quanto outro título sobre o qual comentamos (e que é parte do mesmo itinerário percorrido por Sokurov) Fausto; filme impecável, seja no andamento da narrativa, na interpretação e no modo como o cineasta se debruça, primeiro diante de uma biografia, depois dessas artimanhas, das linhas constituintes e das formas de constituição do poder. Notas aqui.



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