É preciso construir gostos ou fazer um livro ser palatável ao gosto do freguês (Parte I)
Por Pedro Fernandes
Num país não raras vezes acusado de preguiçoso para a
leitura, os 19 mil exemplares já vendidos de Poesia Completa, de Paulo Leminski, rumo aos 100 mil exemplares de O sentimento do mundo, de Carlos
Drummond de Andrade, contraria as acusações. O caso pode se repetir
conjuntamente com outros escritores menos conhecidos: o que falta, os dois
casos estão aí para comprovar, é a preocupação por parte do próprio setor
livreiro em acreditar na leitura. Quando falamos em setor livreiro pensamos
desde as editoras aos meios mais simples de divulgação como páginas de fãs no
Facebook ou blogs menores. Está mais que na hora de rever determinados
julgamentos simplórios para pensar na própria máxima do mercado: não há retorno se não há alto investimento.
Essa observação não é gratuita. Ela nasce a partir das ações
que vejo editoras cumprirem quando estão à beira de apresentar ao meio mais uma
edição de algum autor Best-Seller. Quando J. K. Rowling, por exemplo, estava
escrevendo o seu mais recente trabalho, o Morte
súbita, já uma equipe se mobilizava ao redor do livro com sondagens,
especulações, que vão dando ao público aqui fora, uma expectativa em torno da
ideia, ou para relembrar algumas das máximas da retórica, já vão convencendo o
leitor para a aquisição do livro tão logo chegue às livrarias.
E toda sorte de
parafernália tecnológica existe disponível às editoras para isto. Há que ocupar
todos esses espaços durante o período de maturação das vendas. Outra máxima tão
válida em tempos de vandalismo capital é: não há como ser visto se não se fala sobre.
E de preferência que se fale muito – duas razões para o excesso, ou melhor,
três razões: nem todo mundo frequenta os mesmos lugares que os aficcionados por
livro frequentam; a cultura do excesso é uma necessidade imposta pelo próprio
capital; falar muito sobre uma coisa, independente da forma que for, bem ou
mal, faz com que a atenção do consumidor se volte para a coisa.
Destas três razões, suponho que as duas mais importantes
sejam a dos extremos, a primeira e a última. A primeira porque é tarefa do
mercado livreiro investimento na formação de novos leitores – não estou
eximindo da responsabilidade as escolas, os professores de língua materna e de
literatura, a família etc. estou, sim, pensando que o mercado tenha a mesma
tarefa comum a esses outros setores. E, grande parte dos que realmente precisam
ser despertados para o valor da leitura não estão fora dessa rede de
comentários sobre o livro. Muitos estão à vontade para entrar em quaisquer
lojas e sequer estão à vontade para entrar numa livraria e ter o gosto de
virar e revirar as novidades que aí circulam com o mesmo gosto que fazem isso
nas lojas. E sabemos que os que viram e reviram as lojas não o fazem isso por
necessidade, fazem pelo impulso tomado a partir da repetição do comercial na web, na TV, no rádio... Por que a triste
constatação de ter um pseudo trabalho artístico como Ágape do padre show Marcelo Rossi no topo das listas de vendas?
O fato é que se criou, desde largo tempo, uma cultura de individualismo e de
inacessibilidade à leitura, que não mais se sustenta para o atual estágio em
que estamos, mesmo ouvindo a torto muitos professores alardearem em alto e bom som em conferências, aulas e conversas que a literatura não tem quaisquer motivos de fazer alguma coisa por nós mesmos; que é a arte do diálogo interminável e impossível entre escritores e leitores, nem eles entendem o que dizemos de seus livros e nem estes entendem o que eles querem com seus livros. Estou noutra ponta e confio que, ou se derruba essa cultura ou todos padeceremos.
Quando E. L. James foi ao topo de todas as listas de venda ao
redor do mundo, o trabalho dela não foi e nunca será (tenho quase certeza
disso) lido com afinco pela crítica conceituada, mas muitos da crítica
conceituada terão não resistido à curiosidade de ler Os cinquenta tons e Cia. devido, primeiro, à sua própria ojeriza e
a leva de comentários negativos em torno da trilogia, segundo, pela necessidade
de conhecer o conteúdo dos livros apresentado pela maioria dos leitores como
muito bom ou mesmo como polêmico.
Agora, não estou aqui querendo que toda a literatura venha
se tornar num imenso festival de Best-Sellers. Nem isso seria possível, dado o
caráter artístico para a literatura, mas, à medida que vamos perdendo leitores
ou não se formando consumidores da boa literatura, é por omissão de uma parcela
ou grupo que leva o rei na barriga e acha ser dono de um lugar privilegiado no
panteão – sou melhor que fulano porque leio isso e aquilo, difíceis, distantes
e incompreensíveis ao povão. Isto, perdão da palavra, não é orgulho pelo saber,
mas patetice intelectual sem qualquer sentido.
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Um abraço!