Aconteceu em Saint-Tropez, de Danièle Thompson
Danièle Thompson já é uma veterana do cinema francês: quem não
lembra títulos como Mania de grandeza e
As loucas aventuras de Rabbi Jacob, produções
do início da década de 1970? Os dois filmes tem mãos da diretora que na época
estava em início de carreira e trabalhava como roteirista; isso depois de
iniciar com seu pai, o talentoso diretor Gérard Oury, ainda na década de 1960 em A grande escapada.
E foram anos de aprendizagem até que venham as primeiras
produções, ainda em companhia, em 1975 com Jean-Charles Tacchella em Primo, prima, em 1998 com Alain
Berberian em Paparazzi, em 1998 com
Gabriel Aghion em Minha sogra é demais...
Sua estreia solo vem com Três irmãs
em 1999, seguido de Fuso horário do amor
em 2002 com os atores Jean Reno e Juliette Binoche. Desde 1975, filmes que
tocam num tema em que tem se especializado, a família e seus problemas em leves
comédias.
Os dois títulos de maior sucesso de sua carreira antecederam
este de 2012, Um lugar na plateia e Mudança de planos, em 2006 e 2009,
respectivamente. Aconteceu em
Saint-Tropez é já o ápice, digamos assim, do gênero perseguido desde a década
de setenta. Aqui, um festival de mal
entendidos que, no fim de contas, levam aos acertos, numa clara alusão de que
as coisas como estão (em se tratando de questões familiares, mas pode ser
levado para outras situações) pior não há de ficar.
Dessa vez Danièle centra-se em duas famílias não opostas,
mas uma delas é de formação judaica, que vivem duas situações opostas: uma está
prestes a celebrar o casamento da filha (casamento que pode ruir porque no
caminho para festa o noivo encontra-se por acaso no mesmo trem com a prima dela
e, abalada pela perda da mãe, carente, e dando dicas para os votos de casamento
do rapaz, no fim da viagem, tasca-lhe um beijo, do qual nascerá um amor à
primeira vista). Esse parêntesis já explicou a outra situação. A segunda
família tem de celebrar o funeral da mãe. Entre tantos costumes da tradição judaica que devem
ser seguidos à risca, o corpo acaba sendo levado para a mesma casa em que o casamento
irá acontecer, promovendo um entrecruzamento de situações e humores responsáveis pelos
momentos mais significativos do filme.
Danièle alcança aqui as bases para o que poderíamos chamar
de tragicomédia – se atenuarmos, evidentemente, as fronteiras do termo. Coloca
em cena e dividindo o mesmo espaço duas situações totalmente opostas: a felicidade
alheia e quase aparente (não contaremos aqui se esse amor à primeira vista há de
vingar ou não) e a dor da perda de um ente querido. Acrescente nesse grupo um
idoso com problemas de Alzheimer e uma mulher metida a rica, linda, mas fútil e
burra e pronto.
A relação de opostos não ficará nas situações: Zef (o judeu
que perdeu a mulher) é totalmente ligado à tradição e aos valores, está situado (ou ao menos tenta) noutro tempo que não o meramente cronológico; é músico e não tem qualquer obsessão pelo dinheiro, mas
toda pela profissão. O irmão Roni (casado com a metida a rica, linda, mas fútil
e burra) é o típico sujeito da nova sociedade: enricou à base do jeito fácil e
do trambique, não tem qualquer apego ao trabalho e a formação cultural sua
resume-se a festas no iate, ao dinheiro, à aparência.
Além desse conjunto de mal entendidos e dessa oposição nos modos de ser das personagens vão se somando uma penca
de mentiras sobre o mundo das duas famílias, mentiras que constituem em laivos de drama e que vão sendo reveladas
umas após outras porque, afinal, o que é mesmo que se esconde nos dias de hoje? São elas, aliás, o que sustentam toda armação narrativa. Sem esses imbróglios a trama corria o risco de afundar.
Pode parecer que Aconteceu em Saint-Tropez seja um filme superficial, por termos a impressão
de estarmos diante de uma novela simples, mas tudo aí tem sentido muito firme:
a aparente conversão da filha de Roni e a compreensão dela do mundo do tio, é
só um exemplo que podemos citar aqui. Situação que não é gratuita uma vez que
representa um meio termo entre as duas famílias. Danièle coloca à vista do
telespectador pelo menos dois modelos vigentes na sociedade contemporânea, mas
sem querer opor um ao outro, nem dizer qual deles é o melhor, mas dizer que é
dessas diferenças de que somos compostos. O papel da filha de Roni é
justamente o catalizador nesse lusco-fusco de situações, apontando já para
outra possibilidade de organização social. Perde-se aqui a categorização dada
por uma parte da crítica que a produção francesa se resuma apenas a uma
comediazinha. Danièle busca do comezinho reconstruir a dinâmica do jogo das relações
não apenas de família, mas das relações sociais, uma vez que as duas situações aí
podem ser vistas como núcleos metonímicos sobre as relações externas.
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