Por Alexandre Alves, Zila Mamede em inglês
Edição bilíngue de Rosa de Pedra. Publicada em 2013, o livro vinha sendo traduzido por Alexandre Alves desde 2010. |
Em 2008, ano em que Zila Mamede completaria oitenta anos de
idade, este blog que já perseguira os caminhos de sua poética, compilou numa
série denominada Itinerários da poesia de Zila Mamede, um texto do poeta Paulo
de Tarso Correia de Melo, que reaparece numa reedição de Navegos (acrescido do inédito A
herança), de 2003; depois estivemos publicando poemas e um texto redigido pelo
editor e moderador do Letras in.verso e re.verso então editado pelo caderno Domingo, do jornal mossoroense De Fato. Mais tarde quando do
nascimento do caderno-revista 7faces, Pedro Fernandes não hesitou em inscrever o nome da poeta como um dos primeiros a serem homenageados pelo periódico.
A retomada desse nosso histórico de publicações (abaixo estão
os links para acesso à íntegra dos textos aqui citados) tem um interesse: dizer que um acontecimento dessa natureza não nos passaria despercebido. Falamos,
evidentemente, da edição cuidadosamente trabalhada pela Editora Queima Bucha,
de Rosa de pedra. Mas, não é uma edição
comum, ou mera compilação da edição publicada em 1953. Não, além do trabalho
editorial da Queima Bucha, há o trabalho do pesquisador, estudioso e agora tradutor da obra de
Zila Mamede, Alexandre Alves, que deu concretude a um projeto há muito já desenhado
mentalmente: traduzir a poeta para o inglês. Isso mesmo, a edição ora publicada é uma edição bilíngue
– português/inglês – do livro que abre a tábua bibliográfica da poeta potiguar; livro que, já terão notado os mais atentos, inteira sessenta anos de sua publicação agora
em 2013.
Alexandre já é conhecido no Rio Grande do Norte pela sua atuação
como "mentor de leituras", poderíamos assim classificar, num trabalho que já
conta com nove textos independentes, que são os guias para o leitor, produzidos
para estudantes do ensino médio que, sempre, estão precisados de um empurrão na
compreensão dos textos literários colocados para eles quando no processo
seletivo de acesso ao ensino superior: nessa lista, estão leituras para obras
específicas de nomes da literatura brasileira, como Carlos Drummond de Andrade,
Jorge Amado, Machado de Assis, Luis Fernando Verissimo, entre outros, como o nome
da poeta potiguar Auta Souza. Aqui está em jogo mais o lugar do crítico, ainda
que seu esforço aqui esteja pautado em esmiuçar categorias e precisar
determinados sentidos das obras em questão.
Nesse mesmo itinerário, Alexandre Alves publicou outros dois
livros: um, proveniente de sua dissertação de mestrado, que toma também da poesia
mamediana como interesse de pesquisa, Silêncio, mar – a poesia de Zila
Mamede nos anos 50 (livro editado pelo Sebo Vermelho); outro, uma compilação de textos com temas diversos, como
literatura, cinema, poesia e música pop em Linguagem,
lirismo, destino – três visões sobre a cultura de língua inglesa (editora
Sol). Aqui, encontramos com um dos elementos mais necessários a essa empreitada
que aparece agora editada sob o título de Rosa
de pedra – The Stone Rose: antes de ser Mestre e Doutor em Literatura
Comparada, Alexandre é Graduado em língua inglesa. A fluência no idioma de Shakespeare, evidente, é a primeira condição a
permitir alguém se aventurar nesse território complexo e perigoso que é o da tradução: território que, segundo Alexandre, pisa com certa tranquilidade
porque lhe foi sempre uma tarefa que quis fazer, um motivo pessoal, que, só
agora, lhe foi dado a oportunidade de colocá-lo em prática.
Primeira edição de Rosa de pedra, de Zila Mamede. O livro de estreia da poeta é publicado em 1953 e já projeta o nome de Zila como um dos nomes mais proeminentes da literatura potiguar. |
Mas, o motivo de uma edição inglesa para o livro de Zila
Mamede não finda aí; Alexandre diz lidar com a língua inglesa desde os treze
anos e faz isso diariamente, mas para traduzir não é preciso apenas dominar
outro idioma com consistência, é necessário também o domínio da própria língua
materna. Depois de observar a ausência de qualquer obra inteira de algum poeta
local vertida para o inglês e de conseguir o aval da irmã de Zila, Ivonete
Mamede, atualmente professora aposentada do Instituto Federal do Rio Grande do
Norte, foi que a ideia começou a ganhar forma. Há aí o interesse de, como
leitor, pesquisador e, logo, conhecedor da valiosidade da obra de Zila Mamede, levá-la
a um número maior de leitores, inclusive as que visitam o Rio Grande do Norte e
aqui se deparam com a ausência de obras de escritores locais num idioma de fácil
acesso a eles. Lembra Alexandre só conhecer um único caso do gênero que foi uma
obra lançada recentemente pelo poeta Paulo de Tarso, mas numa versão em
português/francês; também, e até já damos por isso aqui, o poeta David Leite, publicou um livro em edição bilíngue,
Incerto caminhar, mas em
português/espanhol.
Além de estar à vontade nos dois idiomas, o tradutor
percebeu que a sonoridade dos poemas em língua inglesa mantinha uma semelhança com
o ritmo dos versos em língua portuguesa: “Vinha traduzindo desde 2010 e minha
ideia era lançar uma edição a baixo custo para que os estudantes de Leras, de
um modo geral, e outros interessados pudessem entrar em contato com a poesia
dela.” É útil lembrar que, desde a edição de 1953, nunca mais Rosa de pedra fora publicado de forma
autônoma – assinala Alexandre que além de estudar a obra de Zila no mestrado, também a estudou no doutorado, outro elemento que terá contribuído para o desafio de ver
os versos da poeta em língua inglesa.
Zila Mamede em fotografia de 1951. |
Leitor de Zila Mamede desde a adolescência, Alexandre,
afirma que Rosa de pedra lhe é o
livro mais forte e lírico da poeta, “é diversificado e cheio de imagens bem
singulares, mas ela tem um vocabulário difícil; não é uma obra para principiantes,
exceto alguns poemas” – lembra. “Os versos trabalham com elementos considerados
mais universais, como a solidão, o medo, a passagem do tempo, tudo em que ela
também experimenta. O poema ‘Canção do sonho oceânico’ tem mais de 150 versos
livres. Nada mal para uma estreia” – justifica o tradutor.
Diante dessa força poética, pensando nas diversas
afirmações já disseminadas de que um tradutor deve se aproximar ipis literis do texto traduzido ou corre
o risco de se passar traidor ou mesmo de que não há tradução, sobretudo, para a
poesia, Alexandre escapa desses lugares compreendendo que tudo isso tem muito
mais de mito do que de possibilidade: “nos 36 poemas de Rosa de pedra”, diz, “alguns foram exaustivamente retrabalhados e
ganharam várias versões, do mesmo modo em que a própria Zila mudou sutilmente
vários versos da edição original na coletânea lançada em 1978 (Navegos). Prender-se ao original não seria
uma expressão adequada e muito menos traição. Na versão original em língua
inglesa, a famosa frase de Shakespeare – ‘Há mais coisas entre o céu e a terra
do que julga nossa vã filosofia’ – não possui o ‘vã’, que parece naturalmente
verdadeiro em português.” E, pergunta-se o tradutor, “como saber quem ‘traiu’
quem, Shakespeare ou tradutor? Fico com a expressão de Umberto Eco: ‘Quase a
mesma coisa’. Quanto ao fato de tradução
de poesia, creio ser tão difícil quanto traduzir uma obra da
Engenharia Civil. Se o cálculo for errado – no caso, a tradução –, o prédio
pode cair. Ou ficar de pé.”
O fato é que “não há tradução perfeita”, diz Alexandre, “penso
que há uma tradução justa”; as dificuldades sempre existirão, mas a língua
inglesa guarda muitas semelhanças com o idioma de Camões. O que lhe dificultou
mesmo nesse processo, diz, “foi descobrir que Zila trabalha muito a vírgula e
termina seus versos rimados usando adjetivos, enquanto se sabe que na língua
inglesa o adjetivo vem sempre antes do substantivo.” Nesses casos, a sintaxe
sofreu algumas alterações, mas nada que alterasse substancialmente o sentido do poema.
Projetos para depois? Sim, já em novembro deste ano, no
âmbito do Festival Natalense de Escritores, Alexandre apresentará a primeira
parte de sua tese de doutorado, Poesia
submersa: poetas e poemas no RN (1900-1990). Depois desse título há pelo
menos mais sete na lista, entre eles uma coletânea sobre poesia marginal potiguar
e uma sobre poesia e crítica literária. O que nos resta dizer é, que bom que o
Rio Grande do Norte tem, entre os pesquisadores, nomes como o de Alexandre. Zila
foi-lhe porta de entrada e agora lhe é bússola a indicar novos trajetos de
pesquisa.
A seguir leia quatro sonetos do livro Rosa de pedra.
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