Prenda-me, de Jean-Paul Lilienfeld




Este filme é um exemplo que corrobora para a tese de que não importa o acontecimento: por simples e bestial que pareça um cineasta francês, um bom cineasta, consegue arrancar dele um enredo que a depender do seu humor pode descambar para uma comédia, para um romance, para um drama. Na maioria das vezes, é verdade, prevalece o drama, afinal, parece que é mais fácil fazer das situações corriqueiras algo do tipo. E é o que acontece em Prenda-me, de Jean-Paul Lilienfeld. Mas o filme não é todo um drama, ele está aí como gênero-base, mas tem seu pé na comédia e no thriller psicológico. Dois gêneros, diga-se, bem vivos no currículo do cineasta francês: basta dizer que Lilienfeld deu início à sua carreira cinematográfica no início dos anos 1980 como ator de comédias, enquanto isso, escrevia para televisão e para o cinema materiais diversos como o filme L’Oiel au beur(re) noir, um drama que trata do racismo no cotidiano; em seguida produz quatro longas-metragens que são comédias e três filmes para TV que estão lá e cá nos gêneros.

Esse estilo, de fazer brotar do nada ou de uma situação inusitada uma complexa história, como é nesse filme de 2013, nasce em 2008, quando dirige O dia da saia, um drama no qual Isabelle Adjani interpreta uma professora depressiva que, após um quiprocó, toma sua classe como refém. Depois, nesse mesmo estilo, ele adapta Les lis de la gravite, um romance de Jean Tuelé sobre a violência conjugal. E Prenda-me é um misto então dos dois filmes anteriores. Está em cena, uma mulher que, dez anos depois de ter a polícia afirmado que a morte do marido foi suicídio e não homicídio, quer, por todas as vidas, ser presa pelo acontecido.

Tudo poderia findar aqui: a tenente de plantão poderia ouvir-lhe a história, redigir-lhe o boletim de ocorrência e mandá-la ao xilindró. Mas, não é o que acontece. A atitude espontânea da mulher levará ela a um interrogatório que, num instante em que lhe revela o drama vivido quando casada, a situação da morte do marido, dão ao telespectador a impressão de que a vida da personagem, de fato, não tem sentido algum. Ficamos entre a tenente - "tudo o que viveu é a prova de que você não cometeu esse crime" - e chegamos, no instante seguinte, a desejar que ela seja presa; quando aparece nesse caudal de lembranças a figura do filho que, inconformado com a morte do pai, persegue diariamente a mãe numa tortura psicológica que lhe reforça o sentido de culpa e a certeza de ter sido a responsável criminalmente pelo acontecido.

O diálogo forçado entre as duas personagens em cena revelará não apenas o drama da autoculpada do crime, como revelará o drama vivido pela tenente. Em situação semelhante a da mulher que quer a todo custo ser presa, a policial, foge do seu campo ético, para tentar provar por A + B que levá-la à prisão não seria uma boa ideia. Isto depois de todo tipo de chantagem pessoal, desde a tentativa de fazê-la crer no abandono do seu filho e das pessoas que amam e dependem de seus serviços como carteira. E o que se revela é a verdade de que a pessoa perfeita não existe, que até morte, em determinadas situações, pode ser um registro que deve ser negado para que haja a liberdade do outro existir. A situação se estenderá noite adentro, porque é interesse da  tenente que a pena, a um dia de ser prescrita, possa ser a cartada final para convencê-la a desistir da prisão. Não servirá.

Simples, mas não simplista, o roteiro de Prenda-me sonda todos os limites do embate discursivo. É um filme falado, um filme de embate pela palavra, em que ambos os lados se firmam por fazer valer seu ponto de vista, utilizando todos os limites possíveis e até as consequências finais desses limites. É visível que ao invadir e perscrutar os diversos redutos das subjetividades dessas duas mulheres, Lilienfeld prova as tênues linhas entre razão e barbárie, entre a retidão dos modos de ser e sua fuga. A posição que o cineasta quer reduzir quem o assiste, é a do desconforto – desde a tremulação das cenas de lembrança das personagens – a de superação dos limites éticos e profissionais da polícia e o tema social que perpassa toda a trama: o da violência contra a mulher. As duas vão sendo reduzidas ao mesmo estágio, a fim de provar que, no final das contas, não há ninguém melhor do que ninguém, somos todos raça humana e estamos sujeitos aos mesmos acertos e mesmos desvarios da vida.  



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