Paulo Leminski

Paulo Leminski, Foto de 1976.

Não foram poucas as vezes que vimos lendo novidades em torno de Paulo Leminski, desde quando em meados de 2013, se anunciou a publicação de Toda poesia (comentamos aqui), livro que já se tornou Best-Seller entre os brasileiros, e que tem despertado o interesse pelo elogio crítico e pelo comentário de discordância do fenômeno alçando o poeta à classe de tipos como Paulo Coelho. Isso pode ser motivo para outra entrada mais adiante nesse blog. Por enquanto, tratemos é de deixar registrado (e cumprir assim outra promessa já há muito feita por aqui) sobre os traços biográficos e bibliográficos do poeta curitibano.

Quando foi publicada em 2001, O bandido que sabia latim, de Toninho Vaz, a primeira incursão em torno da vida de Paulo Leminski (obra que está na lista das reedições até o fim deste ano), o poeta já era um mito entre as novas gerações em Curitiba. Onze anos depois, e o sucesso de Toda poesia explica, esse mito se expandiu e tornou-se influência em todos os cenários da literatura brasileira. As vantagens disso é que, além da obra, o interesse pela vida do poeta ganha outra dimensão da que existia, por exemplo, em 2001. Vida tão extraordinária quanto a obra que produziu. Mas, a depender do ângulo com que olhemos, encontraremos, para repetir o que disse Toninho Vaz, independente de seu gênio poético e de sua obra, um Paulo Leminski normal.

As primeiras “aparições artísticas” do poeta terá sido com o irmão Pedro, no início dos anos 70, pelos bares de Curitiba como músico; não eram grandes nomes, eram misto de cantores/compositores ligados às mais variadas formas de expressão que se apresentavam em troca de cachê na noite. Pedro terá ficado pelo caminho enquanto Leminski, mesmo desprovido de qualquer talento para a música, se aproxima de importantes nomes da cena musical da época e consegue emplacar alguns sucessos como Promessas demais (com Zeca Baleiro e que foi tema de abertura da novela da TV Globo Paraíso na voz de Ney Matogrosso). A primeira canção, por  exemplo, escrita quando ainda tinha 20 anos e na companhia do irmão foi a balada Oração de um suicida, gravada em 1981. Para a banda A Chave, uma das primeiras bandas de rock do cenário curitibano, compôs títulos como Buraco no coração e Me provoque pra ver. E voltando ao lugar que alcançou com o tema da novela, as composições de Leminski foram parar na voz de Caetano Veloso, Moraes Moreira, Itamar Assumpção, Arnaldo Antunes, Zizi Possi, Ângela Maria, sua glória suprema pessoal. A relação com o irmão terá se complicado no decorrer disso tudo: Pedro suicidou-se e Leminski assumiu desde então uma posição radical diante da vida: um suicídio lento que só irá acabar com sua morte prematura, pode-se dizer, aos 44 anos em junho de 1989.

Se o trabalho de Pedro de certo modo caiu no esquecimento, o de Paulo foi apenas ganhando ascensão desde então. A ‘vocação’ para a literatura poderia nem ter vindo. O poeta nascido em agosto de  1944, tinha como imagem paterna, o trabalho militar, e o pai o queria assim, militar; o pai também Paulo era filho de poloneses que já moravam no Brasil desde quando o Pedro – o avô – veio para cá e tinha profunda admiração (imagine!) pela ditadura varguista. E a família de Leminski, até se fixar em Curitiba terá percorrido largo interiores do sul, justamente por causa dos serviços do pai. Essa experiência de certo desenraizamento terá servido na formação de Leminski, mas os interesses dos pais que nem sempre são os interesses dos filhos não terão tido tanta influência assim. E a tal vocação literária aportou nele muito cedo. Aos 8 anos, conta, teria escrito seu primeiro poema “O sapo” – que em nada tinha do famoso “Os sapos”, poema-alvoroço da Semana de 1922. Era sim um poema de temática bucólica e campesina do interior do país.

O fim do regime de Getúlio Vargas deu a oportunidade de retorno da família pra Curitiba. Os estudos eram completados pelas leituras de Camões, Homero, Antero de Quental, Euclides da Cunha, textos da paixão do adolescente Paulo; e, se o traço da vocação literária aí estava como estava no poema de 8 anos de idade, nunca foi, de princípio, bem interpretado por ele. Paulo Leminski quis ser padre. Foi para o Mosteiro de São Bento, mas só ficou por lá um ano. A vida regrada não terá servido para um adolescente irrequieto como ele era. É verdade que esse curto tempo no mosteiro terá lhe servido para uma introdução a diversas leituras – que agora são títulos de Virgílio, Dante e poesia clássica – e o aperfeiçoamento de sua experiência religiosa e os primeiros contatos com o budismo e zen-budismo; foi também quando iniciou sua correspondência com alguns nomes já famosos e sujeitos da cena jornalística do seu estado.

Da direita para esquerda: Paulo Leminski, Roberto Pontual, Luiz Costa Lima, Lygia e Augusto de Campos, e Lila Pignatari. Belo Horizonte, 1963. Foto: Décio Pignatari.

A saída do colégio dos beneditinos deu início a um novo período na vida de Leminski que agora frequentava a Biblioteca Pública do Paraná, onde conhecerá e fará parte do Clube Literário Juvenil Dario Vellozo. E depois de concluir o restante dos estudos básicos foi aprovado para o curso de Direito, período em que suas relações com o universo da literatura mais avançam. É quando, por exemplo, sai de Curitiba para participar em Belo Horizonte de um evento literário organizado por como Affonso Ávila e Affonso Romano de Sant’anna em 1963. Essa participação foi, de fato, decisiva: se encontra com o grupo da poesia concreta, com nomes como Décio Pignatari, Pedro Xisto e Haroldo de Campos, além de críticos como Roberto Pontual e Luiz Costa Lima. Desses encontros, não apenas o poeta se aproxima de outros nomes importantes da cena cultural brasileira como se abrem as portas para a participação em revistas e outras publicações conjuntas o que só ampliaria seu nome entre as figuras das artes, como José Lino Grünewald, Boris Schneiderman, então tradutor da Maiakóvski. Também terá favorecido a aproximação de Leminski com outras leituras, como Mallarmé, Sousândrade, Cruz e Souza, Guimarães Rosa, Oswald de Andrade... A faculdade foi ficando para trás, a de Direito e as outras.

Depois de separar-se do primeiro casamento – prematuro casamento aos 17 anos – foi trabalhar numa livraria como vendedor e depois como professor de cursinho. Anos depois conhece a também poeta Alice Ruiz e com quem viverá por mais de 19 anos. E depois de muitos anos publicando textos esparsos em periódicos a primeira obra aparece em 1975, depois de oito anos de trabalho; e não veio em forma de verso, mas num romance experimental, Catatau. Depois se segue Quarenta clics em Curitiba (poesia). As duas obras abriram-lhe as portas para os livros seguintes, mas grande parte das publicações levou seu tempo para maturação e saíram muita delas bastante próximas. Por exemplo, entre Etecetera e Polonaises, seu terceiro livro, foram quatro anos, mas em 1980 publicam-se igualmente Não fosse isso era menos/não fosse tanto e era quase e Tripas. Depois mais um verão de quatro anos para a aparição de Caprichos e relaxos – primeira tiragem por conta de uma editora – e Agora é que são elas (segundo e último romance). Do gênero poesia ainda vieram La vie em close, O ex-estranho e Winterverno.

Esse tempo esparso era também ocupado com outras atividades de escrita. Leminski também escreveu biografias sobre Cruz e Souza, Bashô, Jesus, Trotski – textos que foram reunidos numa só edição com o título de Vida; ensaios e traduções. Nessa última atividade, traduziu John Fante, James Joyce, Petronio, Samuel Beckett, dentre outros. Antes que tudo isso tomasse forma, Leminski terá sido um dos maiores agitadores culturais da Curitiba de seu tempo com atividade em vários grupos que tinha amplo interesse na discussão sobre literatura, como grupo Áporo que tinha uma função provocadora aos escritores de então e até publicou um manifesto recebido pelo reduto conservador da cidade, o Boca Maldita do qual faziam parte nomes como Dalton Trevisan e que se reuniam em torno de cafezinhos e bate-papos.

Talvez haja uma explicação um tanto redutora que faz com que boom em torno da literatura de Leminski ocorra numa situação em que a poesia e as artes em geral têm seus redutos cada vez menores: toda sua inquietude provocadora terá se tornado em energia futura da qual toda sua obra ainda consegue jogá-la para adiante e fazer-se circular. É possível.

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Aqui, o leitor pode acessar um catálogo que reproduz catorze poemas, três canções inéditas de Paulo Leminski mais o ensaio “Leminski, o samurai malandro”, da crítica Leyla Perrone-Moisés.


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