Seara de Vento, de Manuel da Fonseca
Por Pedro Belo Clara
Neste artigo de estreia, trago até si, estimado leitor, a
principal obra de um dos maiores vultos do Neo-realismo português. Embora não
aprecie particularmente as comparações, tampouco as incremente ou incentive – por
senti-las uma espécie de veneno do talento e da preciosa individualidade de um
autor –, poderei dizer, com o vero intuito de elucidar o leitor, que se os
americanos tiveram John Steinbeck, os portugueses contaram com Manuel da
Fonseca. De facto, as semelhanças entre ambos são diversas, embora um não seja
a expressa cópia do outro (ainda que tivessem sido contemporâneos). Cada um
vale e se afirma por si mesmo em sua valorosa actividade – que tal nunca seja
colocado em causa.
Nascido na secura das infindas planícies alentejanas, Manuel
da Fonseca trouxe sempre a atmosfera da sua região natal consigo, reflectindo-a
em diversos trabalhos, como se de um fidedigno espelho se tratasse. As
histórias que viveu, testemunhou ou simplesmente escutou, bem como o cenário ao
qual nunca deixou de pertencer, povoam os seus romances, poemas, contos e
crónicas de uma forma perfeitamente natural. Por outras palavras, encontrou o
lar dentro de si mesmo; e, por isso, cada coisa que fazia se impregnava dos
seus elementos. Mas algo mais conferia substância ao trabalho deste autor: a
sua consciência social, traduzida pela luta democrática que levou a cabo em
duros tempos ditatoriais. Seara de vento
é um fiel exemplo dessa intenção de crítica e de denúncia.
Mesmo não sendo um romance estritamente ficcional, uma vez
que se baseia na “tragédia do Monte da Pereira” (ocorrida no Alentejo, durante
os anos 30 do século passado), representa um mote de resistência e de união do
povo, fraco e oprimido, contra as constantes injustiças do mundo social. De
facto, dificilmente se olvida o épico desfecho, a derradeira imagem cravada
pelo autor com toda a intencionalidade, em que a camponesa Amanda Carrusca,
mulher já dona de uma certa idade, se prepara para resistir à investida de um
guarda policial – mesmo sabendo que «um homem só nada pode». É claro que
diversos motivos a levaram a tal acto, sendo através deles que, translúcida, se
poderá compreender a ideia da inevitável luta de classes, a origem de toda a
mal fadada ocorrência, onde a dívida sempre é paga por quem não a contraiu.
Apesar de algumas intenções criminosas que, aqui e ali, vão
polvilhando o relato, o primordial propósito deste romance é amplamente servido:
o anúncio da revolta crescente contra o desmesurado poder das classes mais ricas,
nele bem personificadas, e as injustas consequências e condenações de seus
incriminatórios actos. E é esse comportamento que, na obra, instiga o homem
comum, sedento de justiça, levando-o até ao débil limiar da sua consciência.
Então, desprovido de (quase) tudo, luta pela derradeira de suas posses – a
integridade. É precisamente por isso que entendemos, em “Seara de Vento”, o
grito de revolta e o alerta de Manuel da Fonseca para certas realidades que se
inclinavam para tombar num esquecimento tendencioso.
Além da sua principal substância, a obra enquadra-se de
forma lúcida e competente naquilo que mais pretende sugerir e fazer sentir. O
uso de imagens que insinuam sombras e negrumes, os uivos do obstinado vento que
vagueia pelo monte como um tenebroso espectro, os recantos obscuros da casa da
família, a dor calada no peito de cada personagem central… Tudo contribui para
adensar a penumbra de um clima bem real e cru; de certa forma, a deplorável
decadência que a todos assolava. E é aqui que Manuel da Fonseca, mais do que
nunca, revelou parte de sua mestria literária – na construção dos cenários que
ao romance servem de fundo. Sem esquecer, contudo, as constantes denuncias das
sociais ocorrências de um Portugal pobre e pouco instruído, governado apenas por
e para alguns – os fiéis a um regime fascista que vigoraria por mais de
quarenta anos.
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