O grande Gatsby, de F. Scott Fitzgerald

Por Roberta Fabbri Viscardi*







A história pessoal de F. Scott Fitzgerald refletiu a história de seu tempo. O autor obteve sucesso e fama incomparáveis na década de 1920, viu-se na obscuridade durante a Depressão dos anos 1930 — quando obteve o famoso colapso nervoso que relatou nos ensaios batizados de Crack Up — e faleceu em 1940, aos 44 anos. Quando sua morte foi divulgada, Fitzgerald estava totalmente fora de catálogo e praticamente esquecido. Ele não havia publicado um livro em 5 anos, e apenas 72 cópias de suas 9 obras foram vendidas durante seu último ano de vida. Seus contemporâneos foram pegos de surpresa ao verem seu obituário estampado nos jornais, mas não devido à morte prematura. Muitas pessoas acreditavam, na verdade, que o autor estava morto há muito tempo.

A década de 1920, descrita por Fitzgerald em seu texto retrospectivo “Ecos da Era do Jazz”, publicado em 1931, “foi uma era de milagres, foi uma era de arte, foi uma era de excessos e foi uma era de sátira.” O autor, que assistiu a tudo de muito perto e vivenciou intensamente o  período que traria mudanças importantes para o mundo e o contexto norte-americano, utilizou-se de seu tempo e de experiências pessoais na composição da sua obra, frequentemente confundida por muitos leitores e alguns críticos literários com sua autobiografia. Apesar desse equívoco — que permitiu que especialistas classificasse os trabalhos de Fitzgerald na categoria dos romans à clef —, o autor defendia a presença de elementos biográficos em seus escritos e afirmava que eles não se consistiam em informações pessoais ou privadas, mas refletiam, além de sua própria experiência, as transformações históricas que moldaram o caráter de sua geração, que amadureceu nas duas primeiras décadas do século XX.

Mais do que apenas registrar os acontecimentos de sua época, Fitzgerald tinha como intenção investigar os efeitos resultantes das experiências e desenvolvê-los em sua obra, especialmente em seus romances. Entre os assuntos recorrentes em seus escritos estão o conflituoso relacionamento entre membros de classes sociais distintas, expresso pelo tema poor boy meets rich girl, presente tanto em Este lado do paraíso quanto em O Grande Gatsby e Suave é a noite, o mito do self-made man, figurado em Jay Gastby e Monroe Stahr, protagonista de O último magnata, e o contraste entre a realidade do pré e do pós-guerra, especialmente nos Estados Unidos em O Grande Gatsby e na Europa em Suave é a noite. Como o autor expressou no ensaio “One Hundred False Starts”, de 1933:

“Na maioria das vezes, nós, autores, precisamos nos repetir — essa é a verdade. Temos duas ou três experiências grandes e comoventes em nossas vidas — experiências tão grandes e comoventes que não parece, na hora, que alguém mais tenha sido tão envolvido, espancado, deslumbrado, atônito, espantado, quebrado, resgatado, iluminado, recompensado e humilhado exatamente dessa forma antes. Então aprendemos nosso ofício, bem ou menos bem, e contamos nossas duas ou três histórias a cada vez com um novo disfarce — talvez uma centena, contanto que as pessoas ouçam.”¹

Além de privilegiar o impacto do processo histórico no indivíduo em detrimento da simples compilação de fatos, Fitzgerald não cedeu às críticas e resistiu em abrir mão de seu ponto de vista original, como declarou na introdução à edição de O Grande Gatsby da Modern Library, publicada em 1934: “Recentemente, fui enganado meio descontroladamente por críticos que achavam que o material era tal que impedia qualquer negociação com pessoas maduras em um mundo maduro. Mas, meu Deus! Era meu material, e era tudo com que eu tinha que lidar.”

Sua visão dos anos 1920 pode ser considerada complexa, pois o autor conhecida tanto o glamour e os excessos da classe alta quanto a privação e as ilusões das classes menos abastadas, e não relutava em empregar esses contrastes em seus ensaios, romances e contos.

Durante a escrita de O Grande Gatsby, Fitzgerald expressou nas cartas que trocou com seu editor, Maxwell Perkins, o desejo de experimentar e criar algo novo. Seu propósito e sua dedicação à obra eram evidentes: o autor almejava escrever um romance intricado e aprofundado, cuja técnica diferenciaria sua prosa de outros escritos populares da época. O exercício linguístico de Fitzgerald ao compor o romance — que foi editado inúmeras vezes — está registrada em seus manuscritos, e sua obra final é resultado do desejo de escrever sobre o que mais lhe interessava, “a perda dessas ilusões que dão tanta cor ao mundo que você não se importa se as coisas são verdadeiras ou falsas, desde que participe da glória mágica”, como expressou em uma carta a um amigo.

O Grande Gatsby foi um fracasso comercial durante o período em que Fitzgerald esteve vivo. Após o longo e detalhado trabalho de preparação do romance, em abril de 1925, foi publicada a primeira edição, que totalizava cerca de 20 mil exemplares e esgotou rapidamente. Uma segunda edição, dessa vez com apenas 3 mil exemplares, foi encomendada no mesmo ano, mas a popularidade da obra já estava em declínio. Em menos de um ano o romance havia sido alçado à fama e relegado ao completo esquecimento nas prateleiras das livrarias. Não é de espantar, portanto, que na época da morte de Fitzgerald algumas das copias da segunda edição ainda se encontravam no galpão da editora.

Uma carta de Fitzgerald a Maxwell Perkins, datada de 1940, revela muito não apenas sobre a percepção do autor, mas também sobre a recepção do romance. Vítima constante do desejo de aceitação púbica e social, Fitzgerald, assim como uma grande parte de seus leitores da época, teria ignorado o potencial de sua obra e de seu narrador, apesar de reconhecer sua contribuição para a literatura norte-americana, mesmo que em menor escala:

“Gostaria que estivesse impresso. […] A tiragem de 25 centavos manteria Gatsby sob os olhos do público — ou o livro é impopular? Ele teve sua chance? Uma reedição popular nessa série com um prefácio não meu, mas de um de seus admiradores — talvez eu possa escolher um — o tornaria um favorito em salas de aula, professores, amantes da prosa inglesa — qualquer um? Mas morrer, tão completamente e injustamente depois de ter dado tanto. Mesmo agora, há pouco publicado na ficção americana que não ostente levemente minha marca — de certa forma, eu era original.”

Foi somente após o início da Segunda Guerra Mundial, quando o Council on Books in Wartime estabeleceu uma organização de publicações sem fins lucrativos, a Editions for Armed Services, que o trabalho de Fitzgerald teve público leitor mais numeroso e diversificado. Edições de bolso dos que eram considerados os melhores livros do passado e do presente foram distribuídos para os soldados norte-americanos, e entre os mais de mil títulos constavam duas obras de F. Scott Fitzgerald: o conto “The Diamond as Big as the Ritz” e O Grande Gastby, cuja tiragem total foi de cerca de 150 mil exemplares.

Apesar do sucesso tardio, a obra foi muito popular entre críticos literários e escritores contemporâneos de Fitzgerald, como registra o biógrafo do escritor Arthur Mizener:

“No início de maio de 1925, os Fitzgerald chegaram a Paris vindos do sul da França e lá alugaram um apartamento na 14 rue de Tilsitt pelo resto do ano. SITUAÇÃO DE VENDAS DUVIDOSA, Perkins telegrafou sobre Gatsby, EXCELENTES AVALIAÇÕES. As vendas continuaram a ser, pelos padrões de Fitzgerald, medíocres, embora as avaliações fossem as melhores que ele já tivera.”

Alguns de seus pares elogiaram o romance em cartas destinadas ao autor, entre eles T. S. Eliot – que considerou “o primeiro passo que a ficção americana tomou desde Henry James” — e Gertrude Stein, que reconheceu na prosa de Fitzgerald a criação de “um mundo moderno e uma orgia moderna que bastante estranhamente nunca tinham sido criados antes até [que ele os inventasse] em Este lado do paraíso.” Um número significativo de críticas negativas também foi registrado, sendo que algumas delas caracterizavam O Grande Gatsby como um romance inferior, que sequer seria considerado para a lista dos melhores da temporada, e ficaria para a posteridade apenas como um folhetim superficial. Enquanto Maxwell Perkins expressava, mais uma vez, seu contentamento com relação ao talento e dedicação de Fitzgerald, H. L. Mencken, jornalista conhecido pela crítica ácida à classe média norte-americana, chamou O Grande Gatsby de “a glorified anecdot”, e considerou inferior ao primeiro romance do autor, Este lado do paraíso, cuja popularidade entre os críticos está longe de ser unânime. 

***

Frequentemente descrito como “o grande romance americano”, O Grande Gatsby não é apenas o melhor romance de Fitzgerald, mas um dos melhores de toda a literatura americana. O enredo conta a história de Jay Gatsby, milionário que dá enormes festas em sua mansão na esperança que Dayse acabe aparecendo numa delas. Aos poucos, Nick Carraway, o narrador, descobre os pormenores da antiga relação amorosa entre Gatsby e Daisy, a separação por motivos financeiros, o casamento de Daisy com o milionário Tom, a ascensão misteriosa de Gatsby e a tentativa de recuperação do antigo amor, nesta altura mais idealizado que real, produto de tempos mais inocentes. O que faz a grandeza do romance é sua descrição aguda de todo um modo de vida dominado pelo dinheiro, que o narrador observa com um misto de repúdio e fascinação. O desenlace trágico aponta para o fim de uma era de crença ingênua no sonho americano e a descoberta do engano sistemático a que a vida fora reduzida. (M. S.) 


Notas do editor:
1 No texto original esta e outras citações aparecem em língua inglesa; as traduções livres são nossas. Traduzimos também os títulos dos livros, antes referidos no original.

* Este texto é um recorte da dissertação A posição do narrador em The Great Gatsby de F. Scott Fitzgerald apresentada em 2011 ao Programa de Pós-Graduação em Estudos Linguísticos e Literários em Inglês da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (disponível aqui). Em maio, fizemos um breve concurso para os que seguem o Letras in.verso e re.verso no Facebook; a proposta era que escrevessem uma resenha para o livro de F. Scott Fitzgerald. O texto selecionado seria publicado aqui, nesta data. Recebemos quatro textos; nenhum deles foi selecionado como adequado para publicação. Critérios simples como avaliação crítica do romance analisado, coesão e coerência textuais foram dispensados pelos autores. Foi então que decidimos, reproduzir este texto de Roberta Fabbri Viscardi e a sinopse do romance de autoria de Marcos Soares.



Comentários

AS MAIS LIDAS DA SEMANA

Boletim Letras 360º #633

Miacontear - As três irmãs

Boletim Letras 360º #622

Para acabar com tudo, de Gonzalo Unamuno

A criação do mundo segundo os maias

O navio da morte, de B. Traven