O grande Gatsby, de Baz Luhrmann
Os jornais ao redor do mundo ricochetearam desde a recepção
fria de Cannes em uníssono toda a sorte de deselogios à readaptação de Baz
Luhrmann para o romance de F. Scott Fitzgerald, O grande Gatsby. Quando digo os jornais ao redor do mundo inclui-se
nesse rol também a pequena e medíocre crítica brasileira. Desde a chegada às
telas da produção na última sexta, 7 de junho, a saliva não foi poupada nos
adjetivos negativos. Fato é que, conversando com alguns amigos mais
entendedores de cinema que eu, notei ser isso produto de uma patologia que
se tornou moda por esses dias: basta a opinião inicial de quem teve o primeiro contato
com a obra de arte que ela será repetida de forma variada, seja ela negativa ou
positiva. Em alguns casos o lance se parece muito com tirar a sorte grande. E para
desgraça do cineasta a sorte não lhe veio dessa vez. Terá de esperar o tempo
para ver (ou não) se de fato acertou em reexperimentar o romance já clássico.
Agora, digo por esses dias, mas pode ser que a moda já existisse antes: o
próprio Fitzgerald recebeu mais críticas negativas na época de publicação do
romance que qualquer coisa na sua vida e esse termo clássico para designar O grande
Gatsby talvez nunca tenha ouvido, apenas algumas secas aprovações vindas de
pessoas mais próximas.
Bem, antecipo desde já, que não irei engrossar esse coro. À primeira
vista pode parecer que toda a pompa e circunstância com que foi divulgado o
filme – os trailers foram sempre muito bem produzidos e geraram grande
expectativa, depois a estreia em Cannes – e mais adiante o contato com a obra
em si tenha causado certa estranheza ao telespectador. Mas, há uma diferença entre
estranhamento e ilusão. Por exemplo, a expectativa forjada em torno de O lado bom da vida, de David O. Russel,
principalmente depois do Oscar de Melhor Atriz para Jennifer Lawrence, criou no
telespectador uma ilusão, o pensamento de que estaríamos diante de um grande
filme reduzido à constatação de uma média comédia romântica. O ato de
estranhamento tem consigo o gesto da arte. Não que O grande Gatsby esteja já na galeria dos chamados filmes-arte, mas
o modo como se mostrou é de grande potencial para está nesta galeria. Talvez o
que faça o filme desmoronar seja justamente sua grandiosidade; tudo é tão exageradamente
construído que o edifício não se sustenta e é vitimado por si próprio.
Fora isso, tudo está no lugar. Até o narrador original do
livro de Fitzgerald, tido por parte da crítica como o verdadeiro personagem principal no romance, tem seu lugar preservado. A estratégia de apresentar o amigo de Gatsby
em tratamento numa clínica de recuperação e recebedor da incumbência de
suplantar as drogas com a escrita do seu passado ressignifica o papel do narrador. E seu passado não era qualquer um. Era
o passado em que a loucura dos últimos anos do milagre econômico, do sonho americano,
está no seu auge e no seu fim. O Jay Gatsby tão bem desenhado por F. Scott
ultrapassa o seu lugar de mero indivíduo para se tornar a alegoria de um tempo.
Sua subjetividade é preservada na paixão recolhida de longa data pela menina
Dayse, garota conhecida nos tempos de militar na Primeira Guerra Mundial. Sim,
a interpretação para Dayse é fraca, mas Leonardo Di Caprio, na sua melhor fase,
brilha no tom certo de brilhar e não deixa que a atuação naufrague. Isso porque
grande parte das cenas em que aparece Dayse lá está o Gatsby.
Há três coisas que gostaria de chamar atenção antes de
concluir essas notas. A primeira delas é forma como Luhrmann concebe a
grandiosidade da época a que se refere. Não apenas pelo luxo dos cenários, das
festas, da potência dos carros numa Manhattan ainda em construção encoberta
pelas cinzas da exploração das minas, mas pela forma detalhada dos luxos, dos
consumos e do figurino. Detalhes, digam-se, impecáveis, como se nada pudesse
sair do lugar. A segunda, é como o diretor põe em diálogo dois tempos: o do
romance e o da produção cinematográfica. Esses dois tempos se fundem e dão a
tônica do filme, isso se deixa ver, por exemplo, na trilha sonora, entre o jazz
e o hip hop, entre o clássico e o popular. A terceira é a forma como os planos
sociais estão em constante diálogo desde o início da trama, marcando aquilo que
parecer ter sido todo o empenho da obra de Fitzgerald, o de dizer que não há uma
classe social totalmente dissociada da outra. A relação com o texto
original, vê-se, é acompanhada de perto. Não deixará de ser perceptível mesmo é
o intertexto entre os gêneros – ou aquele outdoor o tempo inteiro lembrando a
capa da primeira edição de O grande
Gatsby era um recurso cênico gratuito?
Como se vê, há mais vantagens positivas no filme do
que negativas. É evidente que toda a pompa poderia ter sido suprimida em
detrimento de uma exploração psicológica maior dos atores. O próprio Di Caprio
poderia ter-nos dado mais. Mas, Luhrmann terá preferido a superficialidade da
forma como superficial tem se tornado há tempos as produções hollywoodianas. Pecou
por isso? Não. Fez o que tinha de ser feito: um filme arrebatador visualmente,
sem negar a extravagância do tempo de hoje e do tempo do romance.
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