José Lins do Rego
Não se pode dizer que José Lins do Rego é uma figura de nossas letras
ainda por conhecer. O escritor nascido no interior do Nordeste brasileiro
poderia, entretanto, ter passado para a história como um anônimo se não fossem duas fortes qualidades: uma, a ousadia e outra, a grande capacidade criativa que
aliada a um projeto literário com nuanças locais e nacionais foi o motor
definidor para que se estabelecesse entre os principais escritores do seu tempo
e depois dele. As duas razões evidentes não são suficientes para colocar um
autor no rol dos mais bem quistos ao redor do mundo. E se no cenário brasileiro
o nome do escritor não é de um todo desconhecido, fora daqui, é uma obra que
galga pouco espaço. Não entraremos nesse debate porque sabemos de sua amplidão
e das questões, sobretudo políticas, que pesam sobre. Restas-nos saber como o
escritor tornou-se o que se tornou em seu país, apesar das deficiências que ainda são percebidas
em torno do seu reconhecimento por aqui e algum detalhe sobre sua obra – dentre os principais aspectos e questões
em torno dos quais terá dedicado sua vida.
Há na sua biografia algo que evidencia as fortes relações políticas de
que foi possuidor José Lins. Evidente que o escritor fez, como muitos de
antigamente e outros ainda fazem hoje, aquele caminho de imigração para o que
na época era o centro artístico-literário, o Rio de Janeiro. Mas, esse não foi,
a principal atitude que revela essa influência do escritor. É preciso que se
diga que a eleição para a cadeira 25 da Academia Brasileira de Letras foi sim o
“algo” que demonstra sua colocação entre os principais da cena literária. Mesmo
sabendo que o reconhecimento da ABL não é de um todo suficiente para que se
possa dizer que um escritor é um bom escritor. Não é o caso do autor de Fogo morto, mas é preciso que um
reconhecimento a partir de instituições do gênero serve para demonstrar a
vitalidade com que se porta um autor entre os do seu contexto.
Mas, sua grande proeza, não foi isso. Foi, como os de sua geração,
batizada pela crítica como Geração de 1930, dá a conhecer uma pequena parte
esquecida do grande universo que é o Brasil. A introdução na cena literária de situações
históricas, sociais e políticas ignoradas pelo tal e famoso eixo intelectual
pensante. É evidente que isso não se deu por puro apelo popular – fator que
terá servido noutras ocasiões para dizer que um escritor merece esse epíteto
porque é benquisto comercialmente; nem porque o escritor forjou um muro cujo
interesse ia direto com desejo de deixar falar o até então sem voz. Como dissemos
antes, a grande capacidade política do escritor está na forma como tratou
dessas complexidades sem que isso fosse de encontro aos lugares já preestabelecidos.
Não quer dizer que isso desmereça sua revolução aspirada; quer apenas dizer que o
escritor tinha plena consciência do território que pisava e soube usar das
armas necessárias para nele se situar e adquirir o respaldo que adquiriu.
Nascido no Engenho Corredor do Pilar, na Paraíba, em 1901, José Lins
transformou esse lugar de infância – assim como fizeram outros escritores em relação
aos seus lugares de ascendência – num espaço ficcional em que o vivido se
confunde com o imaginado, para desse confronto entre ficção e realidade
construir uma obra singular entre as tantas facetas estéticas nascidas no que
podemos identificar como o primeiro apogeu da literatura brasileira.
Até que isso de fato se constitua como algo palpável aos olhos do
próprio escritor, o trajeto terá sido, como para todos eles, longo. Os
primeiros interesses de José Lins para a literatura nascem pelo contato através
da leitura, ainda adolescente, de escritores como Raul Pompéia e Machado de
Assis. Depois desses contatos, traceja textos que virão ser editados no Jornal do Recife. Quando foi para a
Faculdade de Direito ainda no Recife – espaço para onde iriam os da sua estirpe
– José Lins criou um semanário, impresso às suas custas que se chamava Dom Casmurro. O pequeno periódico deu-lhe
respaldo para lhe abrir seus contatos com os do meio literário pernambucano que
se diga, era já importante centro cultural do país na época. É quando conhece
Gilberto Freyre, já importante intelectual. A amizade com Freyre, já fortemente
envolvido com ideias novas trazidas na bagagem de seus estudos universitários
nos Estados Unidos, terá sido um dos elementos fundamentais para a formação do
próprio José Lins.
Como a receita já terá sido provada por muitos outros escritores
brasileiros, essas incursões pela literatura não terão de imediato dado
sustento a Lins que assumiu a nomeação de promotor em Manhuçu (MG)
transferindo-se como fiscal de bancos em Maceió. A chegada na capital alagoana
serviu-lhe também para assumir a função de colaborador no Jornal de Alagoas, onde já escreviam nomes como Graciliano Ramos,
Rachel de Queiroz, Aurélio Buarque de Holanda, Jorge de Lima, entre outros. Intensificam-se
seus trânsitos pela literatura, tanto, que sete anos depois de chegar a cidade
logo sai seu primeiro romance, Menino de
engenho, em 1932. O livro teve boa recepção pela crítica e lhe valeu o
Prêmio de Melhor Romance pela Fundação Graça Aranha. Motivado, no ano seguinte,
publicou Doidinho e abria com esses
dois textos um dos ciclos mais fervorosos de sua produção, o batizado “Ciclo da
cana-de-açúcar”.
Muda-se para o Rio de Janeiro em 1935, novamente pela profissão: fora
nomeado como fiscal do imposto de consumo. Na capital carioca permaneceu seu
trabalho de colaborador com vários jornais, com crônicas sobre diversos
assuntos. Totalmente integrado ao espírito e modo de ser cariocas, até pela sua
violenta paixão como torcedor do Flamengo, José Lins ainda chegaria à
Confederação Brasileira de Desportos, entre 1942 e 1954 como secretário geral
da instituição. A paixão pelo Flamengo é um capítulo à parte na biografia de José Lins que foi o primeiro importante escritor a escrever sobre o futebol ou a aliar o esporte à literatura. Antes mesmo de Nelson Rodrigues, que era Fluminense roxo. Essa paixão toda está na seleção de 111 crônicas feitas por Marcos de Castro para a antologia Flamengo é puro amor - 111 crônicas escolhidas
Publicou depois de Banguê, O moleque Ricardo, Usina e Fogo morto – obra que para o escritor fecha o Ciclo da cana-de-açúcar. Esse
ciclo é assim definido pelo fato de abrigar obras cujo interesse temático está
na decadência dos senhores de engenho. Para ele, além desse ciclo principal,
sua obra ainda estaria composta pelo Ciclo do cangaço, tema recorrente não apenas
em José Lins do Rego, mas em todos os romancistas da década de 1930; aqui,
estariam os romances Pedra bonita e Cangaceiros. Formaria sua produção
outras obras designadas como independentes: Moleque
Ricardo, Pureza e Riacho doce que teriam ligações com os
dois primeiros ciclos e Água-mãe e Eurídice, obras de um todo
independentes. Depois de Menino de
engenho, os dois últimos romances também receberam importantes premiações na
cena literária, o Prêmio Felipe d’Oliveira e o Prêmio Fábio Prado. E além dos
romances citados, compõe a bibliografia do escritor, o romance de memórias Meus verdes anos, o infantil Histórias da velha Totônia, as antologias de crônicas Gordos e magros, Poesia de vida, Homens, seres
e coisas, A casa e o homem, A presença
do Nordeste a literatura brasileira e O
vulcão e a fonte e os romances de viagem Bota de sete léguas, Roteiro
de Israel e Gregos e troianos.
Em 2007, assinalando os 50 anos da morte do escritor, o
pesquisador César Braga Pinto, reuniu os textos da juventude de José Lins – os publicados
em jornais do Recife e de Alagoas – sob o título de Ligeiros traços – escritos da
juventude. A obra póstuma revela a gênese da formação intelectual e criativa do
escritor, bem como o detalhamento de alguns temas que tomariam forma, mais
tarde, nos seus romances.
Antes, o poeta Lêdo Ivo organiza outra edição de
textos do gênero, O cravo de Mozart é eterno, que traz também alguns ensaios do
escritor paraibano. Os trabalhos editados aqui são provenientes, além dos
jornais, de publicações feitas em outros livros de crônicas. Atenção seja dada
na coletânea para as reflexões que José Lins tece em torno de suas leituras,
como Machado de Assis, definido como “o maior romancista da América”, Lima
Barreto, “o Gógol brasileiro”, José de Alencar, sua própria literatura e da
literatura de outros escritores, como próprio Lêdo Ivo, Graciliano Ramos e
Augusto dos Anjos. É neste livro também onde o escritor, fiel discípulo de
Gilberto Freyre, demonstra sua rusga com o movimento modernista, ao dizer que o
escritor Mario de Andrade escreveu um livro – Macunaíma – numa língua “tão
arrevezada quanto a dos sonetos de Alberto de Oliveira” e reivindica para o
Nordeste a verdadeira revolução estética para a literatura brasileira. Gilberto
Freyre, na época em que volta dos Estados já tinha conhecimento do movimento
modernista naquele país e na Europa e afirmava que o que o grupo da Semana de
Arte Moderna de São Paulo estava apenas copiando um modelo em vigor fora do Brasil
e, portanto, era um movimento fraco e postiço.
Polêmicas à parte, a literatura de José Lins do Rego tem sua particularidade por se guiar por um projeto eminentemente nacional, se apoderando não apenas do solo histórico social brasileiro como do nosso cânone literário. Tem a gênese de toda grande literatura: alimentar-se do que está próximo para dar conta de um totalidade. O resto, é que ainda falta que sua obra alcance esse lugar total. É possível que chegue a ele. É possível que não. Está aí o risco de todo grande escritor que não quer está subjugado a determinadas vertentes e busca ele próprio uma vertente inédita e inovadora.
Para a ocasião, editamos uma das crônicas publicadas em Ligeiros traços – escritos da juventude. Vale a leitura!
Ligações a este post:
Leia sobre o romance Fogo Morto aqui.
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