José Bergamín, uma poesia do exílio*
José Bergamín (1964). Henri Cartier-Bresson |
Pouco se sabe de José Bergamín no Brasil. Numa rápida consulta
às principais livrarias sequer é possível localizar algum livro seu traduzido
ao português e publicado por aqui. Na semana em que o jornal El País publica 32 poemas inéditos do
poeta, falamos sobre sua obra poética e a riqueza dela para as literaturas de
língua espanhola. Os textos trazidos a luz pelo periódico espanho foram
enviados pelo escritor a seu filho Pepe e sua nora Pilar com uma carta datada
de 13 de abril de 1969 enviada de Paris, último lugar de seu exílio iniciado
trinta anos, em 6 de abril de 1939, cinco dias depois do fim da Guerra Civil,
ao solicitar no departamento de polícia parisiense a identidade como refugiado
espanhol.
Antes de ir para Paris, Bergamín foi exilado na Cidade do
México (1939-1946), Caracas (1946-1947), Montevidéu (1947-1954). Na capital
francesa ficou três anos, de 1955 a 1958. No seu primeiro regresso a Madrid encabeçou
um movimento de apoio aos mineiros asturianos a partir de carta escrita em 1963
a Manuel Fraga Iribarne, então no Ministério de Informação e Turismo, o que
levará o escritor a mais um exílio: dessa vez de novo em Paris, onde permanece
até 1970.
Na carta de 1969, escrita “em vésperas do 14º aniversário, tão
fantasmal, do que foi a primavera da revolução espanhola, também perdida”,
Bergamín escreve evocando a Segunda República. Os textos agora tornados
públicos – a carta e os poemas – integram o arquivo da família de Pepe, Pilar e
seus quatro filhos.
A obra literária de Bergamín, no entanto, é considerada a
mais extensa e diversa dos membros da Geração da República, denominação que o
escritor preferia aos da geração de 27. Compreende aforismos, ensaios, peças
para o teatro, artigos para jornais com discussões tanto literárias quanto
políticas e poesia, gênero que o terá feito reconhecido. Ainda foi editor na
Ediciones del Árbol e Editora Séneca e revistas como Cruz y raya na Espanha e no México. A obra poética não é apenas a
que tem destaque na sua extensa carreira de escritor, é também a que melhor se
aponta uma unidade, tomando por base alguns estudos promissores em torno do gênero
e mapeamento dos textos.
Aliás, foi a publicação de seus livros de poesia que foi
fundamental para trazê-lo de volta a Espanha, em 1970. Durante os anos de seu
segundo exílio em Paris, Bergamín continuou a remeter, como de costume, seus
poemas a familiares e amigos. Decerto esta tem sido uma das possibilidades
facilitadoras da recolha dos trabalhos seus com a poesia. Na maior parte, as correspondências
foram para Pilar, a quem Bergamín escreve os Cuadernos de Pili. Em julho
de 1968, lhe diz: “Seguem crescendo sem parar porque é raro o dia que não anoto
alguma coisa neste diário poético, que, por assim sê-lo, parece mais triste do
que eu sou na realidade, ou estou”.
Como foram os últimos anos do exílio de Bergamín em Paris e
qual era sua visão política sobre seu país natal e do mundo nestes 32 poemas?
Sua correspondência permite reconstituir sua vital peripécia por esses anos: a solidão
do exílio; a angústia existencial e a consideração política sobre se podia, devia
ou queria voltar a Espanha, assim como as condições e o momento adequados; sua
intensa atividade intelectual, e a convivência cotidiana com os amigos que ajudam
e acompanham em seu exílio, entre os quais a lista é sempre encabeçada por
André Malraux, Ministro de Assuntos Culturais da França entre 1959 e 1969, que
promoveu nomeá-lo como Comendador das Artes e das Letras em 1966.
Em diversas circunstâncias do exílio, as cartas de Bergamín
transmitem a esperança e a alegria pela vida de um católico providencialista. Em
agosto de 1965 escreve: “As pessoas não sabem que a felicidade é um dever e não
apenas um gosto. Claro, isto se começa a ser compreendido dos sessenta anos em
diante. Quando se é velho verde (é ideal de minha vida)”. E em abril de 1969
recorda a seu filho Pepe que “sempre há que lhe dar graças a deus em meio (e não
ao fim nem no princípio) de tudo, como dizia sua avó, minha mãe, sabia andaluza
antequerana”.
Em dezembro de 1966 Bergamín, apesar de que seus textos para
jornal, que não podiam ser publicados na Espanha, mantém suas “críticas e
burlas” sobre a situação política espanhola e escreve: “Eu tenho ultrapassado a
barreira do pessimismo. Há em toda essa confusão algo muito positivo”. Essa atitude
não é gratuita. Ela nasce quando em sua correspondência o poeta valoriza
favoravelmente algumas decisões do regime franquista; decisões que podiam contribuir
para a abertura do horizonte político. Mas a exceção de Bergamín sobre a aplicação
dessas políticas mais abertas aflora também em suas cartas a partir da resistência
que provocavam alguns grupos políticos do franquismo.
Em junho de 1964, a poucos meses de se mudar para Paris,
Bergamín se surpreende da repercussão que teve seu texto “Deux mots por l’Espagne”,
publicado no jornal francês Le Monde.
Ante o debate que existia na sociedade espanhola sobre instauração de uma nova
monarquia ou a restauração da monarquia tradicional, para ele a verdade mais
importante era que antes se restituísse aos espanhóis o direito a governar-se
como achavam conveniente, e que a igreja espanhola deixasse de identificar-se
com o Estado. Todo isso para que não se passasse de um reino sem rei a um “caudillismo”
sem caudilho.
Sua reflexão sobre a situação política espanhola considera
também sua possível influência para poder retornar a Espanha. Em novembro de
1966, qualifica de golpe teatral, mas significativo, o anúncio do regime de
anistia total das sansões derivadas da legislação espacial de responsabilidades
políticas ao fim da Guerra Civil, ao que diz “haver de esperar até ver como se
concretiza e se realmente será de verdade”, assim como que lhe parece “muito
mais importante a supressão dos tribunais especiais”. “Todo isso”, assinala, “significaria
uma democratização, cuja aparência única podia modificar a situação atual
espanhola; e particularmente a mim, pois não sei como poderiam negar-me agora o
passaporte... bastará que se finja de um Estado de direito para permitir-me
entrar e sair quando quiser. Esperemos. Em todo caso, é uma notícia esperançosa
e abre o horizonte imediato; e a mim me anima muitíssimo...”
Em 22 de julho de 1969, Franco apresenta às Cortes uma
proposta, aprovada, para designar o príncipe Juan Carlos de Borbón como seu sucessor,
do título de Chefe de Estado ao título de Rei. Nesse mesmo dia, Bergamín, que
parecia saber claramente o que se passaria sobre essa sucessão, escreve numa
carta: “Eu creio que se tem adiantado nada mais ao que se esperava e, neste
sentido, não há surpreendido bastante aos que estavam à espera”.
A crise do governo de outubro de 1969 reforça o poder dos
tecnocratas, que impulsionavam desde 1959 a liberalização da economia
espanhola, e supõe a saída do governo dos titulares de três ministérios relacionados
com exílio de Bergamín. Em poucas semanas o escritor considerava que a mudança era
“mais fundo do que lhe parece” e, em carta de 3 de dezembro de 1969, combinando
com ironia a mudança governamental e a nomeação do sucesso de Franco, exclama: “Viva
o Opus-Rey! Perdão”.
Bergamín e sua família retomam então o trabalho de sondar as
possibilidades de seu regresso à Espanha. Em 9 de dezembro recebem a informação
oficial de que na Direção Geral de Seguridade não consta nenhuma anotação que
impossibilite sua entrada ao país, já que, surpreendentemente, figura como “exilado
por sua própria vontade”. Um mês mais tarde ele comunica à sua família que sua decisão
de voltar já está tomada e, depois de passar na Espanha o verão de 1970, se
instala em Madrid nos primeiros meses de 1971.
Em carta de 9 de fevereiro de 1970 mostra novamente sua
percepção sobre as dificuldades para transformar a situação política espanhola,
mas reitera metaforicamente a conveniência de atuação: “Não estou pessimista
por tudo isso – a parte meu pessimismo fundamental – pois acredito que esta gente
– estes López – como piano/piano, e talvez tenham seus motivos internos que nós
não percebemos. Não é fácil liquidar uma situação política como a espanhola,
que tem tantas conchas endurecidas para se romper. O momento é grave de verdade
para toda mudança por leve que seja ou que pareça. Paciência e embaralhar. Mas
embaralhar, que sou eu que estou tratado de fazer isso.” Dois dias depois
considera explicável o sensacionalismo e “miragem” da “europeização” e da “abertura”
da política externa do ovo governo, protagonizada pelo Ministro de Assuntos
Exteriores, Gregório López-Bravo: “Tudo responde a essa Europa que De Gaulle não
queria (pela qual ter sido traído) mas que os espanhóis não só têm porque não quer
sem querê-la e assim trair seus princípios de origem (as raízes mesmas do
regime). É a Europa de Alemanha. E agora mais ainda, uma Alemanha capitalizada
pelos Estados Unidos. O novo capitalismo que Hitler profetizou e que o
idealismo gaulista não pode evitar.”
O escritor Bergamín como jornalista terá deixado uma extensa
obra. Suas colaborações literárias e de caráter político – como o tom que
traceja essas suas correspondências – estão espalhadas por mais de 110 revistas
e jornais da Espanha de outros países, como México, Venezuela e Uruguai. Todas são
significativas para compreensão de sua obra. Sua concepção acerca do seu
trabalho do gênero, por exemplo, aparece num texto editado em fevereiro de 1960
para o jornal El Nacional, de
Caracas, “O sentido jornalístico” (tradução livre): “Ter sentido jornalístico
para um escritor é ter sentido de tempo; do tempo que vive e do tempo em que
vive (que não é igual)”. No ano em que se cumpre 30 anos de sua morte –
Bergamín morreu em 28 de agosto de 1983 – é justo reconhecer que o escritor, em
sua vida e em sua obra, sempre teve um sentido do tempo.
*este texto é uma tradução livre para "José Beramín, una poesía del exílio", de José Luis Catalinas para o El País de 22 de junho de 2013.
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