Ferrugem e osso, de Jacques Audiard



O currículo de Jacques Audiard comporta grandes feitos; não começou como diretor de cinema, mas como editor, depois escreveu roteiros, produziu os scripts para produções como Réveillon chez Bob, Mortelle randonnée, Baxter, Fréquence meurtre e Sexo. Tais posições certamente renderam em experiências para a posição de diretor assumida pela primeira vez em 1994 com um road movie sombrio, O declínio dos homens, filme que levar o César de Melhor Primeiro Filme. 

Dois anos depois, ele adapta o livro de Jean-François Deniau Um herói muito discreto, que recebe o prêmio para Melhor Roteiro no aclamado Festival de Cannes; cinco anos mais tarde, dirige Sobre meus lábios, que recebe nada menos que nove indicações ao César e ganha os prêmios para Melhor Roteiro e Melhor Atriz, Emmanuelle Devos. São da lista ainda De tanto bater, meu coração parou (2005), O profeta (2009), filme este que leva o Grande Prêmio do Festival de Cannes deste ano e nove prêmios César mais a indicação ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro. Seu último trabalho foi o de 2012, Ferrugem e osso, que recebeu oito indicações no Festival de Cannes e quatro no César.

O desafio com este último filme não era mais de Jacques Audiard, era sim, da atriz francesa Marion Cotillard que fez história para o cinema de seu país ao ganhar o Oscar por Piaf, um hino amor, ponto alto de sua carreira, não apenas pelo prêmio, mas pelo realismo com que incorporou o papel da personagem principal e pela força expressiva a ela dada. E, a bem da verdade, o desafio posto foi cumprido: Cotillard está em Ferrugem e osso tão impecável quanto em Piaf. Deixou todos os trejeitos da cantora francesa para incorporar uma pretty woman não tal Julia Roberts, mas igualmente bela que depois de uma vida com todas as perfeições se vê diante de um grande drama: amputar as duas pernas.

Ferrugem e osso é a sequência de O profeta e é baseado no livro homônimo de Craig Davidson, cuja literatura está equiparada pela crítica a nomes Chuck Palahniuk, o autor de Clube da luta. A grande diferença na adaptação está no fato de que, as personagens Ali, vivida por Matthias Schoenaerts, e Stéphanie, não estão no livro do escritor canadense, são criações do diretor. Ali, é um ex-boxeador desempregado, sem domicílio, sem dinheiro, sem amigos e tendo de suster seu filho de cinco anos. Ele sai da Bélgica onde vive para o litoral da França para morar com a irmã que ganha a vida como caixa de supermercado. Depois de conseguir um emprego como segurança de uma boate é que conhece Stéphanie, uma domadora de orcas num parque aquático.

O reencontro das duas personagens ocorre no ponto alto do filme, já depois que ela sofre o acidente de trabalho que lhe obrigará a amputação das pernas. Se no primeiro momento é Ali quem está passando por dificuldades, agora é ela; depois do acidente Stépahnie perdeu também a vontade de viver e ele, além da profissão, com ex-boxeador consegue incrementar a renda doméstica participando de apostas nas lutas de rua.

Não apenas o drama das duas personagens, a intensa relação que se forma entre elas, a fotografia também é um rico trabalho a parte. Se Ferrugem e osso é um filme essencialmente físico como terá classificado parte da crítica, as contraposições entre a beleza e a violência, a delicadeza e a selvageria, a fragilidade e a força, não podem ser tratadas por outra ordem senão por esse trabalho do fotógrafo. Trabalho que está ao alcance da sensibilidade de Audiard que consegue exprimir a essência entre as imagens; ele capta justamente as partes que importam para demonstrar, enfim, o que quer demonstrar: o quanto estamos limitados, o quanto somos frágeis, o quanto nossa vida não se guia por uma linha plana e organizada, mas aleatória. Audiard recupera uma dimensão já escassa do cinema arte: o de ser uma reinterpretação da vida, uma releitura do mundo. 


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