Adeus, minha rainha, de Beonît Jacquot




Maria Antonieta ocupa para a história francesa posição semelhante à de Cleópatra na história universal. Não pelo modo de vida que levou as duas personagens, mas pela fama que alcançaram a partir do poder que acumularam. Se podemos destacar duas características em comum a elas decidamos pelo luxo e a extravagância. Tanto uma como a outra já tiveram suas biografias imortalizadas para o cinema. A rainha francesa, por exemplo, teve um filme em 2006, escrito e dirigido por Sofia Coppola com Kirsten Dunst no papel principal. Aqui, encontramos ainda com a princesa recém-chegada da Áustria para se casar o príncipe francês Luis XVI como parte de um acordo entre os dois países – coisa comum na época para as monarquias.

Agora, em 2011, Beonît Jacquot volta aos tempos áureos (quer dizer não tão áureos e já saberemos o porquê) para reforçar a imagem complexa da figura histórica. Se, no filme de Sofia, a vida de luxo e de festas da princesa no universo distante de Paris, em Versalhes, não deixava ver o que lá fora se formava, o motim que em todos os livros de história encontramos com o nome de Queda da Bastilha, precursor da Revolução Francesa, no filme de Beonît estamos no apogeu da revolta. Adeus, minha rainha concentra-se nos quatro dias depois do evento de 14 de julho de 1789. Mas, é bom que se diga que, assim como na produção de 2006, agora, não é o episódio histórico o centro da atenção do cineasta, mas sim, novamente, a vida pregressa da rainha no princípio de seu calvário que terminaria com sua execução mais tarde – reivindicação dos revoltosos.

Também não alcançamos até este momento trágico, afinal, o interesse mesmo de Benoît está em seguir alguns amores levianos da não menos vida leviana da figura histórica. Aliás, se repararmos bem Maria Antonieta ocupa várias vezes a mesma posição que outras personagens ocupam na trama – principalmente quando somos colocados diante Agathe Sidonie Laborde, uma das vassalas que tem por função ser leitora para rainha. É pelo ângulo dessa personagem e do restante da criadagem que a narrativa se desenvolve.



Desconfiada da relação entre a rainha e a duquesa Gabrielle de Polignac, Laborde desenvolve pela ama uma paixão secreta que, na medida em que a trama avança é que vamos, primeiro, sabendo da confirmação das desconfianças suas, depois, compreendendo a esteira de planos idealizados e não realizados para nutrir seu interesse amoroso por Antonieta. O amor de Laborde nunca chegará ao sonhado pela personagem, como nada nesse território conseguirá se desenvolver o suficiente. O filme não se compromete. Não faz afirmações categóricas. Prefere preservar a desconfiança como elemento que sustém o olhar de vê tudo à distância. Tudo sempre para na alcovitice de algum criado ou no triste hábito da vigilância. Versalhes tem olhos e ouvidos que bisbilhota tudo por trás de portas, pelas expressões do observado e o que vemos é um extenso jogo de suposições muito bem desenhado.

A grande estratégia do filme, ver as personagens de um fato histórico pela via do olhar comum, integralmente preservado do princípio ao fim da trama é muito acertada. Como é também acertada o jogo irônico que escapa de algumas situações. Por exemplo, Laborde, sempre que está sempre em corrida para encontrar-se com a rainha, tropeça e cai pelo menos duas vezes, numa clara alusão à “capenguice” do amor irrealizado; o encontro de planejamento da fuga da duquesa muito bem encenado pelas atrizes num jogo de cumplicidade que só atiça os rumores de uma corte sobressaltada; ou, ainda enquanto tudo em Versalhes desaba – uns saem a roubar o máximo que podem para fugir dignamente mesmo sabendo que poderão ser pegos lá fora, outros desmaiam quando dão com seu nome estampado na lista de execuções – o confidente de Laborde, numa expressão bem brasileira, não está nem aí, chuta o pau da barraca, bebe todas, como se demonstrasse nessa atitude uma alforria do falso moralismo a que estavam há tempos condenados os franceses.

Parte da crítica terá considerado o filme demais cansativo. Há em alguns casos uma rapidez desnecessária e noutros uma morosidade igualmente desnecessária; as atuações se constroem muito teatralizadas e o triângulo amoroso não se desenvolve o suficiente. Todas as considerações do tipo são muito óbvias: as ações que têm maior morosidade são aqueles em que justamente está em jogo o amor entre as três mulheres, denotando o real interesse do diretor: atiçar suspeitas e curiosidades. As que seguem em rapidez são as que têm relação mais próxima com o evento histórico, como vimos, apenas pano de fundo da trama. A teatralização das atuações não se manifesta de uma ponta a outra da narrativa, mas nas cenas cujo foco é a corte, reproduzindo na urdidura do filme a própria forma de vida no Estado monárquico. E, por fim, o não-desenvolvimento do triângulo amoroso está relacionado diretamente com o que aquilo que vimos comentando – não se tem prova documental para justificar mais esse capricho de Maria Antonieta e o Benoît achou por bem ficar no terreno das suposições. Afinal, tudo são ficções, mas o que custa se deixar permitir aos tons realistas. E ficou bem da forma que foi feito. Que, em Adeus, minha rainha, nada se mostra, tudo está no território do velado.



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