A pintura de E. E. Cummings e dois desenhos inéditos do poeta
Alguns levaram a sério os desenhos da infância – quem nunca
terá tentado à sua maneira desenhar nesse período cuja palavra ainda é artefato
simbólico distante do bom uso – e levaram adiante o gosto pelas artes plásticas;
desenvolveu técnicas próprias, propôs verdadeira revisão nos modos artísticos. Outros
terão permanecido nas garatujas. Outros, ainda terão minado de vez a fé de
rabiscar qualquer coisa do gênero. Desse universo, uma parte que tem antes de
tudo uma consciência de preservação da memória terá guardado seus rabiscos da infância.
E. E. Cummings pertence ao primeiro grupo; mesmo não tendo proposto nenhuma revolução
nas artes plásticas, foi um exímio pintor. E pertence também a este grupo último
que tem uma consciência precoce sobre a memória.
Recentemente (conforme nota de Rebecca Onion) para o blog The Vault, enquanto arquivistas da
Sociedade Histórica de Massachusetts catalogavam documentos da família do poeta
estadunidense encontraram alguns rascunhos com escritos inéditos e esboços para
poemas e, algumas dessas garatujas de infância, desenhadas quando ele tinha por
volta de 6 a 7 anos de idade. Datados de 1900-1902, diz Onion, os desenhos
refletem um Cummings imerso na cultura popular da sua época: circos, bichos selvagens
do oeste estadunidense, aventuras e um tanto de ficção. Ela revelou como aprovação
dos autores das descobertas, dois dos desenhos, reproduzidos aqui neste post. Eles
revelam, sobretudo, a mente fantasiosa comum de toda criança.
Estudiosos da obra de Cummings dizem que ele começou a
escrever poesia ainda quando tinha 8 anos de idade. E terá escrito
religiosamente um poema por dia até aos 22 anos de idade. Mas foi pela sua obra
da maturidade que ele começou a publicar; isso depois de sua libertação de um
campo de concentração na Normandia durante a Primeira Guerra Mundial quando foi
preso acusado de traição. Entretanto, a obra da maturidade preserva o mesmo
tipo de brincadeira infantil e disciplinada dos tempos primeiros. O desenho
acima é o de um jovem lutando com as convenções da palavra escrita, com textos
estranhamente espaçados e pontuados de ambiguidades lexicais e sintáticas,
muito típicos do “dilema da escrita” vivido pelo poeta adulto.
Como a idiossincrasia do desenho, Cummings também foi
deliberadamente idiossincrático e sempre deixou falar sua força individual
quando a questão envolvia as ideias do campo poético. Como ele próprio terá
afirmado em certa ocasião: “que eu possa ser eu é a única oração, não posso ser
ótimo ou bom ou bonito ou inteligente ou forte”; ou como expressou em 1926 na
antologia is five:
mr youse needn’t be so spry
concernin questions arty
each has his tastes but as for i
i likes a certain party
Sobre o segundo desenho, damos com um E. E. Cummings imaginando-se
uma personagem do Buffalo Bill e nos aponta para o adulto poeta de “Bufallo
Bill’s”, como se o menino apontasse para o homem com a mesma imagem de culto ao
herói. Enquanto uma leitura superficial do de Cummings pode demonstrar apenas
aspectos da infantilidade, além de arrancar ilusões ingênuas sobre o heroísmo,
o diálogo que mantém com poema da maturidade escrito pela passagem da morte de
Bill tem o caráter revolucionário como o do artista que desenvolveu sua própria
técnica e revolucionou o gênero em que atuou.
A seguir preparamos um catálogo com 22 trabalhos do Cummings adulto. É uma amostra com alguns dos trabalhos produzidos nos mais diversos gêneros entre o desenho e pintura.
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