Céline
Conhecido por um livro, mas autor de uma extensa obra que, como
se vê pelo apelo introdutório deste texto, é quase toda desconhecida de nós
brasileiros. Ainda bem que Viagem ao fim da noite, sua epifania
literária e um dos seus primeiros textos já tem seu tempo que chegou até nós. E já com esse livro lido não
seremos de um todo analfabetos numa das obras que mais influenciaram a narrativa
contemporânea.
Céline nasceu em 1894 em Courbevoie, zona periférica de
Paris. Serviu no exército francês em 1912 e esteve na frente dos conflitos da
Primeira Guerra Mundial, onde depois de um acidente, produto de uma arriscada
missão de reconhecimento a qual muitos recrutas jovens e inexperientes estavam
– podemos dizer – condenados, ele foi mandado de volta para casa com uma
condecoração no peito e declarado inválido de guerra. Nesse período do entre
guerra, Céline casou e divorciou-se. Depois disso, foi enviado para Londres; e
Camarões, na África, para trabalhar numa empresa de extração de madeira.
Ficou apenas um ano no continente africano. Foi no retorno à
França que ele passou para a Fundação Rockefeller trabalhando na recolha de
informações sobre a tuberculose. Esse terá sido um dos períodos mais
significativos na sua formação profissional porque lhe permitiu concluir os
seus estudos e formar-se em Medicina – conquista que não o impedirá de sair mais
tarde num tour pelo mundo sob a égide da Liga das Nações: esteve na
Suíça, Canadá, Estados Unidos e Cuba.
Novamente na França, agora em Paris, monta seu consultório
no que hoje é um bairro da boemia francesa, Montmartre. A clínica só durará
cinco anos, porque aprovado para um cargo público, Céline abandona de vez essa
ideia. Por essa época tinha já terminado de escrever e publicara Viagem ao
fim da noite. Mas, o que faz desse livro ser um clássico segundo a crítica é o
fato de estabelecer uma ruptura com o que era produzido em termos de literatura
até então. Céline privilegia a língua de baixo calão e vulgar e transforma em
produto literário tão ou mais forte que seus contemporâneos. Tanto que chega a ser um livro exaltado por figuras como Claude Lévi-Strauss que viu no texto do escritor uma forma outra de utilização da linguagem.
Além desse livro de 1932, outro que teve boa repercussão na
carreira do escritor e foi publicado aqui há quase vinte anos, e por isso mesmo
anda a merecer uma nova edição, é Morte a crédito – definido como uma
visão inovadora, caótica e anti-heróica do sofrimento humano. Em 1944 escreveu
três violentos panfletos antissemitas que lhe valeu ameaças de morte da parte
da Resistência. Céline decidiu, então fugir para a Dinamarca. Sem êxito porque
quando chegou em Baden-Baden teve seus documentos confiscados, perambulou por
várias cidades bombardeadas da Europa e encontrou refugio num vilarejo da
Baviera na Alemanha, onde permaneceu até o fim da Segunda Guerra Mundial e do
regime nazista. Depois, sim, foi para a Dinamarca. Ainda assim, nesse intervalo
de fugas, na França era julgado e condenado a um ano de prisão. Por causa disso
é que o escritor só retornará ao seu país natal depois de ganhada a anistia, em
1951.
A experiência do exílio na Alemanha lhe serviu como matéria
para muitos dos escritos que vieram depois do fim dos anos 1940. Sigmaringen,
como toda a Alemanha e parte do mundo, estava à beira do colapso: faltavam
remédios e comida; a sarna, o frio e a fome castigavam os mais de 2 mil
franceses condenados à guilhotina por terem apoiado o nazismo. Médico da
colônia de colaboracionistas entre novembro de 1944 e março de 1945, Céline é
um espectador privilegiado dessa cena caótica. No Brasil, um dos trabalhos
fruto desse período foi editado em 2004: De castelo em castelo é um
olhar ácido de um episódio nada enobrecedor da história francesa. Foi este
livro que tirou o escritor do ostracismo literário. Na época, vendeu 25 mil
exemplares no mesmo ano em que foi lançado (1957) e jogou nova luz sobre seu
inegável talento, embora até hoje suas posições políticas sejam objeto de
polêmica. O romance forma, com Norte e Rigodon, a trilogia
alemã, sobre a fuga pela Alemanha e os anos de exílio e prisão na Dinamarca.
Mais que seus polêmicos pontos de vista políticos ou seu
ferrenho olhar até certo ponto sobre determinados período das história
francesa, Céline que se tornou ídolo para os da Beat Generation, deve ser lido
e evocado pela sua capacidade de transgressão estilística praticada no
território da literatura.
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