A datilógrafa, de Régis Roinsard
É até onde sei o primeiro longa-metragem de Régis Roinsard,
que depois de findar seus estudos na prestigiada Ecole Supérieure d’Études
Cinématographiques realizou dois curtas – Les
petits-salés e Madame Dron – e muitos
clipes musicais e spots publicitários. Com cara de comédia romântica a
Hollywood, mas a medida adequada em que o bom do gênero em francês ultrapassa, A datilógrafa é um filme divertidíssimo e
muito bem desenhado do ponto de vista da construção narrativa. Embora já desde
o princípio se estabeleça um possível desfecho para a trama, Roinsard consegue uma proeza
rara no cinema do gênero que é compreender o limite do tempo em que as coisas
devem de fato acontecer – sem parecer maçante ou está dilatando o tempo para dizer o óbvio.
Para justapor numa comparação com o modelo hollywoodiano de fazer comédia
romântica (ainda por cima travestida de drama romântico) permita-me alinhar no
mesmo nível o filme que deu o Oscar de Melhor Atriz para Jennifer Lawrence
este ano, O lado bom da vida, deDavid O. Russel: o filme de Roinsard ficará muito à sua frente.
Situado em 1958, A datilógrafa conta a história de Rose, uma jovem
do interior que vive com seu pai, viúvo cujo único prazer é cuidar de um
pequeno comércio do vilarejo. Como toda moça de família do seu tempo está, mais
por gosto do pai que por gosto próprio, designada para se casar com o filho do mecânico
e, logo, destinada também a ser uma mera dona de casa como foi sua mãe. Mas a
menina que tem um pensamento além dessa predestinação corriqueira tem uma
habilidade: ainda que usando apenas os dois dedos indicadores, Rose datilografa
numa rapidez fora do normal. Esse único afazer que a difere de muitas das outras
moças de seu tempo, faz ela sair de casa para cidade de Lisieux a fim de trabalhar
como secretária na empresa do esportista fracassado Louis Echard. Ex-atleta no
boxe, ele mantém um escritório de seguros e, graças a insistência de Rose e
encantado pela capacidade com que ela datilografa, decide contratá-la sob
experiência para o cargo.
Na época, a profissão de secretariado era a sensação para
toda mulher que buscava independência financeira e, logo, independência
pessoal. Apesar de conseguir o estágio, Rose não leva jeito de forma alguma
para o cargo. Ameaçada de voltar para o interior e reassumir o seu trajeto de
vida, é quando Echard toma conhecimento de um campeonato de datilografia, e
decide investir na moça. A primeira participação, meio que a contragosto de
Rose, é um fracasso. Mas, certo do talento da moça, lhe readmite no emprego, a leva
para sua casa e decide treinar para uma próxima oportunidade.
A nova rotina – o patrão como treinador e sua companhia na maior
parte do tempo – são suficientes para despertar entre os dois uma atração amorosa,
ignorada por Echard, questionada por Rose e totalmente admitida pela
ex-namorada do segurador, que a poucos frames depois de todo envolvimento dos
dois, cumprirá o papel de cupido na relação.
Concurso após concurso, Rose vai se firmando como a atleta sonhada por Echard, primeiro para si, depois para ela. Mas, ao invés
do filme perder-se na contagem sucessiva dos degraus alcançados pela
datilógrafa até a disputa pelo título mundial diretamente com os Estados
Unidos, Roinsard cuida para que – mesmo não se mostre explicitamente – uma outra questão mais séria se mostre no filme, tendo em conta o atual
estágio social vivido na França do pós-guerra.
Centro da intelectualidade pensante, o país até então ali
contido nos feitos do pensamento, tal como a personagem Echard, depois da
Segunda Guerra logo será despertada a colocar em igual aos tais feitos tecnológicos dos estadunidenses. E a concorrência interna da trama logo
se amplia e se torna, como numa alegoria, uma concorrência que foge do mero
limite da datilografia para se situar numa trama global, em que esse impasse da
força tecnológica e dominante do estadunidense é posta em xeque pela capacidade
francesa.
Está aí uma das razões pelas quais essa comédia romântica foge
do convencional. Ainda, apesar de ser perceptível ao telespectador o sentimento
amoroso entre Echard e Rose, a única coisa que move o homem é o interesse por
fazer da mulher sua atleta. Ele não brinca ou não finge está desinteressado na
garota, só para depois, “dá-lhe o bote”. O sentimento que lhe move é tão somente
o da competitividade e mesmo que a possibilidade de envolvimento amoroso lhe
passe pela cabeça ele apenas focaliza na ideia de ganhar as competições. O machismo
fica preso apenas nessa instância e não é demonstrado como um artefato para uso
de uma fragilidade da fêmea como, nesse caso último, sugere os filmes comuns.
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