Os 70 anos do Pequeno Príncipe




É inevitável recusá-lo como um texto literário só pelo fato de ser um dos livros mais vendidos no mundo depois da Bíblia ou por ter se tornado um clichê – mais ainda depois do advento das redes sociais – ou pelo fato de ter se tornado em produto base para toda sorte de comércio, como se o personagem principal do conto fosse um desses desenhos feitos para TV ou mesmo um santo católico. Muitos terão nele como o princípio de sua carreira de leitor, outros já o terão feito livro de autoajuda. Tudo isso, entretanto, não importa. Também não há como fingir que ele é só mais um texto, ainda mais quando inteira 70 anos, feito alcançado exatamente no último dia 6 de abril, com todo esse frenesi popular. Alguém já terá estudado sobre esse fenômeno? Se não, está aí um campo fértil de investigação; e nem que seja apenas para efeito estatístico vamos tentar apontar algumas justificativas.

Seu autor foi mais famoso que o livro; o livro, entretanto, contribuiu para quando depois da morte da geração dos que se encantaram com o mito Saint-Exupéry, o aviador, o autor não perdesse para a obra a fama. Trata-se de uma fábula “pseudoinfantil”- como definiu já uma vez a professora Mônica Cristina Corrêa - que alcançou mais de 265 traduções, mais de 1 300 edições e mais de 1 bilhão de exemplares publicados. Estima-se que, em média – aqui estamos nos beneficiando de dados citados pela professora – são vendidos mais de 5 mil livros por semana na França e 3,5 mil ao redor do mundo.

A concepção de O Pequeno Príncipe seguiu à forma dos contos tradicionais escritos para criança, se formos vê-lo, por exemplo, ao lado do formato de textos como o de Lewis Carroll: o do típico conto escrito como prenda para uma criança e ilustrado pelo próprio punho do autor. A exceção é que o livro de Exupéry não foi nenhuma prenda, nem foi para o público infante, mas teve ilustrações do autor - 35 no total.  O autor também produziu seu trabalho, longe desse contexto de estapafúrdios numéricos e dos sentidos clichês. O texto era apenas mais um conto melancólico escrito por um aviador aventureiro durante a Segunda Guerra Mundial; apenas o texto de um sujeito aristocrático que decidiu à revelia talvez do interesse da família meter-se com aviões.

Apesar do autor francês, a primeira edição do livro é publicada em Nova York, onde Saint-Exupéry esteve por três anos – o justo período de formação da personagem nascida depois de um dos vários acidentes que o aviador-escritor teve muitos anos antes no deserto africano. A obra só chegou ao seu país três anos depois, quando Exupéry já contratado desde 1929 pela prestigiada Gallimard, não estava mais vivo. Em 1944, deprimido, ia para o Mediterrâneo numa missão quando o avião foi abatido – acreditam as fontes – por caça da força área alemã. Isto é, o autor não viu nada do prestígio alcançado quando da publicação de seu mais famoso trabalho.

Se formos ao texto, não notaremos nada demais que possa fazer da personagem esse superstar. O Pequeno Príncipe é simplesmente um alienígena que habita o planeta B612, o qual ele deixa para se aventurar pelo universo. Perdido no deserto, o homem que encontra o principezinho tem nele o reflexo da própria infância marcada pelas características da pureza e da bondade. O encontro levará o homem a uma jornada filosófica por questões existenciais ao lado do pequeno herói. Talvez esteja nesse caráter existencial uma primeira lógica para ser um fenômeno. Se formos observar na história da literatura, os autores que são mais bem quistos do grande público são esses que tocam em questões do tipo. Além do que, a criação de Exupéry iguala-se ao universo de James Barrie, ao encarnar como o Peter Pan, o lugar da eterna juventude como elemento essencial ao homem.

No mesmo texto que mencionamos de Mônica, ficamos sabendo que, apesar de termos certezas quando do nascimento e formação da personagem, não há documentos do próprio Saint-Exupéry que deem pistas da gênese do livro. O que há são várias versões manuscritas ou mesmo datilografadas que dão aos pesquisadores indícios de sua elaboração. Atualmente, o original encontra-se na Pierpont Morgan Library, em Nova York, ali deixado por Sylvia Hamilton, com quem Saint-Exupéry se relacionou na época. O que escapa do texto são os 35 desenhos que, por uma questão qualquer, foram descartados na edição original porque o texto é de difícil leitura, com as variantes das correções do autor. 

Depois desse original, outras quatro versões foram localizadas, com correções datilografadas pelo próprio Saint-Exupéry. Uma está em Paris, na Biblioteca Nacional, doada pela pianista Nadia Boulanger (amiga do autor); outra em Austin (Texas), que foi confiada pelo piloto a seu tradutor americano Lewis Galantière; uma terceira, de origem desconhecida, foi vendida em Londres em 1989 (contendo mais de cem correções do autor e dois desenhos a lápis incluídos) e, por fim, uma quarta versão é de propriedade do legatário de Consuelo, mulher de Saint-Exupéry.

Para findar, além do tom típico do pedagógico, o próprio contexto no qual o livro se gestou tenha sido um dos fatores que lhe impulsionaram para o prestígio. Um período de guerra, no qual todos pareciam está à beira do fim, um texto que viesse falar de esperança, tal como um messias, surtiria logo um efeito positivista; também as condições da morte do autor, poucos anos depois da primeira edição, terá servido de alimento à curiosidade leitora. Enfim, o enigma do sucesso há como ser desvendado. Falta mesmo é elaborar melhor as interpretações. 

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