Oblivion, de Joseph Kosinski

Por Pedro Fernandes



Saiu melhor que a expectativa; ou pelo menos não foi um filme de decepções. Oblivion é uma produção que traz uma série de debates por entre as operações sofisticadas e um tanto repetitivas de um futuro já idealizado pelo cinema – com casas de cenários transparentes e meios de transporte mirabolantes. Tenho percebido é o quanto a distância de tempo entre o presente e o futuro nessas narrativas de ficção científica tem cada vez mais ficado curta. Lembro que os primeiros filmes do gênero que assisti colocavam para adiante pelo menos um século mais tarde; no filme de Joseph Kosinski, não. Tudo se passa daqui a 64 anos. Previsão errada ou Hollywood tem apostado que a tecnologia deverá avançar a uma velocidade cada vez mais superior a já rapidez com que tem avançado? Isso daria motivos para outro texto.

Oblivion segue o rastro das distopias. Não quer saber do perigo que vem do infinito universo, quer saber é como os humanos serão capazes de se reorganizar depois de uma ofensiva externa no limite de quase total destruição da Terra. É também um tanto pessimista: ao contrário de outras ficções científicas, Kosinski aposta que, mesmo em condições tão avançadas de tecnologia, não há outro lar nesse universo que possa ser capaz de servir de abrigo para a humanidade. A Terra é tudo o que temos e, pronto, contentemo-nos com isso.

Encontramos com Jack Harper e Victoria uma equipe eficiente que cumpre como robôs os comandos diários de uma central: a função dos dois é a manutenção de drones, espécie de armas robotizadas, programadas para a eliminação de supostos grupos alienígenas saqueadores que ainda sobrevivem aqui e acolá e ameaçam a integridade das grandes bases chamadas por hidroplataformas, isso tudo depois da grande batalha com os humanos. A derrota de um último grupo deles é a condição para que os dois sejam premiados com a ida definitiva para uma das luas de Saturno, para onde teriam sido refugiados os sobreviventes da invasão alien. Teriam os humanos construído as bases terrestres onde moram o casal adâmico com intuito de servir de espaço para uma restituição dos humanos de Saturno ao lar original.

Até então contentamo-nos como Jack com essa explicação. O caso é que a personagem tem constante lapsos de memória que a reconduz para o passado de antes dos ataques alienígenas; são esses lapsos que fazem com que ela, nas buscas encontre com uma espécie de paraíso original, intacto dos ataques e das correntezas de poluição radioativa, e para onde leva uma sorte de réplicas da criação humana com que vai montando um pequeno mostruário do que fomos capazes de produzir – são artefatos artísticos, sobretudo, música, artes plásticas, literatura, pequenas possibilidades de lembranças de si.

Num dia de operações, a queda de um módulo com passageiros humanos fará o ritmo da narrativa mudar completamente de rumo. O reencontro de Jack com sua verdadeira mulher, um dos seus lapsos constante de memória provando a máxima de que o verdadeiro amor é incapaz de ser apagado totalmente, levará a personagem a buscar respostas para o que de fato está por detrás das ações praticadas por ela. Qualquer eventual semelhança com o mito da caverna de Platão não é mera coincidência. Depois de descobrir que sua função não tem nada a ver com uma ação humana, mas que, junto a Victoria é vítima de um programa liderado pelos aliens para uma total destruição da humanidade, Jack volta a cabine onde morou todo o tempo desde o princípio das missões, para recuperar sua parceira do estado de ilusão a que estavam metidos. Como no mito da caverna, quem saiu do reduto e retorna não consegue levar para fora os que ali estão porque isso precisa ser sempre o produto de uma vontade própria, Victoria não se rende à tentativa repetida de salvação proposta pelo parceiro.

Uma vez estarmos em território do mito, vale recobrar ainda a presença do mito do duplo. Jack e Victoria foram os melhores astronautas numa operação de viagem interespacial cuidada pela Nasa. Captado pelos aliens tiveram a memória removida e foram transformados num número infinito de cópias para exercerem a função contínua de tomada da Terra. É evidente que isto não ocupa de um todo a mesma simbologia do mito original, mas se formos observar de perto notaremos as duas personagens como produtos de um castigo divino pela capacidade de atentarem para além do espaço dado para sua atuação. A punição é a divisão irrefreada dos corpos o que dará ao homem a sensação de sujeito perdido de si.

O tempo de Oblivion é o dos simulacros. As personagens estão presas a uma eterna multiplicidade e para se libertarem disso têm de sacrificar com a própria vida; têm de ir ao centro emanador de tudo e destruí-lo. É muito bem conduzido certos diálogos que questionam os limites entre o eu e o mundo, entre a realidade e a cópia da realidade e, mais ainda, os limites entre Deus e o homem e a necessidade de destruição do primeiro para a formação da nova humanidade. A cena em que Jack e Malcolm Beech, líder da resistência dos terrestres, sobem à central do programa alien para a destruição do mal pela raiz é significativa. Está aí a vingança do homem contra Deus e a necessidade de sua exclusão para a criação de uma nova humanidade que tenha talvez com centro de crença o próprio homem. Momentos depois da explosão interespacial é a mulher de Jack reencontrada no paraíso preparado por ele quem olha para o céu e solta duas lágrimas de gratidão pelo sacrifício dos dois homens. Ao pagarem com a vida a morte do criador e programador de criaturas robotizadas, o cineasta apaga o mero ideal romântico água com açúcar que se cria desde quando da aparição de uma terceira personagem no ninho adâmico.

Como simulacro os aliens de Oblivion não existem. Fica em aberto se toda destruição na terra terá sido mesmo causada por extraterrestres ou se pelo próprio homem, já que o inimigo é invisível e ao contrário das criaturas assombrosas de Alien, por exemplo, estamos o tempo inteiro diante de programas de computador que apenas repetem ad infinitum uma mesma operação. É evidente que se o filme tivesse insistido mais na segunda parte da trama que na primeira talvez pudéssemos ter uma visão mais acertada sobre o que de fato antecedeu o estado diante do qual já nos encontramos – afinal, somos obrigados a acreditar na constante repetição de Jack, mas sabemos que sua memória não é de se fiar, mesmo que depois ela obtenha o reforço de Malcolm. Por fim, talvez Kosinski tenha sido bíblico demais e tenha apostado muito não no espírito desencantado com que pintou os cenários do seu filme, mas na possibilidade romântica de reinvenção do paraíso genesíaco onde os humanos por fim têm uma chance de serem definitivamente humanos.


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