O arco e a lira, de Octavio Paz
No dia 31 de março
de 2013 completamos 99 anos com Octavio Paz e, por isso, estamos já caminhando
para a casa do centenário de seu nascimento a ser fechado em 2014. No Brasil, a
obra do escritor mexicano, um dos primeiros latino-americanos a receber um
Prêmio Nobel de Literatura (foi em 1990), é mais conhecida na academia, entre os do estudo
literário, o que faz ser quisto para o lado de cá mais como um
prolífico ensaísta que melhor pensou a poesia moderna e um dos que mais influenciaram o pensamento e a produção escrita de alguns pensadores fora do seu país de origem. Mas, o autor de O arco e a lira, livro que temos
interesse em comentar previamente neste texto, é sim, antes do estudioso das formas
poéticas, um poeta, ainda que seu nascimento para a escrita tenha se dado pela composição
ensaística, isso na década de 1950, quando publicou seu primeiro trabalho, O labirinto da solidão.
O reconhecimento do Octavio ensaísta antes do Octavio poeta não é obra do acaso: além de ser um dos
gêneros que melhor cultivou foi também a partir dele que sua obra passa a ser
conhecida no mundo inteiro e cá pelo Brasil. Obra já há muito esgotada por
aqui. O livro de 1950, por exemplo, e outros como Os
filhos do barro [lodo], A dupla chama,
os mais conhecidos, só são encontrados depois de muita insistência pelos
buscadores e em versões má digitalizadas algumas e outros somente em espanhol e outros ainda pelo preço astronômico dos sebos.
E não mais que isso;
desconhece-se, salvo a única tradução que temos conhecimento e também já esgotada
(Poemas Reunidos (1957-1987) organizada
por Regina Werneck) os escritos de Paz em poesia. Pode ser que isto tenha uma solução.
A luz do fim do túnel apareceu já em 2012, quando a Editora Cosac Naify assinou
uma parceria com a instituição mexicana Fondo de Cultura Económica para uma
releitura e tradução de algumas das obras ensaísticas do escritor.
Da parceria é que
nos chega o célebre O arco e a lira que
abre os estudos de Octavio sobre a poesia moderna. O livro é o segundo do gênero
que ele escreveu. Agora, sabe-se que está em preparativo a tradução de Os filhos do barro que na nova versão irá
se chamar Os filhos do lodo, um
salto, se formos ver a sequência de livros que o escritor produziu desde o de
1950, embora seja este livro em que o pensador dá continuidade ao que elabora no livro agora retraduzido.
Em contato com a
editora, ficamos a par de que há interesse em traduzir A dupla chama e O labirinto
da solidão, mas sobre outros trabalhos de Paz, ainda teremos de aguardar o
andar o tempo para saber como será o procedimento nesse trabalho da Cosac. Até porque
a parceria entre as editoras – ao que entendi – é fruto de uma relação de
troca: enquanto a brasileira edita a obra de um autor do catálogo da Fondo, a
mexicana edita a obra de um autor brasileiro. O fato é que a simples
chegada de O arco e a lira – no formato
caprichado da editora – já é saldo positivo para as prateleiras das livrarias.
Escrito em 1956, o
ensaio é pioneiro em várias questões: primeiro na forma. Paz está entre o
limite da prosa e o da poesia e produz uma reflexão lúcida sobre três eixos
principais: a poesia enquanto poesia, o poema e sua estruturação e a relação da
palavra com a história. Aqui, já esboço que o conteúdo é a segunda questão grandiosa.
Não só porque antecipa discussões filosóficas que virão bem mais tarde com
pensadores como Michel Foucault, quando discute a relação linguagem e história,
por exemplo, ou sobre a poesia como artefato único e irredutível no universo
poético, não sendo possível, por isso, requerer para ela apenas o conceito esvaziado das teorias sobre gênero em
literatura. Do ponto de vista linguístico – pode ser que aqui eu repita apenas o lugar comum
da crítica – mas nunca será demais observar a clareza e a leveza com que Paz conduz
essas discussões sobretudo no plano de construção do seu texto e da arguição em
torno de sua tese. Isso torna a leitura ao alcance de um público diversificado,
desde o leitor de menor grau ao de grau mais avantajado.
Outra questão de grandiosidade
no trabalho de Paz é seu lugar aí inaugurado de como um dos pensadores indispensáveis
para a compreensão da lírica moderna. A experiência poética sua não se reduziu
apenas na escrita do verso, mas vez dela própria um espaço para pensar e
conseguir articular na esfera semicerrada do cânone universal um lugar na mesma
linha de outros cânones, como o já clássico europeu, para a poesia da América
Latina, compreendendo sua materialidade poética como um conjunto de forças de igual
importância no universo das produções humanas.
Além do texto de
Octavio Paz, edição apresentada pela Cosac Naify traz ainda uma correspondência
enviada ao escritor por Julio Cortázar, na qual o autor de O jogo da amarelinha concorda que O arco e a lira foi o livro que lhe revelou outro lugar da crítica
para com a literatura e, com isso, lhe fez gostar ainda mais desse universo de
letras: “Octavio, acredito que você mostrou em seu livro o que me parece ser a característica
mais profunda do pensador, do ensaísta latino-americano – e muito especialmente
do mexicano e do argentino. Estou me referindo à possibilidade que nos foi dada
(e que ainda exercitamos pouco) de conhecer e explorar um assunto por todos os
seus ângulos, sem a redução inevitável a um modo de pensar, a uma cultura dada,
que é o signo fatal dos trabalhadores europeus.” Reforça-se portanto o lugar
assumido por Paz na dicção do seu ensaio. Não é de seu interesse palmilhar o
caminho de um mesmo aporte teórico ou unir pontes teóricas. Isso possibilita ao
ensaísta a possibilidade de se autoexperimentação. Porque é sua arte poética
(escrever um poema é um exercício de experimentação) que o ensaísta se
beneficia para a escrita de O arco e a
lira.
Soma-se um apêndice com outros quatro textos "Poesia, sociedade, Estado"; "Poesia e respiração"; "Whitman, poeta da América" e "A nova analogia: poesia e tecnologia". A seguir deixamos o texto inicial do livro intitulado "Poesia e poema" que é, antes de uma introdução ao livro e uma aula magna sobre um conceito que une e separa os dois termos é uma ode ou um canto de louvor à poesia e ao poema. Está, nesse texto, a "alma" de O arco e a lira, por isso a importância de sua leitura.
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