Almada Negreiros e as artes plásticas
© Almada Negreiros. Retrato de Fernando Pessoa.
Óleo sobre tela, 1964.
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Talvez cá pelo Brasil Almada
seja o poeta de uma tela só. É que por aqui o seu trabalho mais famoso na
pintura é um quadro de 1964, Retrato de
Fernando Pessoa, reproduzido constantemente em materiais didáticos, capas
de livros ou a ilustrar matérias cujo foco é o poeta português. Mas, uma
pesquisa não muito adiantada na web
vai revelando que talvez mais que o designativo poeta Almada mereça o de
artista plástico, ou, para ser justo com a extensa capacidade criativa seja o
de multiartista – já que produziu não apenas na poesia e outros gêneros literários,
nem somente na pintura, mas ainda em composições coreográficas para o balé, decoração,
tapeçaria, gravura, caricatura, mosaico, vitral, mural, além de ter sido um dos
estudiosos da História da Arte Portuguesa.
Ao tratar esta matéria por “Almada
Negreiros e as artes plásticas” já aqui temos um longo caminho a percorrer. Resumiremos
o trajeto apresentando os maiores destaques desse multiuniverso do multiartista.
E como citamos o quadro de 1964, começaremos pelas obras de óleo sobre tela,
cujas mais famosas são as que se encontram atualmente expostas na Sala de
Coleção Permanente do Centro de Arte Moderna José de Azeredo Perdigão, na
Fundação Calouste Gulbenkian. O próprio Retrato
de Fernando Pessoa encontra-se nessa galeria, acompanhado de materiais como
Homenagem a Lucca Signorelli, Maternidade, Autorretrato em Grupo (que pode ser visto aqui), Porta
da Harmonia, O ponto de Barhütte,
Relação 9/10 e Quadramento 1. Esses trabalhos cobrem os anos de 1935 a 1964.
Sobre o tão famoso quadro
em homenagem Fernando Pessoa, Almada começou a pintá-lo seis anos antes da sua morte
como sinal da amizade de longa data entre os dois. Basta que se cite da proximidade
dos dois escritores ainda nos primórdios do Modernismo português com a revista Orpheu – que aparece representada na
pintura em que se vê além disso, o poeta sentado numa mesa de café, acompanhado
de um recipiente de açúcar e uma xícara de café. Pessoa segura seu tradicional
cigarro e faz ares de pensativo diante de uma folha em branco, como se a
verificar alguma coisa no horizonte talvez capaz de despertá-lo para o
preenchimento do papel. Os tons de negro em destaque sobre o vermelho
contribuem para uma harmonia intelectiva que acena para as multiplicidades do
poeta no extenso jogo de iluminação e sombras da tela.
Os traços desse trabalho
seguem um estilo muito explorado por Almada, inclusive na escrita, o
interseccionismo – processo que considera fenômenos como velocidade, força,
movimento, numa sobreposição cujo interesse é romper com os limites de imobilidade
e fixidez da percepção em detrimento da aceleração visual. Foi justamente na Geração
de Orpheu, da qual, o multiartista foi um dos precursores que mais se colocou o
interseccionismo como uma prática ou um método de criação – quem há de lembrar
aqui das Odes escritas por Álvaro de Campos e seu multiperspectivismo das
ações.
© Almada Negreiros. Desenho para A engomadeira.
Imagem: Revista Colóquio/Letras.
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Para se ter uma ideia do
experimentalismo criativo de Almada, basta ver a conjugação desse estilo em
obras como K4 quadro azul, Saltimbancos e A engomadeira. A primeira delas, foi editada em parceria com Amadeo
de Souza Cardoso ainda em 1917; a segunda, subtitulada “Contrastes simultâneos”
– já assinalando seu estilo é a obra, segundo a crítica, que mais catalisa o
estilo em Almada. Quanto à terceira, vários foram os que concordaram ser uma
das obras-primas da literatura almadiana. Ela antecede às duas primeiras e a expressão
interseccionista já vem definida pelo próprio autor no prefácio do livro: “interseccionei evidentes aspectos da desorganização
e descarácter dos lisboetas.”
Almada Negreiros, o pintor. Numa das sessões para a gare de Alcântara. 1945. Imagem: Espólio Almada Negreiros. |
Os trabalhos com pinturas e
murais mais conhecidos são as que executou na sede do jornal Diário de Notícias e no Porto de Lisboa – gares de Alcântara e de Rocha do Conde de Óbidos – com destaque para esta
última peça intitulada Domingo Lisboeta.
Também na Igreja de Nossa Senhora de Fátima, na capital portuguesa, há rastros
de Almada: aí foram produzidos vários afrescos. Será essa obra, produzida pelo
convite do arquiteto Pardal Monteiro, que permitirá Almada ser convidado para a
execução das outras obras primeiras. O trabalho na sede do jornal, por exemplo,
apresenta um mapa da terra com 54 metros quadrados, um mapa de Portugal, alguns
afrescos menores do ciclo da notícia e um afresco dedicado à comunicação social.
© Almada Negreiros. Mapa-múndi. Mural para o jornal Diário de Notícias (detalhe).
Imagem: Revista Colóquio/Letras
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O caráter simbólico dessas produções
é o que mais chama atenção aos visitantes. O mapa-múndi, por exemplo, se
beneficia da simbologia dos quatro elementos da vida, água, fogo, terra e ar, e
dos doze signos do Zodíaco, ressaltando-se aspectos da flora, fauna de diversos
continentes terrestres, além da inserção de elementos da mitologia grega. O mesmo
processo criativo fruto do trabalho realizado para a igreja de Berna inaugurada
em 1938. As obras de Almada nesta igreja são compostas por conjunto de vitrais e
quatro afrescos intitulados Evangelistas
aí representados Marcos, Lucas e João por metáforas simbólicas, um leão, um
touro e uma águia, respectivamente.
No gênero caricatura Almada
terá produzido muito e chegou a organizar algumas exposições individuais com
esse material. Já em 1911, participou do I Salão de Humoristas Portugueses publicando
trabalhos em revistas como Rajada, de
Coimbra e Sátira, de Lisboa. A primeira
das exposições individuais vem logo adiante – em 1912.
Quando foi morar em Madrid,
as caricaturas foram intercaladas com os trabalhos em decoração. Mas, em 1928,
no país catalão realizou sua segunda exposição do gênero.
A seguir deixamos um breve catálogo com amostra de outros trabalhos de Almada Negreiros no gênero pintura e desenhos. Para ver uma coleção ampla desses e de outros trabalhos do multiartista basta ter acesso ao site da Fundação Calouste Gulbenkian.
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