Rodrigo de Souza Leão
Rodrigo Souza Leão em fotografia de Cristina Carriconde |
Desde 2010 que a Editora Record tem editado a obra de
Rodrigo de Souza Leão. Principiou com me
roubaram uns dias contados, livro pelo qual iniciei a descoberta do
escritor que ainda me é integralmente inédito - seja porque o que li foram poemas e textos esparsos na web, seja porque os livros que dele adquiri ainda fazem parte da longa lista de espera de materiais para leitura. Não é, portanto, que Rodrigo seja um
desconhecido. Não. Qualquer um que se aventurar pela própria web verá que foi um pioneiro na utilização desse suporte para apresentação
de seu trabalho, tendo contribuído muito para a cena literária contemporânea.
Formou-se em Jornalismo com 22 anos; queria ser locutor de rádio e entrou na literatura, atestou em entrevistas, por acaso: "Meu negócio era ouvir rádio e ser DJ. Meu irmão comprou uma bateria e começaram os ensaios aqui em casa. Comecei a querer cantar. De locutor, passei sonhar com o canto. Fiz aulas com o tenor Paulo Barcelos. Comecei a cantar na banda Pátria Amada. Toquei no Circo Voador, no Metrópolis, no Le It Be, no Made in Brazil entre outros: locais onde a Legião, Paralamas e Capital tocavam. Comecei a escrever letras de música. Foi meu primeiro contato com a escrita. Aos 18 anos. Depois passei a escrever poemas."¹
Nascido em 1965 no Rio de Janeiro, desde 2006, manteve
on-line o blog lowcura (ver aqui) até pelo menos
um mês antes de sua morte, em 2009, numa clínica psiquiátrica; morte que se deu
pouco tempo depois que foi internado por conta própria – Rodrigo se dizia
perseguido por um cacique japonês que lhe implantara um chip no cérebro quando
ele voltava do seu trabalho na Caixa Econômica; o motivo de ter decidido pela internação
é que o apartamento onde morava com a família não lhe oferecia a segurança que
ele buscava; o vizinho da residência de cima, um ex-colega do trabalho, lhe era
um mancomunado com o inimigo projetado por ele. De sua morte divulgou-se ser
resultada de uma parada cardíaca. Mas nada é certo. Nos dias que antecederam sua morte, relata-se que Rodrigo esteve indócil, tentou estrangular uma enfermeira, passou dias recluso aos gritos num quarto. Um paciente internado na mesma clínica do escritor acenou para a hipótese de que o médico o teria matado; outros suspeitam que o Rodrigo possa ter se suicidado por uma hiper-medicação. Um mês antes da internação, ele havia deixado aos pais, no computador,
uma carta com forte sentido suicida:
Papai, Mamãe, Bruno e
Dulce. Vocês sabem muito bem que a minha vida não foi fácil. Sofreram muito.
Sofremos juntos. Sofremos nós. Eu gostei da vida e valeu a pena. Muito obrigado
por terem me ensinado tudo. Amo muito vocês todos. Tomara que exista
eternidade. Nos meus livros. Na minha música. Nas minhas telas. Tomara que
exista outra vida. Esta foi pequena pra mim. Está chegando a hora do programa
terminar. Mickey Mouse vai partir. Logo nos veremos de novo. Nunca tenham pena
de mim. Nunca deixem que tenham pena de mim. Lutei. Luto sempre. Desculpem-me o
mau humor. É que tudo cansa. Kkkkkk...
A família nunca manifestou interesse em autopsiar o corpo de
Rodrigo.
Rodrigo de Souza Leão em fotografia de Tomas Rangel |
Foi um escritor de vida curta, intensa e profícua e escreveu
uma obra em que ele se confunde como personagem de si; Rodrigo levou ao quase
extremo a doença – desde a descoberta do primeiro surto de esquizofrenia – como
lugar para produção da sua escrita, num claro processo de experimentação de si
sobre o mundo. O resultado é uma estética única em que diversos planos se entrelaçam
para a sua composição. “O trabalho de Rodrigo mistura mundo interno e externo
de maneira radical. É uma escrita feroz. O cara não brincava em serviço, não escrevia
por charme ou pedantismo. Escrevia com imensa coragem, para resistir à loucura
e para existir”, pensou certa vez José Castello.
A Editora Record além do livro de 2010, também editou carbono pautado e o esquizoide: coração na boca, todos romances; mas Rodrigo editou
pelo menos dez e-books só do gênero poesia – 25 tábuas, No litoral do
tempo, Síndrome, Impressões sob pressão alta, Na vesícula do rock, Miragens póstumas, Meu primeiro livro que é o segundo, Uma temporada nas Têmporas, O Bem e o Mal Divinos, Suorpicious Mind e Omar. Desde os 18 anos que o escritor assumiu-se na literatura
e, além dos e-books e romances já editados pela Record, publicou os livros, Há flores na pele, um dos seus primeiros
trabalhos, Todos os cachorros são azuis
e Caga-regras.
Poeta publicado em boa parte das revistas eletrônicas até
então mais consideradas na web –
Rodrigo tem poemas na, Agulha, Germina Literatura, Caox, Zunái (estas
duas últimas foi coeditor), Coyote, Et Cetera, Poesia sempre, El piz
naufrago (no México), Oroboro –
foi ainda coordenador de outros projetos importantes no meio virtual, como é o
caso do espaço (que não mais está on-line, infelizmente) Balacobaco; por aí passaram vários escritores da nova cena contemporânea.
Rodrigo permitia experimentar-se e experimentar os outros ao aproximar lugares
díspares de alguns autores. O material que reunia dessas entrevistas era para
um livro, que não chegou a ser organizado e nem publicado quando vivo.
Além de romancista e poeta, foi também contista e artista
plástico. Desta última profissão, ficaram 35 telas – algumas delas têm servido
para ilustração dos seus trabalhos publicados na Record. Como músico,
participou do CD Melopeia, de Glauco
Mattoso. Foi premiado no Concurso de Contos José Cândido de Carvalho e quando
morreu seu livro estava inscrito entre os cinquenta finalistas do Prêmio
Portugal Telecom.
Rodrigo depois de Rodrigo
Rodrigo sempre apostou na ideia de que um artista só faz seu sucesso depois de morto. Se houvesse eternidade, dizia, gostaria de ver o que fariam da sua obra e como ela seria recebida pelos vivos e citava um exemplo a poeta Ana Cristina Cesar, esquecida quando viva e quase idolatrada depois do suicídio em 1983. Tem seu fundo de verdade esse pensamento. É notório - cascavilhando a web - o crescente interesse por Rodrigo de Souza. Algumas coisas andaram como deveriam andar. Por exemplo, em 2012, todo o seu arquivo pessoal foi transferido para a Fundação Casa Rui Barbosa para organização. A produção em artes plásticas
foi doada ao Instituto Nise da Silveira. Além disso, me roubaram uns dias contados já esteve no teatro com grande sucesso de crítica; amigos e parentes de Rodrigo mantém
on-line um site que reúne muito de seu trabalho e que vai sendo notícia sobre. Também em 2012, o ator Cauã Reymond anunciou a compra dos direitos para cinema de dois
livros, Todos os cachorros são azuis
e me roubaram uns dias contados e deve produzir seus primeiros trabalhos no gênero a partir deles.
¹ O fragmento da entrevista dada ao jornalista Fernando Ramos para o Jornal Vaia.
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