De gênios e genialidades
Um texto crítico publicado por Luis Costa Lima no caderno decultura do jornal Valor de ontem
dedica-se a revelar ao público leitor o livro de Antônio Geraldo Figueiredo
Ferreira, As vistas que hoje estamos.
A crítica elogiosa ao trabalho de um desconhecido – o romance levou cerca de
dez para ser gestado e foi publicado recentemente pela Iluminuras com ares de
fadado ao fracasso – deu ao escritor um avalanche de notícias dos grandes
potentados midiáticos, como Folha de São
Paulo. Se o professor que fez uma leitura atenta e acurada apontando os
fatores pelos quais o livro de Figueiredo pode ser lido como uma grande
surpresa; aquelas que temos todos quando pegamos um livro de autor desconhecido
e daí descobrimos que ele leva jeito para coisa, essa surpresa foi imediatamente transformada em
estardalhaço justapondo o jovem escritor ao lado de nomes como Machado de Assis
e Guimarães Rosa.
Do dia para a noite o escritor, que fez questão de se mudar de São Paulo e desistir da vida agitada na academia e do grande centro urbano pela pacatez do interior de Minas Gerais e da vida de comerciante de uma pequena mercearia, teve os holofotes dos principais meios da mídia escrita voltados para si. Isso talvez lhe dê a vantagem de que o romance que corria o risco de ser um livro falhado vigore. Mas, não é disso que quero tratar aqui. O caso é para ilustrar sobre a facilidade com que se criam os gênios de hoje. Mesmo medindo os números da quantidade de livros que Figueiredo mantém na sua biblioteca particular e os anos que levou na gestação do romance, tudo é conduzido para a criação de uma imagem imediatista que foi construída à base de esforço nenhum.
Do dia para a noite o escritor, que fez questão de se mudar de São Paulo e desistir da vida agitada na academia e do grande centro urbano pela pacatez do interior de Minas Gerais e da vida de comerciante de uma pequena mercearia, teve os holofotes dos principais meios da mídia escrita voltados para si. Isso talvez lhe dê a vantagem de que o romance que corria o risco de ser um livro falhado vigore. Mas, não é disso que quero tratar aqui. O caso é para ilustrar sobre a facilidade com que se criam os gênios de hoje. Mesmo medindo os números da quantidade de livros que Figueiredo mantém na sua biblioteca particular e os anos que levou na gestação do romance, tudo é conduzido para a criação de uma imagem imediatista que foi construída à base de esforço nenhum.
Quem acompanha diariamente esses lugares da mídia literária,
os blogs, as redes sociais, já terá percebido a facilidade com que se montam os gênios
de hoje. Neste momento, deve está sendo criado um que deverá superar a
montagem do que foi produzido ontem ou na semana passada. O modo como a leitura
apreciativa de Costa Lima é transmutado em fato noticioso é um exemplo do processo
dessa produção; é como se tivéssemos uma sede pelo que surpreende e pelo que é
capaz de superar o insuperável. Basta um malabarismo, uma comparação a um
grande nome, para se tornar, de imediato, em gênio. Não é mais gênio o que leva
anos e anos a costurar uma grande ideia. Aliás, na grande parte das vezes a ideia
não deve sequer ser construída, basta um mote, um relance que você tenha
embaixo do chuveiro e um compartilhamento disso numa rede social qualquer e sua
transformação em viral para que você seja um gênio.
Ao esquecer o tom apreciativo do crítico ao romance em
detrimento da avalanche de números que produzem uma grandiosidade imediata, a
mídia descarta o processo quase artesanal que deve ter sido a escrita e o
embate com a palavra, uma vez sabermos que essa relação obedece a outro tempo que não o da imediatez. O livro
assim lido pelo crítico não é suficiente, há de ter a presença do
extraordinário, quando não, sequer o extraordinário é ainda suficiente, há que
ser espetacular, mesmo que não haja nem uma coisa nem outra. Na mesma linha, também é gênio o escritor
que solta pelo meio do seu texto o extraordinário, o arroubo epifânico, que deve
ser manifestado a cada virar da página. E aqui vou pensando em nomes de alguns
escritores que vão se tornando mestre nesse jogo midiático de se autoproduzirem
gênios que chamaria aqui de intermitente – quem tiver lido o último romance de
Mia Couto, este A confissão da leoa e
tiver lido o que escrevi sobre o livro, entenderá, muito bem, em quem estou
pensando neste momento. O livro não é bom, poderão concordar uns, mas algumas frases têm efeito genial.
Notem que estou aqui ainda me referindo a um tipo específico
de gênios: não são os que estão noutro campo – sim, porque eles estão por toda
parte – mas estou me referindo aos gênios da escrita. Uns devem está escondidos
e se aparecerem demais se estragam, outros devem está muito bem vistos e se
esconderem demais estragam de igual maneira. É uma lança de dois gumes: fulano
pode escrever muito bem, mas beltrano é melhor que ele porque é um desconhecido
ou fulano não escreve muito bem, mas como beltrano não aparece, ele é o melhor.
E é necessário, sempre, na exaltação, que o lugar de um ou de outro seja
equiparado ao lugar da superfície mais alta.
Mas, nesse universo da literatura, que fará de alguém um gênio?
É uma opinião muito própria, mas o descartável – já terão percebido – são os que
têm ideias em relâmpago e constroem qualquer coisa na mesma rapidez e, surtindo
efeito comercial, caindo no gosto popular, logo faz disso uma técnica repetitiva
que somente reproduz. Aqui, me abstenho de pensar nomes porque uma simples
consulta às listas dos mais vendidos ou uma visita às mesas de exposição nas
grandes livrarias serão suficiente para saber dos exemplos que eu arrolaria. Gênio é, portanto, aquele que de posse da ideia, tem a capacidade da maturação.
E pela maturação é capaz de captar o espírito do seu tempo e sua transcendência,
neste caso, o último talvez venha sempre em primeiro plano. É capaz também de
enxergar no intervalo das coisas uma fenda na qual possa se alojar e fazer da
falta a presença não esquecendo sempre dos que já integram uma tradição.
Gênio, por fim, são aqueles capazes de ser sempre novos, não importa em qual tempo. Num trocadilho para uma anotação neste blog, comentei dois casos desses extraordinarismos que vez por outra acontece: a presença de Os miseráveis, de Victor Hugo, no topo dos livros mais vendidos – isso na Livraria da Folha – e venda recorde do e-book Dom Casmurro, de Machado de Assis: ‘Entre as cinzas de cinquenta tons há um tom cinza de esperança’. É de esperança apenas no sentido de que possamos reverter o lugar dos mais vendidos, mas no sentido para durabilidade, o de que a centelha do gênio há de sempre brilhar, e não é à toa, portanto, que uma obra como as citadas alcancem ainda o patamar que alcançam, ou que ainda sejam tão benquistas pelo público de gosto já acurado para o aquilo que leem. É que Machado e Victor Hugo são gênios e não geniais.
Gênio, por fim, são aqueles capazes de ser sempre novos, não importa em qual tempo. Num trocadilho para uma anotação neste blog, comentei dois casos desses extraordinarismos que vez por outra acontece: a presença de Os miseráveis, de Victor Hugo, no topo dos livros mais vendidos – isso na Livraria da Folha – e venda recorde do e-book Dom Casmurro, de Machado de Assis: ‘Entre as cinzas de cinquenta tons há um tom cinza de esperança’. É de esperança apenas no sentido de que possamos reverter o lugar dos mais vendidos, mas no sentido para durabilidade, o de que a centelha do gênio há de sempre brilhar, e não é à toa, portanto, que uma obra como as citadas alcancem ainda o patamar que alcançam, ou que ainda sejam tão benquistas pelo público de gosto já acurado para o aquilo que leem. É que Machado e Victor Hugo são gênios e não geniais.
Sim, os geniais são passageiros, são os lances que têm clarão
hoje, mas brilho amanhã dificilmente alcançarão: Paulo Coelho é genial, Dan
Brown é genial, e por aí vão. Têm a fagulha que tem um jogador de futebol que
cumpre três gols numa partida e ensaia lances, genais, ou os que do dia para
noite erguem um império de bilhões em dinheiro. Mas, têm vida curta. Passarão.
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