O boom da literatura chilena, José Donoso no Brasil
Por Pedro Fernandes
José Donoso, um dos escritores chilenos que começam a chegarao Brasil em novas traduções. |
Os leitores brasileiros devem abrir um espaço na estante
para receber a obra de um escritor chileno que volta a aportar por aqui neste ano: José Donoso. Dois de
seus trabalhos já estão nas livrarias: O lugar
sem limites (Cosac Naify) seguido de O
obsceno pássaro da noite (Benvirá).
A reentrada da literatura de Donoso ao Brasil vem num momento
em que a presença dos latino-americanos tem assumido ponto alto por aqui. Especificamente
dos autores vindos do Chile. Deste país, por exemplo, contamos com Roberto Bolaño (tido como um fenômeno Cult),
Isabel Allende, Antonio Skármeta... E antes desses nomes, a obra de Pablo Neruda, talvez um dos mais traduzidos por aqui e atravessado pelo momento de expansão da
literatura de língua espanhola no mundo.
Ah, e não se deve esquecer Alejandro
Zambra! Em 2012, o escritor esteve como convidado na Festa Literária Internacional de Paraty e um de
seus romances, Bonsai, também está nas livrarias.
Para abril, a Cosac Naify, responsável em parte por esse boom chileno entre nós, prepara a segunda tradução de um novo título desse romancista
minimalista: La vida privada de los árboles.
Já notaram o porquê do uso do termo boom. A literatura chilena está na moda. Mesmo com os Andes de muro... Que o diga Eric
Nepomuceno, um dos principais tradutores no país de obras vindas do país do vinho. Recentemente, ele traduziu o décimo terceiro romance de Hermán Rivera Letelier, A contadora de filmes. Este livro já havia sido lido por Walter
Salles como o livro e, dizem por aí, que o cineasta planeja levá-lo aos
cinemas.
Agora, o nome mais emblemático mesmo, que a crítica tem se sentido até um tanto acuada em comentar mais abertamente, é o de José Donoso. Por muitas razões. Uma delas é que autor de O obsceno pássaro da noite não se guia pelas fronteiras do fantástico, marca da literatura de língua espanhola desde Gabriel García Márquez e comum, por exemplo, à obra de Letelier, nem pelo minimalismo de Alejandro Zambra; Donoso opta por histórias que estão no limiar dessas duas possibilidades comuns na sua literatura.
O lugar sem limites e O obsceno pássaro da noite, dois títulos de Donoso em tradução recente no Brasil. |
Em O obsceno pássaro da noite,
tida como uma das obras da ficção de língua espanhola mais ambiciosas, não pelo
fato de que tomou dez anos do escritor para ficar pronta, mas porque é
representativa do boom literário
latino-americano ao lado de Márquez, Vargas Llosa, Julio Cortázar, Carlos Fuentes... Donoso
fabrica uma atmosfera ambígua, entre o insólito e o grotesco. Todo o romance se
passa numa antiga casa de exercícios espirituais prestes a ser desativada. Foi este livro que mereceu um lugar do escritor entre os livros da literatura ocidental do século XX, conforme Harold Bloom.
Já em
O lugar sem limites, o espaço das
ambiguidades está entre a tensão-distensão e no próprio sexo da personagem
principal, Manuela, lida pela crítica como um personagem a um só instante
complexo e emblemático, situado entre o quadro realista e o alegórico; Manuela
é na verdade Manuel González Astica, travesti que mantém o prostíbulo já decadente
com a filha Japonesita. Além disso, Donoso faz do romance espaço para algumas
pautas contemporâneas, embora o livro seja de 1966 o que, para a época terá
sido muito mais transgressor, que são os temas sobre a homossexualidade, a
igualdade de gênero.
Donoso, então, vai na esteira de seu conterrâneo Alberto
Fuguet, ao fugir de determinismos e estereótipos literários. Diz-se que Fuguet
mandava seus originais para editoras norte-americanas, nos idos anos 1980, e não
raro recebia respostas do tipo: “Coloque em seus textos algo folclórico, coisas
exóticas, e depois volte a nos procurar” e para fazer frente ao estereótipo que
se tinha das letras latinas, ele lançou em 1996 uma provocadora antologia de
jovens contistas sob o título McOndo –
fusão de Mc Donald’s, Macintosh e Macondo, a mítica cidade de Cem anos de solidão.
O escritor tem preferência pelos da margem, os soterrados pela
angústia e imersos numa subterraneidade de sentimentos que desafiam o espaço
normativo externo; são sujeitos em fuga de uma realidade pesada demais, que os
oprime e querem, a todo custo, outra realidade. Por fim, devemos concordar com Antonio
Skármeta, “a ruptura que a geração do boom
faz com as formas miméticas, e o desprezo referencial por uma realidade, permite que Donoso também
levante as âncoras e zarpe por novos mares para chegar a mundos autônomos,
monstruosas ilhas feitas do que somos e negamos.”
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