Na rota da contracultura
Kerouac, Ginsberg e Burrougs. |
Quem por aqui tiver tido a oportunidade de assistir o filme Na estrada, adaptação do livro homônimo de
Jack Kerouac e signo da Geração Beat, entenderá um pouco do que foi este
movimento. Mais que sexo, drogas e
jazz, os meninos do grupo são responsáveis por colocarem no centro da cena o
lado marginal da sociedade que talvez não fosse tão valorizado no universo
artístico como se tornou depois deles.
No Brasil mesmo, ao ouvir a palestra do escritor Reinaldo
Moraes em 2012 por ocasião do IV Festival Literário da Pipa, é que pude
entender um pouco como, por exemplo, o movimento Beat foi responsável por sacudir
até as esferas da literatura brasileira. Reinaldo com um dos romances mais
representativos da cena literária brasileira contemporânea, o Pornopopeia está para o Brasil o que
foram Kerouac e companhia nos Estados Unidos.
Fazendo uma breve consideração sobre o conceito para o que
foi a expressão Geração Beat topei com um curto texto de Maurício Arruda
Mendonça que assim define: “a expressão Geração Beat designa um vasto grupo de
artistas inconformados com o chamado ‘estilo de vida americano’, especialmente
depois da Segunda Guerra Mundial. Para esses artistas o sonho americano não
trazia nenhuma forma de iluminação ou conscientização pessoal. Era uma espécie
de lobotomização da nação americana e a concretização do império do materialismo.”
“A intervenção dos chamados ‘beats’” – acrescenta – “foi
marcada por uma tendência dionisíaca de valorização das experiências
autobiográficas, e da criação de novas formas de vida à margem da sociedade
burguesa. No campo da estética, a Geração Beat contribuiu com obras de invenção
formal e na contracorrente da academia e dos poetas e prosadores consagrados
pelo establishment. A expressão Beat
serviu para designar o nascente movimento da contracultura que desencadearia a
grande revolução dos costumes e das artes ocorrida nos anos 60 do século XX.”
O grupo inicial era formado por três escritores que, depois
de tudo, terão sido os que melhor se sobressaíram desse período: Allen Ginsberg
(1926-1997), autor de um poema bem famoso e sobre o qual falamos por aqui outro
dia, Uivo; Jack Kerouac (1922-1969),
autor do livro que já falamos, On the
road e William Burrougs (1914-1997), autor da novela Almoço nu. Não que esses autores tenham escrito apenas estes
textos, mas eles uma amostra representativa do que foram no movimento.
E o próprio Ginsberg, num artigo de 1982, resumiu assim os
efeitos principais da Geração Beat: “liberação espiritual, ‘revolução’ ou
‘liberação’ sexuais, ou seja, liberação gay, de alguma forma catalisando a
liberação da mulher, liberação negra, ativismo dos Panteras Negras; liberação
do mundo quanto à censura; desmistificação ou descriminalização da cannabis e de outras drogas;
transformação do rhythm and blues em rock’n’roll, que passa a ser visto como
uma forma elevada de arte, como exemplificado pelos Beatles, Bob Dylan e outros
músicos populares influenciados pelos trabalhos de poetas e escritores beat do
fim dos anos 50 e início dos 60; disseminação da consciência ecológica,
enfatizada claramente desde cedo por Gary Snyder e Michael McClure, com a noção
de um ‘planeta limpo’; oposição à civilização militar-industrial, como
enfatizado pelos escritos de Burroughs, Huncke, Ginsberg e Kerouac; atenção
àquilo que Kerouac (através de Spengler) chamava de ‘uma segunda religiosidade’
a desenvolver-se dentro de uma civilização avançada; retorno a e apreço pela
idiossincrasia em oposição a uma regulamentação do estado; respeito pela terra
e pelos povos indígenas e pelos seres sencientes, como proclamado por Kerouac
em seu slogan de On the Road: ‘A Terra é coisa de índio’.”
***
Filmografia:
Há pelo menos quatro filmes de maior conhecimento produzido de
trabalhos dos escritores dessa geração.
- Pergunte ao pó,
filme de 2006, baseado no romance homônimo de John Fante. Apesar de não está no
grupo formador dos Beats, o escritor teve seu trabalho descoberto por Charles
Bukowski, outro ‘descendente’ da geração Kerouac.
- Howl, filme de
2010, que recria a vida do poeta Allen Ginsberg no momento de criação de
seu mais famoso texto, Uivo. Ano passado
postamos cenas desse filme por aqui em que James Franco recita o poema de
Ginsberg.
- On the Road,
filme de 2012, baseado no romance, como já dissemos, de Jack Kerouac. Fizemos
umas notas sobre filme aqui.
- Big Sur, filme
de 2013, baseado noutro romance de Kerouac e que teve sua estreia no Sunadance
Film Festival – e, por enquanto ainda distante das vistas nossas.
- Jack Kerouac: king
of beat, s/d, filme documentário sobre Kerouac e sua importância para a
cena Beat. O filme é repleto de entrevistas com os contemporâneos beats, como
William S Burroughs, Allen Ginsberg, Huncke Herbert e Parker Edie; além disso, narrações
em off de textos do próprio Kerouac. Já havia dado esta dica aos que acompanham
a fan page do blog no Facebook e registro por aqui a quem ainda não tenha
visto.
- Kill your darlings,
já programado para este ano de 2013, sobre a amizade entre Allen Ginsberg e
Jack Kerouac.
De hoje, dia 15 de janeiro até o dia 6 de abril a Grey Art
NYU Gallery abre uma exposição que tenta dar contas de como viveram os da
Geração Beat. Os nova-iorquinos podem ver “Beat memories – the photographs of
Allen Ginsberg”; a exposição é composta por uma seleção de 110 fotos feitas por
Allen Ginsberg que fez questão de registrar os fatos em torno de boa parte das
imagens. As imagens foram reunidas num catálogo organizado por Sarah Greenough
e das quais, selecionamos algumas delas para uma amostra que pode ser vista a
seguir. Para não correr o risco de tradução mal feita preservamos o texto
original com que Ginsberg identifica as fotos, mas dá para se ler
perfeitamente, mesmo os iniciantes em língua inglesa.
Comentários