Miguel Torga
Já no texto de orelha da edição brasileira de 1996 de Contos da montanha, de Miguel Torga,
Jorge Amado lamenta: “Miguel Torga faleceu sem ter recebido o prêmio Nobel,
injustiça sem tamanho. Ninguém mereceu mais do que o grande escritor português,
o poeta, o contista, o memorialista. Entre os que trabalharam a língua
portuguesa, na criação da poesia e da narrativa, o nome de Torga se destaca
pela escrita invulgar e pelo conteúdo de uma literatura feita de humanismo.” São
palavras suficientes de um nome entre mais importantes da nossa literatura – o escritor
brasileiro também não ter recebido prêmio maior, muitos concordam, também é uma
injustiça.
Esta aproximação com o escritor português tem uma
justificativa primeira pela data de hoje: em 16 de janeiro de 1995, Torga
morreu, depois de uma extensa vida dedicada, pode-se dizer, integralmente à
literatura, ainda que em tempos outros, mas no princípio da juventude, nos anos
20, tenha estado morando cá no Brasil, emigrado na fazenda de um tio e trabalhando
com o café. Terá sido, aliás, por este
tio, que o destino seu fez-se pelas letras; é que passado quatro anos que
estava por aqui, ele resolve, percebendo a inteligência do menino,
patrocinar-lhe os estudos primeiros, em Leopoldina. Depois, é o mesmo tio quem
lhe banca seus estudos num seu regresso a Portugal, em Coimbra, onde se formou
em Medicina.
Foi também em Coimbra que publica o seu primeiro livro, Ansiedade, e inicia colaborações junto
ao grupo da revista Presença – periódico
fundado em 1927, por lá escreviam já artistas de certo nome, como José Régio e Branquinho
da Fonseca, nomes, aliás, que irão marcar uma das correntes do movimento
modernista em Portugal. Três anos mais tarde, Torga rompe com o grupo – o rompimento,
aliás, terá sido parte constante na sua vida: primeiro, rompe com os patrões
ainda criança para os quais trabalhava em troca de abrigo e comida como moleque
de recados; depois, rompe com o seminário para o qual foi designado, por
exemplo. Mas os rompimentos, ao que parece, sempre lhe apontaram outros
caminhos que no fim de tudo deu-lhe uma extensa experiência de vida. Por exemplo,
esse rompimento com o grupo de 27 deu ao já escritor a pulsão para fundar sua
própria revista, Sinal, que como as
revistas desse período, teve curta duração; com o fim de Sinal, funda Manifesto.
Por essa ocasião já havia publicado cinco outros títulos, Rampa, Tributo, Pão ázimo, Abismo e O outro livro de Job.
Mais ou menos por essa época, já em 1934, é que se assume em
definitivo com o pseudônimo que mais tarde será nome pelo qual ficou conhecido.
Sim, esse Miguel Torga foi de autobatismo, porque de registro Miguel Torga é
Adolfo Correia Rocha. Pseudônimo intencional: o Miguel para designar o traço ibérico,
nas figuras de Miguel de Cervantes e Miguel de Unamuno e o Torga, nome de uma
planta que cresce nas montanhas portuguesas de onde veio.
Reconhecido por uns, como José Saramago, pelo seu trabalho
com a poesia, e por outros, como o próprio Jorge Amado, pelo conto, Torga deixou
uma extensa obra que junta compõe uma cartografia do rompimento; profundo
crítico de seu país, a obra e Torga é também um grito de inconformismo pela situação
autoimposta pelo próprio homem. A experiência da pobreza vivida na infância e o
seu retorno a ela quando foi ser médico nas aldeias portuguesas foram
suficientes para desenvolver uma visão pessimista do mundo e do homem impressas
na sua obra. Por seu caráter dissidente e acusado de subversivo, mesmo não tendo
participado abertamente de determinados movimentos políticos, esteve pelo regime
ditatorial.
Ao longo de sessenta anos de escrita publicou mais de cinco
dezenas de livros. Entre os de poesia, além dos já citados escreveu Lamentação (1943), Odes (1946), Cântico do homem
(1950), Poemas Ibéricos (1965),
entre outros; já na prosa, além dos contos da antologia citada, destaca-se
também Bichos (1940), os romances O senhor Ventura (1946) e A criação do mundo (1931), as peças de
teatro Terra firme (1941), Sinfonia (1947), Portugal (1950) e os 16 volumes de seus diários que recortam
poesia, contos, memórias, criticas e reflexões gerais.
A seguir preparamos um catálogo com amostra de quatro textos do escritor: um conto e cinco poemas. Os textos foram publicados entre 1971 e 1985 na Revista Colóquio/Letras, da Fundação Calouste Gulbenkian.
Comentários