Django livre, de Quentin Tarantino
Por Pedro Fernandes
Quem já se deparou com Quentin Tarantino em empreitadas como
Kill Bill e com Bastardos inglórios – para ficar em duas produções recentes do
diretor – verá que, dos três filmes para cá (Kill Bill foram dois filmes) ele muito tem aperfeiçoado seu estilo
e permanece seduzido por alguns exageros. A prova ainda pode ser tirada com a
chegada aos cinemas, agora em 2013, de Django
livre, que, no meu curto entendimento vai entrando para lista das boas
surpresas do ano. Quando comentei por aqui sobre A viagem não lembro ter dito que este filme era um filme para ser
revisto; se não tiver dito, aproveito a ocasião para, ao concordar que Django deve ser um filme para ser
revisto, dizer; e já vão duas reprises necessárias.
Em Django livre,
Quentin Tarantino se apropria do fato e um dos mais vergonhosos da história, a escravidão,
e num misto de faroeste sem deserto, produz uma narrativa, já no seu
tradicional modo de narrar que ocupa três movimentos: a prisão de Django, um
escravo, a sua libertação, pela compra atravessada de um alemão em terras
estadunidenses que ganha a vida como caçador de recompensas e daqui fará um
trato para pegar vivo ou morto um grupo de irmãos criminosos, que por fim, tudo
caminha para a montagem de um plano de resgate do amor de Django. Se Kill Bill foi ao extremo para provar que
nesse território de amor também há morte e sangue, em Django livre também; não sobrará ninguém da fazenda Candyland
(olhem o som irônico do nome desse lugar), onde está a Broomhilda, o amor de
Django. Ao falar nessa personagem quero só fazer um breve parêntese para falar com a questão da escravidão é trabalhada por Tarantino nesse filme, muito embora não queira me deter sobre o assunto. O contato com o lugar onde vive Broomhilda, escrava negra que fala alemão, permite percebermos que a questão escravocrata não reduz a um simples jogo de manda-obedece e separação racial entre brancos e negros. Entre os negros há os que, por uma razão ou outra, compactuam do sistema a agem sobre os de raça com o mesmo imperativo que os brancos, aí representado no filme pela relação conturbada entre a Broomhilda e o caseiro da Candyland, fiel confidente de seu senhor Calvin Candie, vivido por Leonardo DiCaprio.
O que tem sido marca em Tarantino é assunção de que a
extensa história do cinema já é possuidora de material suficiente para uma alimentação
própria das narrativas; muito embora quase cem por cento dos diretores façam isso
nos seus filmes, a coisa não se mostra pelo escracho paródico que é no diretor
de Django. Apenas para ilustrar
rapidamente esse processo, a personagem de Christoph Waltz, ator que ganhou
destaque pelo tom sanguinário de soldado das forças nazistas em Bastardos inglórios, que aqui, ao modo
de novela da Globo, se redime da imagem, com esse divertido e praticante de
bem-aventuranças. Os caçadores de recompensa e o plano de vingança arquitetado,
mais tarde, por Django, por exemplo, é uma faz forças motrizes dos filmes de bangue-bangue.
Se olharmos ainda mais de perto iremos notar que o tom da narrativa muito tem
do folhetinesco barato, com diferença de que, a jovem apaixonada está escondida
dos olhos do leitor/telespectador até quase o fim do filme. Mas, a forma como o
fio dessa narrativa é conduzido – a própria mudança de espaço como lembrei logo
no início deste texto é outro exemplo disso – e, como fica o produto final. O grande
trabalho de Tarantino já como mestre na paródia cinematográfica, e isso
constitui sua marca autora, está no processo de captura dos materiais já disponíveis
e sua reescritura na tela.
E isso tudo faz do diretor um autor que não é de se fiar. Até
quando toca na exploração dos brancos sobre os negros e, portanto, um fato
histórico, Tarantino faz questão de que o telespectador sinta, pelo exagero, a desconfiança
em acreditar se tudo aquilo pode mesmo ter sido, um dia, daquela forma. O tratamento
dado entre brancos e negros é filmado a todo tempo como um divertimento sádico,
mas não há, por exemplo, registro na história da escravidão nos Estados Unidos,
de os mandigos, ou negros gladiadores que se enfrentavam até à morte em espaços
destinados para isso na casa dos senhores de escravos. Mas, Tarantino se
apropria do fato para mostrar pelo exemplo extremo o quão a escravidão era um
desejo sádico pela violência a todo custo e a exploração pela exploração. Em alguns
casos, o diretor faz questão do deboche, como quando um grupo de bem feitores
de um senhor de escravos, planeja, como membros de uma Klu Klux Klan
insipiente, dar fim a Django e o parceiro. Há nessa sequência que a princípio
parecerá ser um massacre com todas as forças do sentido que essa palavra tenha
e tudo se transforma numa discussão sobre o tamanho dos buracos dos capuzes
feitos pela mulher de um deles e, na desestruturação do grupo todos acabam indo
pelos ares com a armadilha plantada por Django e o companheiro.
A leveza com que Tarantino põe isso na tela é artístico. E não
é um divertimento barato; é preciso uma bagagem cultural elevada para captar as
nuances e os porquês que as coisas aí se passam dessa e não de outra maneira.
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