Dez livros fundamentais para conhecer a obra de Philip Roth
Philip Roth. Foto: Jean-Christian Bourcart |
Em 2012,
soubemos que o escritor Philip Roth decidiu colocar um ponto final na sua obra;
a atitude não é inédita e nem é rara. Ela obedece a várias frentes possíveis: o
escritor elegeu a construção de um projeto literário e conseguiu finalizá-lo
antes de morrer; o escritor não está satisfeito com o rumo tomado pela
profissão – seja porque o expôs demais e exigiu sacrifícios que para ser
cumprido precisou de abdicar de várias outras coisas importantes na vida, seja
porque não alcançou o reconhecimento devido; o escritor, como em todas as profissões,
também tem o direito de dizer “Chega, não sirvo mais para isso”.
O caso de
Roth pode ser examinado por cada uma dessas frentes (tirando a frustração pelo
reconhecimento) ou ainda por todas elas. E uma das vantagens para o leitor,
quando isso acontece é que ele tem para si uma visão acabada sobre a obra do escritor.
E, pronto, agora que o estadunidense, um dos maiores da sua geração, preferiu
dizer “Chega!” preparamos uma lista que é um resumo da sua extensa obra, grande
parte dela editada (ainda bem) no Brasil.
Os títulos
escolhidos são aqueles cuja recepção da crítica tem sido mais fervorosa; não é este
um roteiro cronológico, nem um ranking,
tampouco um roteiro definitivo para se conhecer a obra de Roth. Cada leitor
pode (e deve) discordar das escolhas e acrescentar por conta própria suas preferências.
As sinopses foram copiadas do site da Companhia das Letras, a editora responsável
pela publicação da sua obra no Brasil.
1. O complexo de Portnoy: A obra marca a virada na sua obra ou a
estreia definitiva depois de passar quase despercebido com a publicação de Adeus Columbus. A narrativa de Alexander
Portnoy, jovem advogado nova-iorquino é uma longa confissão no divã do
psicanalista. A personagem encara a si própria com realismo e ironia, mas é um
incapaz de se livrar da ligação paralisante com mãe. Portnoy discorre sobre a
infância, a adolescência e sua vida atual, marcada pelo relacionamento
conflituoso com uma mulher semianalfabeta e sua partida para Israel.
2. Pastoral americana: O livro lhe rendeu o
Prêmio Pulitzer em 1998. Aqui, Roth exercita seu lado bonachão e desbocado;
esta é a narrativa de Seymour Levov contada pelo ponto de vista do alterego do
escritor, Nathan Zuckerman, figura que aparece em outros oito títulos de sua obra
romanesca e até num livro autobiográfico em que Roth lhe escreve longa carta.
Seymor é filho de imigrantes judeus que deram duro para subir na vida e tenta
em vão transmitir o legado moral à terceira geração da família Levov. Entre a tradição
e a modernidade, Roth reafirma a construção de um poderoso retrato crítico
sobre o modo de vida do estadunidense. O livro abre uma trilogia que ficou
conhecida como “Americana” e é indispensável para o leitor o contato com os outros
dois títulos, Casei com um comunista e
A marca humana.
3. Operação Shylock: O título é um retorno
ao mito do duplo, tema que terá servido de roteiro para várias obras da
literatura, desde O retrato de Dorian
Gray, de Oscar Wilde, a O homem
duplicado, de José Saramago. Aqui, um sósia se apropria do nome, da
biografia e finge ser a personagem com o interesse de levar adiante seus propósitos.
De forte traço autobiográfico – Roth descobriu, de fato, em 1998, a existência
de um sujeito em Israel que fazia uso de sua identidade com o interesse de
levar de volta à Europa os judeus israelenses – o livro é um suspense muito bem
desenhado pelo escritor e uma visita a temas muito caros desde sempre como a condição
judaica e o destino dos judeus, aí discutidos de forma instigante e polêmica.
4. O teatro de Sabbath: eis um dos títulos
mais obscenos da pudica literatura estadunidense. A crítica, quando da sua
publicação, foi taxativa em dizer que este era um romance mais pesado que Trópico de câncer, de Henry Miller e mesmo o já polêmico Complexo de Portnoy, do próprio Roth. Em
cena, o sexagenário Mickey Sabbath, artista de fantoches aposentado que resiste
entre o sexo e a morte; este é um romance misto de drama e virtuosismo erótico.
5. Complô
contra a América: Este romance tem sua ação ligada ao tempo suposto em que Charles Lindbergh foi presidente
dos Estados Unidos; em cena o menino Philip e sua coleção de selos, o pai corretor
de seguros, a mãe dona de casa e o irmão mais velho com dotes de desenhista. O aparente
cenário de tranquilidade e simplicidade é invadido pelo drama quando no poder
está uma figura ardorosa defensora da Alemanha Nazista. O que isso representa
para essa família de judeus? Basta olhar para a história e ver o que o regime
de Adolf Hitler produziu para suspeitar.
6. O animal agonizante: O romance reintroduz
uma figura que aparece na novela O seio,
em 1973 e depois se apresenta em O
professor do desejo, de 1977; Roth sempre gostou de dar voltas em torno de
seu mundo ficcional. No livro, o professor aposentado David Kepesh faz sucesso
com um programa cultural na TV; mulherengo, David descobrirá arrebatado pela
paixão (ou pelo amor, forma que diz desconhecer) quando conhece a jovem de vinte
e quatro anos Consuela Castillo, de uma família abastada de imigrantes cubanos.
A força desse texto reside na maneira como Roth constrói o contraste entre as racionalizações
rígidas de um homem autocentrado e o poder da paixão que irrompe, imprevisível,
destruindo suas certezas.
7. Homem comum: Numa narrativa direta,
íntima e universal, Roth retorna a um tema caro para sua obra literária, a
perda. Alinha ainda o arrependimento e estoicismo para tratar da luta de um
homem contra a morte, conflito natural de uma vida inteira. A personagem desse
romance é um artista comercial de sucesso, que trabalha para uma agência de publicidade
em Nova York, tem dois filhos do primeiro casamento que o desprezam, e uma
filha do segundo casamento que o adora. Amado também pelo irmão, o homem bom e
de saúde perfeita termina por despertar sua inveja rancorosa, quando sabemos
ter sido casado três vezes com mulheres muito diferentes e tendo destroçado por
conta própria todos esses relacionamentos. O romance é uma compreensão sobre a
falta de controle de todo homem contra o destino. Ou contra aquilo que certamente
não tinha nos planos quando traçou fazer sua vida.
8. A humilhação: Aos 65 anos, Simon Axler,
um renomado ator de teatro, sobe no palco e constata que já não sabe mais atuar. De uma hora para outra toda sua autoconfiança
se esvai, e sua vida entra numa espiral de perdas: a mulher vai embora, o público
o abandona, seu agente não consegue mais convencê-lo a retomar o trabalho. Passa
então a ficar obcecado com ideia do suicídio e se interna numa clínica psiquiátrica.
No meio desse relato terrível de uma autoanulação inexplicável e apavorante,
irrompe um enredo em sentido contrário. Simon se envolve numa relação profunda
com uma mulher mais jovem, homossexual e filha de um casal de atores que ele
conheceu na juventude. Nasce então um desejo erótico avassalador, um consolo
para uma vida de privação, mas tão arriscado e aberrante que aponta não para o
conforto e a gratificação e sim para um desenlace ainda mais trágico e
chocante. Novamente, Roth se aproxima de questões com as quais modelou sua obra
final: a velhice, a perda, a paixão e a morte.
9. Indignação: Aqui, o leitor tem contato
com um Philip Roth muito diferente do já conhecido. Se a grande maioria de seus
protagonistas, por exemplo, são homens de meia idade ou no fim da vida, neste é
a experiência da iniciação de um jovem de dezoito anos, Marcus Messner, nascido
e criado em Newark, Nova Jersey, esbanjando vigor, ambição, ousadia e desejos irrefreáveis
de entrar na vida adulta. Filho único de um açougueiro, Messner busca uma
faculdade no Meio Oeste, muito longe de casa a fim de escapar da vigilância sufocante
do pai, da medíocre vida do interior e das funções como ajudante no açougue. Situado
no início da década de 1950, quando os Estados Unidos estão em guerra contra a
Coreia, o conflito é uma ameaça constante de ser chamado para o front, caso não
consiga se destacar nos estudos. Se ele, por isso se torna o aluno nota dez,
por outro não consegue seguir as obrigações junto ao mundinho pudico da universidade
e troca as preleções obrigatórias sobre a bíblia na igreja evangélica do campus
pela vida anárquica entre o sexo livre e a paixão desbragada que começará pela
figura enigmática de sua colega de turma Olívia Hutton.
10. Nemêsis: Pode-se dizer
que este é o último livro de Roth? Se a aposentadoria for algo levado a sério,
sim. A narrativa desse romance é sobre Eugene “Bucky”, um cantor, professor de educação
física e inspetor de pátio de uma escola judaica em Newark; apesar de viver uma
vida pacata é atormentado pelo fato de não poder lutar na guerra ao lado de seus
contemporâneos em razão de uma miopia fortíssima. Mas, o drama não tem lugar
nessa constatação e sim no episódio ocorrido na escola onde Eugene trabalha: um
grupo de adolescentes encrenqueiros de ascendência italiana aparece no colégio
e cospe no chão do pátio e logo depois vários alunos contraem poliomielite. À
medida que a enfermidade avança entre os garotos, o professor começa a surtar
que possa ter alguma culpa no caso; esse sentimento o levará abandonar a cidade
onde vive em busca de reencontrar uma antiga namorada em Pocono e escapar da doença.
O livro é parte de uma tetralogia de romances em que se inclui também Homem comum, Indignação e A humilhação.
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