Antonio Callado
Se no futuro for produzida uma lista com os mais
significativos romances da literatura brasileira, um livro é indispensável não ficar
ausente nela: Quarup, de Antônio
Callado. Publicado em 1967, além de ser o mais famoso dos trabalhos do jornalista,
romancista, biógrafo e dramaturgo brasileiro, não necessariamente nessa ordem,
este livro, uma reapropriação de narrativas históricas e míticas se apropria,
antes das reapropriações, de um pensamento que tem movido a literatura nacional
desde José de Alencar, o da identidade nacional. Está aí o Brasil dos preguiçosos,
dos doentes, a nação bricolada do que melhor e do que ruim há nos outros países,
numa síntese que não quer renovar estereótipos, mas pensar a nação, pelos ângulos
da contradição como um país que constantemente se reiventa.
No entanto, se a lista fosse feita já hoje, duvido que este
romance aí estivesse; seja por nossa amnésia literária, seja porque, a olho nu,
este não parece ser um livro tão conhecido como já gozam desse privilégio
títulos de Clarice Lispector, Guimarães Rosa ou mesmo o próprio José de Alencar.
Com esse mesmo olho, digo mais, Antônio Callado é ainda um escritor por se
descobrir. E nada mais justo lembrá-lo na data em que em 1997, no Rio de
Janeiro, morreu o literato.
Callado formou-se em Direito, mas nunca chegou a exercer a profissão;
trocou as leis da justiça pelas leis da escrita e foi além das fronteiras da
imprensa nacional. Depois de trabalhar para jornais como O Globo, Jornal do Brasil
e Correio da manhã, foi à BBC de
Londres e, mais tarde, em Paris contribuiu para o Radio-Diffusion Française. Como
redator do Jornal do Brasil, foi em
1968, fazer cobertura da guerra no Vietnã. Atuou como professor visitante na
Inglaterra, nos Estados Unidos e mesmo já aposentado como jornalista, em 1975,
voltou à imprensa como colunista da Folha
de São Paulo, em 1992.
Apesar de ter publicado seus primeiros trabalhos ainda no
começo de carreira jornalística, terá sido os anos na Europa em que contraditoriamente
fez Callado mais se interessar pelo seu país e as grandes reportagens feitas
logo quando do seu retorno pelo Nordeste, o Xingu, o que teu subsídios para
seus trabalhos de maior monta. A crítica aponta por exemplo que as deficiências
apresentadas nos dois primeiros romances, Assunção
de Salviano, de 1954, e A madona de
cedro, de 1957, em que se assiste uma persistência pelo viés religioso como
condicionante do desenvolvimento da ação narrativa, são superadas em obras com
o já citado Quarup, de 1967, Bar Don Juan, de 1971, Reflexos do baile de 1976, e Sempreviva, de 1981 – todos, romances em
que a relação literatura-sociedade, signo da geração do escritor, a geração de
1945, está aí muito bem plasmada. É verdade que esta incursão terá lhe custado
certa carestia: Callado esteve preso duas vezes seguidas pelo Regime Militar.
Antes dos romances, vieram as peças para teatro, num total
de quatro trabalhos, mais tarde reunidos na antologia A revolta da cachaça; destas, a que mais chama atenção, por
exemplo, é Pedro Mico, dirigida por
Paulo Francis e com ninguém menos que o arquiteto Oscar Niemeyer numa inusitada
incursão pelos palcos. Depois, a peça foi transformada em filme com outra
inusitada incursão, Pelé, no papel principal.
Apesar de dedicado à literatura, Antônio Callado deixou uma
obra modesta que inclui além dos romances e peças para teatro, biografias e
reportagens. Dos dois últimos gêneros, destaques são, a biografia de Portinari
publicada em 1957 e as reportagens Os
industriais da seca, de 1960, Vietnã
do Norte, de 1969. Na prosa simples, publicou em 1993 o livro de contos O homem cordial e outras histórias.
Se Quarup pela
acessibilidade – até já foi filmado – é ainda desconhecido do público leitor
brasileiro, o que dizer, lastimavelmente, desses outros trabalhos de Callado,
muito deles fora de circulação nas livrarias. Esperaremos por reedições – necessárias
reedições.
Na sequência, deixamos um texto inédito do escritor, publicado pela primeira vez no Suplemento de Literatura e Arte do jornal Correio da manhã, de 8 de janeiro de 1954, onde Callado relembra sua estadia na Europa, mais especificamente em Paris, quando da Radio-Diffusion.
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