Torquato Neto






A obra do poeta Torquato Neto recebeu novo fôlego em 2012; foram acrescidos mais dois volumes à sua bibliografia: O fato e a coisa e Juvenílias, com trabalhos inéditos que ele escreveu a partir de 1961, quando tinha somente 16 anos e saiu de Teresina para estudar no Colégio Maristas, em Salvador. A obra que chega agora, passados exatos 40 anos do suicídio do escritor, acrescenta, certamente, novas perspectivas e itinerários em torno de sua produção literária.

Torquato Neto teve uma vida curta, mas muito fecunda, conforme atestam alguns estudiosos. Talvez pelo período que vivenciou – quase ele integralmente consumido no seu espaço de vida, os agitados tempos de liberdade, criatividade e de sonho interceptados pelo cruel regime da ditadura militar. Torquato nasceu em 1944 e se suicidou em 1972 e sua obra é sintomática da cultura alternativa e rebelde dos anos 1960 e 1970. Seu trabalho é um dos mais significativos para a Tropicália, movimento que fechou seu primeiro cinquentenário neste ano. Não foi somente poeta, mas letrista, cineasta, ator: um pluriartista como bem poderíamos resumir depois de lida sua biografia bem desenhada por Toninho Vaz em Pra mim chega (Editora Casa Amarela).

Para o crítico José Castello, “como discípulo fiel do mito alternativo, Torquato tinha como ideal destruir o mundo para, nesse mesmo gesto, fazer o parto de um novo”; característica de grandes poetas, como percebeu já a crítica em nomes como Augusto dos Anjos e sua peleja pelo alcance da totalidade das coisas na sua gênese, em nomes como Carlos Drummond de Andrade e sua ressignificação das coisas pequenas, em nomes ainda como João Cabral de Melo Neto e seu extenso gesto de lapidação da palavra, entre outros.

Ainda situados nas lembranças de José Castello, o crítico conta da imagem concluinte que foi a do seu amigo João Rodolfo do Prado, por ocasião do aniversário pela passagem dos 28 anos de idade de Torquato; na época, João era editor do jornal Última hora e o escritor assinava a coluna “Geleia Geral”: Torquato Neto tinha o carisma de um iluminado. A data da constatação será enigmática. Na madrugada que sucedeu aquela intensa noite, depois que volta de uma de suas rondas por boates da zona sul do Rio de Janeiro, ele trancou-se no banheiro, ligou o gás e esperou a morte. Deixou escrito “Tenho saudade, como os cariocas, do dia em que sentia e achava que era dia de cego. De modo que fico sossegado por aqui mesmo, enquanto durar. Para mim, chega! Não sacudam demais o Thiago, que ele pode acordar.” Thiago era seu filho de 3 anos, que dormia no quarto ao lado e também morreu. Na já referida biografia, Vaz atenta que durante a festa de aniversário Torquato já estava sob efeito de cocaína; Luís Carlos Maciel, testemunha dos acontecimentos na festa, atesta que ele estava sob efeito de LSD.

Torquato Neto com Vinicius de Moraes.

Para José Castello a obra de Torquato Neto iguala-se ao sentido da obra de Vinicius de Moraes, “um poeta para quem a poesia vazava na vida”. E os livros agora publicados vêm atestar o dito de Castello fundado diante do livro único, Os últimos dias de Paupéria, livro que foi editado após a morte do poeta. Para o músico Durvalino Couto Filho, um dos organizadores dos livros ora publicados, “as poesias são muitos boas. Torquato, aos 17 anos, já fazia investigações poéticas sobre o sexo, a morte, a criação, a angústia da existência. Esse material prova que ele já era um grande poeta antes mesmo da Tropicália.”

O fato e a coisa foi achado já organizado e pronto há cerca de dois anos nas caixas de papel, malas e pastas enviadas do Rio de Janeiro para Teresina por Ana Duarte, viúva do poeta. São poemas escritos entre os anos 1962 e 1964, antes de Torquato ficar conhecido como poeta e compositor do movimento Tropicalista.

Juvenílias foi reunido pelos organizadores a partir dos primeiros escritos do poeta. No material enviado e que está sob responsabilidade de George Mendes, primo de Torquato e curador de seu espólio, constam fotos, bilhetes, cartas, rabiscos de poemas, letras, discos, livros e roteiros. 

Antes, além dos arquivos que deram origem ao único livro, sabia-se apenas de um diário do sanatório do Engenho de Dentro, onde passou uma das várias internações a que se submeteu, para tratar não só do excesso de álcool e drogas, mas também de uma depressão crônica, textos esparsos sobre música e cultura que publicou em diversos veículos da imprensa carioca e cerca de 30 títulos de músicas assinadas em parcerias com Gilberto Gil, Edu Lobo, Caetano Veloso, Tom Zé, entre outros, quando Torquato ficou nacionalmente conhecido, pela sua inserção na Tropicália.

Torquato Neto com mãe. Foto UPJ Produções. Portal G1.com

Retornando a José Castello, o crítico afirma que Torquato Neto, como os artistas da vanguarda, “tinha dois grandes inimigos: as ideias preconcebidas e o ‘medo paralisador’: ‘Quero ir muito além do que já foi feito’, ele repetia. Um poeta cujo projeto era colocar-se a perigo, sempre disposto a enfrentar novas dificuldades e novos obstáculos. A contradição que carregava vinha de berço. Seu pai, Heli Nunes, era espírita kardecista e membro da maçonaria, enquanto a mãe, Salomé, uma católica fervorosa, uma típica beata.” 

E acrescenta: “o filho por eles gerado teve um nascimento difícil. Salomé tinha a bacia estreita e, no parto, como relata Vaz, “o bebê foi retirado a fórceps de dentro da mãe, durante uma batalha sangrenta que durou mais de uma hora”. Um movimento brusco do médico provocou um ferimento na cabeça do bebê. D. Salomé passou mais de um ano em tratamento para curar-se das sequelas daquele nascimento. Torquato nunca deixou de se ver como filho de um trauma.”

Torquato Neto no tempo em trabalhou para a Rádio Pioneira de Teresina.


Fez história no jornalismo em Teresina; escreveu para a coluna “Comunicação”, do jornal Opinião, para o jornal Gramma e para o suplemento “Hora fatal”, do jornal A hora, além de ter trabalhado na Rádio Pioneira de Teresina e na Rádio Clube de Teresina como repórter. 

Torquato Neto contava 16 anos quando foi para Salvador, impelido, certamente, pelo sonho que rondava todo jovem do interior do Brasil, de se fazer no grande centro do país e ser reconhecido pelo seu trabalho. Foi na capital baiana, onde cursou o secundário, que conheceu nomes como Gilberto Gil, Caetano Veloso, Gal Costa, Maria Bethânia e Glauber Rocha, todos eles, seriam parceiros de trabalho; com o cineasta ainda trabalhou como assistente, na época, no filme Barravento

Mas, foi antes de tudo, a proximidade e intimidade com a atividade jornalística que o fez continuar viagem rumo à ponta sul do país; em 1962 instala-se no Rio de Janeiro para cursar Jornalismo, curso que, no entanto, nunca chegou a terminar. Na época, além do Última hora foi também colunista no Correio da manhã

Torquato Neto numa de suas passagens pelo sanatório para tratamento do alcoolismo.
Aqui, em Botafogo, Rio de Janeiro. Foto: UPJ Produções. Portal G1.com.


No final da década de 1960, com o AI-5 e o exílio dos amigos e parceiros, foi para Europa e Estados Unidos, já casado com Ana Maria, e morou em Londres. Voltou ao país dez anos depois e é quando se iniciam os périplos com as internações em sanatórios para tratar-se do alcoolismo. 

Se a sua obra, como quer a crítica, acompanha o fôlego da sua vida, está aí, portanto, uma obra pulsante que, pelo que notamos, pede continuamente para ser descoberta. Um sintoma da grande literatura.

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