Gonzaga - de pai para filho, de Breno Silveira
Não seria este, já que estamos no fim do ano e começam já a
pipocar as listas do que foi bom ou ruim em 2012, o melhor filme brasileiro do
ano; talvez, nem um dos melhores. Digo isso para me despir de um dos lugares-comuns
que têm levado multidões, como há muito não se via, aos cinemas para assistir
uma produção nacional. Num país que ainda as artes engatinham, sobretudo, no
que se refere ao apoio estatal, esse consumo alto de uma história nas telas, é
coisa de merecer um aplauso.
Mas, esse trabalho de Breno Silveira não deve entrar para o
que entendo como cinema arte, muito embora, ele já tenha estado próximo do
modelo artístico como em Era uma vez,
seu segundo longa-metragem que chegou a ser selecionado para o Festival de
Toronto, em 2008. O fato é que ele repete uma fórmula fácil que descobriu ainda
em Dois filhos de Francisco, mesmo que pareça ser esta esteira do
biográfico o seu lugar ou sua natureza do cineasta. O filme, entretanto, é
lançado numa importante data: o ano em que o país em peso celebra o centenário
de um dos mais importantes nomes da sua música, Luiz Gonzaga; e, queira ou não,
este trabalho de Breno é, por si só, um marco para esta data, afinal, há uma
grande parcela do Brasil que desconhece Luiz Gonzaga, mesmo os nordestinos, região
de onde partiu o músico.
Justamente porque enquanto gênero documental informativo,
mesmo sabendo que Gonzaga não preenche
essa ordem, o seu filme é, sim, um grande filme: do ponto de vista do enredo tem
uma narrativa arredondada, isto é, não nos deixa com dúvidas no desfecho das situações;
até mesmo a questão mal resolvida da legitimidade paterna de Gonzaguinha tem
uma solução que parece convencer ao público. Suponho que não foi interesse do
cineasta, aliás, deter-se na questão, mas explorar a relação pai-filho,
processo criativo que Breno já criara desde o seu mais bem sucedido filme, em
termos de público pagante, Dois filhos de
Francisco, que foi, no estilo de Gonzaga,
às bases de formação da dupla sertaneja Zezé di Camargo e Luciano.
Evidente que a biografia de Luiz Gonzaga oferece muito mais
elementos para uma boa produção cinematográfica do que a da dupla sertaneja,
afinal, o rei do baião teve, na sua existência, todas as marcas daquilo que o
legitima como brasileiro nascido na margem social e que, graças a um talento incorruptível,
alcançou o espaço que alcançou na música brasileira. Não que a dupla não esteja
inserida nesse rol, do contrário, os dois também são da base pobre do país, mas
parece que enfrentamento da vida artística foi muito mais simples que com Luiz
Gonzaga. Este, filho de trabalhadores rurais do alto sertão nordestino, como se
diz por aqui, sem eira nem beira, cuja única esperança era somente ser um
forrozeiro como o pai, Januário, para as festas de pé de serra – as quermesses,
as novenas, os casórios, ou os forrós de terra batida.
A intriga construída com os pais por uma ambição adolescente
levará ao entendimento que a sua vida transborda naquele lugar e, mesmo,
semianalfabeto, é necessário sair dali, à procura de outros ares, para ver se haveria
de servir para dar orgulho à família. Autoenxotado para o sudeste do país, como
foram muitos os nordestinos de sua época, ele escapa do destino comum, pelo
apego à sanfona e por introduzir naquela região do país um ritmo, até então
desconhecido. É pela genialidade, pelo jeitinho brasileiro, posto em prática
desde que saiu de casa com a desculpa de ir tocar na cidade, que nasce a figura
de Luiz Gonzaga que passará a vida inteira num constante processo de reinvenção.
Essa trajetória está muito bem desenhada no filme que é
enriquecido por uma trilha sonora que fala por si própria e tem perfeito
casamento com o andamento das cenas. Do conflito entre Januário-Luiz Gonzaga
homologamente somos colocados diante do conflito Luiz Gonzaga-Gonzaguinha, num
gesto do filho que redescobre o pai e como dádiva desse reencontro lho retira
da sombra e do esquecimento a que estava condenado. Nesse movimento, Gonzaga não apenas recupera a imagem do
rei do baião como ensaia uma biografia do próprio Gonzaguinha, outro gênio,
diga-se, da música brasileira. E é por isso, somente por isso, que filme é
arrebatador. Consegue ir aos dois extremos da emoção humana: o riso e o choro. Porque
trata, em primeiro plano, de um brasileiro mais brasileiro que todos, que teve na
raça, na escolaridade, no lugar de nascimento, as limitações que comuns de seu
tempo, mas soube por esses mesmos elementos sobressair e construir uma imagem
outra de si e da sua própria nação.
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