Um copo de cólera, de Aluízio Abranches
Por Pedro Fernandes
Em cena Julia Lemmertz e Alexandre Borges os grandes protagonistas de Um copo de cólera |
Este é o primeiro trabalho de Aluízio Abranches para o
cinema. O filme é uma transposição – até certo ponto fiel – do livro homônimo de
Raduan Nassar, uma novela escrita no calor de 15 dias seguidos em 1978. O autor
só publicaria este trabalho e o romance Lavoura arcaica e largaria a carreira literária.
Como neste romance, o enredo de Um copo de cólera não chega a ter elevado grau
de complexidade: em cena, um ex-ativista que constrói um mundo à parte numa chácara
nos arredores de São Paulo vive um caso de amor com uma jornalista politizada. Depois
de uma intensa noite num dos encontros entre os dois, ele descobre na cerca
viva de seu terreno um buraco feito por formigas saúvas. Isso é o suficiente
para um desentendimento e uma briga entre os dois. Tudo extrapola os limites do romantismo e do
sensualismo da noite anterior.
Aluízio Abranches consegue demarcar as fronteiras entre os
dois momentos da novela: a intensidade da relação amorosa e a intensidade da discussão
entre as duas personagens. Agora, se por um lado o filme foge ao estereótipo da
adaptação, por outro, a prisão dos atores ao texto original torna as cenas de discussão
um tanto quanto cansativas, artificiais e monótonas, corroborando, de vez, com a
ineficiência de espelhamento das linguagens. O que se lê será sempre diferente
do que se vê e ouve, e vice-versa.
A novela e o filme se fundam na dessemelhança dos discursos
e das ideologias: uma personagem é afeita ao isolamento e pouco está preocupada com o que
acontece fora do mundo por ela criado; a outra está ligada às causas sociais. O
banal acontecimento para a jornalista representa um caos para o ex-ativista que
dono do seu mundo, como o criador do paraíso no Gênesis, tem forte atuação sobre
o sexo feminino; mas, ao contrário do que se dá no texto fundador, ela não se
sujeita a ele e não deixa o seu paraíso e reivindica uma compreensão do gesto
individualista do amante.
Na novela, a forma como o texto é dividido e escrito sugere
uma aproximação com o cinema curto. O fluxo de linguagem, o pensamento que não
admite pausa imediata e o forte apelo teatralizante da relação amorosa marcada em dois instantes, o da atração e o da repulsa, talvez tenham sido o que deu fôlego para um longa
metragem. No mais, devemos admitir que Alexandre Borges e Julia Lemmertz estão impecáveis.
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