Um poema inédito de José Saramago

Por Pedro Fernandes

Foto: Marcelo Vigneron



Em julho de 2011, o caderno-revista 7faces publicou uma edição eletrônica em homenagem à face menos conhecida de José Saramago, a do poeta. Agora, às vésperas do aniversário de 90 anos do escritor que será comemorado amanhã, 16 de novembro, mas que os eventos que dão contas data já estão acontecendo em todas as partes do mundo desde outubro, damos com um poema inédito do escritor. 

Antes do poema, convém lembrar da historieta contada pelo jornal O mirante. É José Miguel Correia Noras quem assim comenta: numa sessão de apresentação do Memorial do convento, em 10 de dezembro de 1982, em Santarém, Saramago é interpelado - “Como se caracteriza como poeta? Identifica-se mais como poeta ou como romancista?” É sabido que, até aquela altura, só sabíamos de Saramago romancista pela publicação de Terra do pecado - romance renegado até 1995 -, Manual de pintura e caligrafia e Levantado do chão; mas já havia o escritor publicado contos, crônicas e três livros de poesia. 

A autora da pergunta, a jornalista Clara Gomes, recebe como resposta - resposta que se encontra publicada na revista Informa, edição 2, de janeiro-fevereiro de 1983, página 5: “Eu neste momento não sou poeta. Eu passei em 66 por uma crise daquelas que levam os adolescentes a fazer poemas, só que os fiz mais tarde. Mas sinto que o meu modo próprio de me exprimir é de facto a prosa. O teatro surge também acidentalmente. Mesmo que escreva mais uma ou duas peças, nunca me considerarei um dramaturgo (homem de teatro era o Santareno, esse sim). O que acho que sou realmente é um prosador, um romancista”. Resposta mais ou menos parecida que Saramago repetiria noutras ocasiões, inclusive para aquela mais franca, junto a Carlos Reis, nas conversas que deram origem aos Diálogos com José Saramago, editado pela Editora Caminho, em 1998.

Pois bem, conta o jornalista de O mirante que, vinte e sete anos depois, em 19 de Janeiro de 2010, José Saramago viria a escrever: “Há grandes poetas na nossa terra, mas eu não sou um deles. […] como poeta não fui além do normal de quem tinha algum talento, mas por aí se ficou.” Mas foi ainda em  10 Dezembro de 1982, que Correia Noras mostrou ao autor de Memorial do convento um exemplar da revista Contravento, 4ª edição, dezembro de 1971, juntamente com algumas obras que levara para autografar.  A resposta do escritor foi incisiva - “Eu não escrevi nada aí!”. 

Mas a página 37 da Contravento tinha estava uma poesia que o jornalista classifica como “bloco de ouro em poesia". Um poema intitulado “Os mais velhos”. Já com a autorização do autor, o Grupo “Mais Saramago” publicou, em 2009, uma edição (muito restrita) desse poema e o periódico O mirante fez questão de expor aos olhos do mundo. É um poema de 1971, que diz:

Os mais velhos

São de pedra, os mais velhos. Ermos, sós.
O gesto hirto, como as mãos perdidas
Da remota brandura, como pranto
Vidrado e recolhido, água rasa:
Nada o mundo vos deu (sois vós, e basta).
Inocente da morte que aceitais,
Recolho dessas mãos de cardo seco
A herança dos nardos imortais.

Ligações a este post
>>>> Acesse a edição especial sobre José Saramago poeta do caderno-revista 7faces aqui.



Fonte: O mirante - diário on-line


Comentários

AS MAIS LIDAS DA SEMANA

A poesia de Antonio Cicero

Boletim Letras 360º #610

Boletim Letras 360º #601

Seis poemas de Rabindranath Tagore

16 + 2 romances de formação que devemos ler

Mortes de intelectual