O silêncio de Philip Roth
Por Pedro Fernandes
É sempre com certa pena que escutamos uma notícia como a que
chegou na sexta-feira de todos os jornais do mundo: “O romancista
estadunidense Philip Roth, um dos mais reverenciados autores mundiais, está
se aposentando da carreira literária”. É verdade que tudo tem seu fim, mas
espera-se sempre que seja este pelo inevitável fim da própria existência material,
porque se tem, desde sempre, que escritor, por exemplo, é um tipo que não se
aposenta, ou melhor, que aposentadoria de escritor é sempre a morte.
Mas, não foi o caso de Roth. Como também foi o caso bem
conhecido no Brasil de Raduan Nassar que, em 1984, sem dá muitas explicações de
motivos disse numa entrevista à Folha de
São Paulo, que estaria trocando a carreira literária pela agricultura: “Minha
cabeça hoje fervilha com outras coisas, ando às voltas com agricultura e
pecuária, procurando me enfronhar sobre tratores, implementos, formação de
pastos, tipos de capim, braquiária, pangola, setária, humidícola”, disse pela
época. Hoje já sabemos que o escritor deixou as atividades na agricultura, doou
sua fazenda para a Universidade Federal de São Carlos e agora vive desde agosto
do ano passado no Retiro Feliz.
Entendemos que todos, até mesmo os escritores, têm
necessidade de seu descanso e se ele não acredita que depois da morte terá
alguma coisa, parar em vida, é mais que necessário, é utilidade vital. Agora, repetimos
que é uma pena. As vozes que pregam no deserto – como são a de grande parte dos
escritores – estão cada vez mais escassas. O mundo é cada vez mais tomado pela
bestialidade, pelo banal, e aí, a sensação que ficamos, mesmo sabendo da
utilidade vital que é um descanso, é que uma voz dessas que se cala é mais uma
tragada pelo barulho ensurdecedor da banalidade. Mesmo sabendo que os
escritores, lembrados ou não, estão entre os que primeiro alcançam a eternidade
e o fim de uma carreira literária ou sua morte não representam o fim de uma
vida.
Ao contrário de Raduan que deixou apenas um romance, uma
novela e um conto até agora publicados e bem traduzidos para fora do Brasil, e
outros textos esparsos nos jornais, Roth deixa mais de 25 romances; o último
deles foi publicado em 2010 e já tem versão em português, Nemesis. Foi sempre um dos cotados ao Prêmio Nobel de Literatura.
Quanto a decisão pelo fim da carreira literária, a notícia
veio de uma entrevista à revista francesa Les
Inrocks. E também ao contrário do brasileiro que substituiu a atividade da
escrita pela atividade da lavoura, Roth apenas disse, “para mim já chega”. O ponto
final veio ainda depois de confessar a cinco anos que estava relendo seus
romances favoritos, os de Hemingway, Turguêniev e Dostoiévski e também toda a
sua obra. Desta última, não gostou do que leu: “Quis ver se eu havia perdido
meu tempo escrevendo. Depois disso, decidi que para mim já estava bom de ficção”
– diz o escritor na mesma entrevista e acrescenta que sempre achou difícil
escrever e agora não quer mais saber de ler, escrever ou falar sobre livros. “Dediquei
minha vida ao romance: estudei, lecionei, escrevi, li – em detrimento de quase
todo o resto. Já chega! Não sinto mais esse fanatismo por escrever que
experimentei a vida inteira.”
O fato de parar de escrever no auge da carreira não é mérito
apenas de Roth ou de Nassar; a literatura está cheia de tipos e até mereceu um
romance escrito por Enrique Vila-Matas, Bartleby
e Companhia, de onde saiu, inclusive, um nome para o caso: síndrome de
Bartleby.
Bartleby é o nome de uma famosa personagem de Herman
Melville, do conto publicado anonimamente em 1853, Bartleby, o escrivão. Depois de sua intensa atividade num cartório em
Nova York é tomado por uma paralisia encantatória que diante de tudo por fazer
prefere não fazer. Ao isolar a personagem de Melville, Vila-Matas sai à cata
dos vários casos de Bartleby na literatura mundial a partir da história de um
escritor que, depois de 25 anos sem escrever, resolve fazer um diário com casos
de silêncio na literatura. Encontra-se aí com casos como o do jovem escritor
Clément Cadou, que depois de se terr com um de seus escritores favoritos,
Witold Gombrowicz, sentiu-se reduzido e largou a promissora carreira literária
para se dedicar à pintura de autorretratos. Ou de Rimbaud que deixou de
escrever ainda aos 19 anos para traficar armas na África. Ou ainda Juan Rulfo
que largou a escrita depois da morte de seu tio Celerino, quem sempre lhe
contava as histórias que inspiravam a escrita. E outros, inclusive Roth, o
mais novo membro da lista.
Comentários