O diário de uma página para o que foi o IV Festival Literário da Pipa

Por Pedro Fernandes

Ontem pelos meados da tarde quando retornei da Praia da Pipa soltei na minha página no Facebook o seguinte: “a Praia da Pipa me faz bem; aquilo tem toda a energia boa do mundo concentrada num só lugar. e quando se soma tudo isso com literatura não se precisam de muita coisa; ou melhor, serei extremista, não se precisa de mais nada. o IV Festival Literário da Pipa foi muito bom. o evento entra ano e sai ano amadurece e cresce e fica melhor. devo postar por essa semana no Letras in.verso e re.verso alguma coisa do que foi estar com Zuenir Ventura, Ana Miranda, Antonio Cicero, para citar apenas três instantes que chamo de pontos altos do evento.”

Depois disso fui à comunidade também no Facebook do grupo de teatro Clowns de Shakespeare para dizer: “esse espetáculo, o ‘Sua incelença, Ricardo III’, é a coisa mais bela que já pude ver em vida em termos de teatro. os elogios que arranca, por onde passa, não são à toa. já fico aqui na espreita pelo ‘Hamlet’.”

Esses dois comentários são suficientes para um breve apanhado do que foi, este ano, o IV Festival Literário da Pipa. Quem vem acompanhando o evento desde a primeira edição com uma pequena tenda no ponto central da praia, na Praça dos Pescadores, sabe que entre a primeira edição e esta houve um aumento significativo não apenas em termos de dimensão, como em termos de público e de qualidade. O tempo todo que estive acompanhando via Twitter fui demonstrando meu entusiasmo com alguns pontos significativos do que se passava na tenda literária. Houve algumas mesas que não acompanhei na íntegra, seja pelo fato do horário: tudo começa pelas 17h30 e ia até depois das 20h30, quando era apresentada a quarta e última mesa de cada noite. Faço um parêntesis aqui para dizer que esse horário de início foi um tanto complicado de seguir, porque a Praia da Pipa, seja para quem vai pela primeira vez ou para quem já está mais adaptado a ir ao lugar há sempre alguma coisa interessante para se ver e fazer, e 17h30 é hora que ninguém ainda tinha posto alguma coisa na barriga depois de um almoço que mesmo sendo tarde já certamente não estaria mais por lá. Enfim, todo ano foi assim, e a organização tem a felicidade de colocar “as menos importantes” para esse horário complicado. Outras mesas não acompanhei porque não me apeteciam mesmo, como a que estavam Joyce Pascowitch e Eliana Lima, intermediadas por Tácito Costa. Estou com isso dizendo que esta foi já uma das mesas ponto baixo do evento, mesmo tendo eu visto apenas os cinco ou dez minutos finais dela.

Faltou entusiasmo para as mesas em que estavam os professores Suely Costa, José Luiz Ferreira, conhecido de longa data, Neroaldo Pontes e Humberto Hermenegildo, com quem ainda tenho a grata honra de tê-lo com um dos professores no Programa de Pós-Graduação em Letras. Não sei se por desconhecimento dos integrantes ou mesmo falta de diálogo entre os da organização e estes sobre o formato do evento, ficar no plano do texto acadêmico para aquele espaço, não era a meu ver, algo que pudesse prender o público, de variada educação, no assunto elencado por eles. Isso se repete com a mesa em que estavam Mayara Costa e Lívio Oliveira. A de Antonio Cicero terá conseguido fugir à regra por uma curta saída do academicismo para mais um recital de Carlos Drummond de Andrade, que, justiça seja feita, o poeta tem forte capacidade declamatória. Queria mesmo ter conseguido gravar alguma coisa dele recitando o poeta mineiro.

Ponto baixo também, apesar de ter marcado com alto pelo Twitter ou pelo menos pensado como sendo foi a mesa com a Tatiana Salem Levy, o João Paulo Cuenca e a Carmen Vasconcelos. Não sei se devo apontar culpados nessa história, mas me parece que faltou ‘traquejo’ por parte da intermediadora em conduzir o bate-papo, ficando uma coisa repetitiva, ou como se diz, chovendo demais em torno da mesma coisa. Sorte que o Cuenca tinha umas tiradas boas, me pareceu, que a Tatiana, e aí entre um cochilo e outro, o público pode acordar para vê-los. E, então, surpresa foi a mesa com Reinaldo Moraes e a outra com Sérgio Sant’Anna. A primeira porque, olhem só que incapacidade a minha, nunca soube de uma beat generation tupiniquim; evidentemente que não nos moldes estadunidenses como foi com Kerouac e companhia, mas com fortes influências deles. A segunda, a descoberta de um escritor brasileiro que ainda preocupado com o trato linguístico consegue fabricar histórias tão bem arquitetadas.

Isso foi na segunda noite; devo voltar à primeira para dizer da beleza de ouvir Zuenir Ventura, o primeiro ponto alto do evento, seja pela capacidade fabulatória do escritor seja pela capacidade condutora da conversa do jornalista Woden Madruga.

A atriz Titina Medeiros como Elizabeth em Sua Incelença, Ricardo III, um dos pontos altos do IV Festival Literário da Pipa. Foto: Pedro Fernandes.

Agora, o limite do evento é alcançado no último dia, sábado, 24 de novembro. Foi pelo fim da tarde desse dia que se apresentou o grupo teatral Clowns de Shakespeare que encenaram, talvez pela milésima vez, o espetáculo Sua incelença, Ricardo III. Todas expectativas que eu havia construído ao longo de certo tempo com as críticas que li em grandes meios de circulação escrita foram ampliadas. Vê-los foi melhor do que ler as críticas que, até hoje, as que li, foram positivas. A fusão entre o erudito e o popular, coisa já praticada, por exemplo, no teatro de Ariano Sussuana, apenas aqui o movimento é entre o popular e o erudito, foi muito bem aproveitada. E em expressão, ludicidade, música, enredo, confesso, o espetáculo arrancou, por várias vezes, o choro e o riso: dois limites da emoção humana.

Depois a mesa sobre Luiz Gonzaga. Também ponto principiante da última noite, mas mesmo chegando do meio para fim, considero como um grande encontro. Talvez porque consegui redescobri mais sobre a figura do rei do baião a ponto de correr na tarde de ontem ao cinema para assistir, de sala lotada, o filme ainda em cartaz, Gonzaga, de pai para filho, filme que devo comentar por aqui em breve.

No palco, Titina Medeiros, Cassiano Arruda Câmara, Ana Miranda e Nelson Xavier leem e comentam Luiz Fernando Verissimo. A mesa seria com o escritor, mas pelo estado de saúde, apenas tivemos a sua voz nos seus textos.
Foto: Pedro Fernandes


Agora, apesar de bem aplaudido, acho que teve gente de ficar de mão ardida, a mesa sobre Jorge Amado, entre o ator Nelson Xavier, Vicente Serejo e Henrique Fontes, não foi lá essas coisas. Talvez se fosse apenas o Nelson e o Vicente no palco a coisa tivesse fluído melhor. Henrique não conseguiu dizer muita coisa. Ponto baixo que será superado pela presença de Ana Miranda. A escritora que se dispôs até a um jogral entre ela e o mediador da mesa pode dar mostras de porque é hoje aquilo que já disse noutra ocasião a melhor romancista depois de Clarice e Rachel de Queiroz. E tudo findaria com Luis Fernando Verissimo. Mas, a vida, esta que nos dá uma surpresa a cada esquina pregou-lhe uma e o escritor não pode vir ao evento fisicamente; mas os atores Titina Medeiros e Nelson Xavier e a escritora Ana Miranda conduziram um recital que terá mostrado para o público ao menos três faces distintas da prodigalidade do escritor.

Findo dizendo o que disse num e-mail a um amigo de correspondência virtual desde que lancei meu livro, Retratos para a construção do feminino na prosa de José Saramago, o também autor de O teatro da morte e da vida – a escrita barroca de João Cabral de Melo, Francisco Israel de Carvalho, livro que está na minha lista de leitura e devo comentar por aqui também num tempo oportuno: “Eu acabei de retornar de Pipa. Mágico aquilo tudo lá. Edição após edição o evento tem se superado. Espero que vigore; que Dácio mais tarde pense numa coisa próxima à FLIP, em que a responsabilidade pela organização é compartilhada anualmente por um curador diferente. Isso daria sustança ao evento num futuro em que o próprio Dácio já não pudesse mais resolver essa parafernália toda que é fazer uma coisa daquelas.”

Que venha então em 2013, o V Festival Literário da Pipa.


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