Ler e saber de Graciliano
Graciliano Ramos e o filho Ricardo Ramos. Entre as duas edições em torno do escritor, é reeditada uma biografia que traz mais traços da personagem Graciliano. Foto: Carta Capital/Reprodução |
Falamos por aqui, enquanto anunciávamos algumas novidades de
abertura das comemorações dos 120 de Graciliano Ramos feitos no último dia 27
de outubro. Resolvemos então saber melhores detalhes acerca das publicações de
livros, entre elas uma edição que conjuga vários inéditos do autor de Vidas
secas.
Intitulado Garranchos: achados e inéditos de Graciliano
Ramos, o livro reúne 81 textos publicados entre 1915 e 1952. Trata-se de uma
obra que complementa duas antologias de não ficção que vieram a ser publicadas
postumamente – Linhas tortas e Viventes das Alagoas, ambas de
1962. Vão desde os primeiros artigos em que o escritor assinava com pseudônimos
variados e discutia problemas sociais e políticos de Alagoas a versos numa
curta incursão do prosador pela poesia. Para os estudiosos de sua obra, este um
livro significativo porque vem revelar o processo de construção do estilo
Graciliano de escrita, tal qual o conhecemos nos romances mais bem postos no
cânone literário nacional e não apenas isso, ilumina alguns aspectos da sua
própria biografia.
A série de crônicas semanais publicadas em 1921 num jornal
de Palmeira dos Índios, município onde foi prefeito, mostra o nascimento de um
envolvimento político que só durou, pelo menos atuando em cargo público do
tipo, dois anos, entre 1928 e 1930. É um Graciliano preocupado com os altos
índices de analfabetismo e que pede a construção de mais escolas na cidade.
Já de aspectos de sua obra, cabe destaque a crônica “Paulo
Honório”, texto em que o escritor fala como foi a construção da personagem
principal de São Bernardo, um dos romances, depois de Vidas secas mais
comentados entre os estudiosos de sua obra. Paulo Honório é resultado de
pesquisa iniciada ainda nos anos 20 para a escrita de um conto cujo personagem
central teria um proprietário de terras latifundiarista e criminoso, típico do
sertão nordestino na época. O conto nunca chegou a ser publicado, mas a
personagem terá se formado mais tarde incorporando traços da figura de seu pai
como a carranca e os usos linguísticos.
Além destes textos já veiculados noutros suportes, cinco
deles são integralmente inéditos: o conto “O ladrão” e os ensaios “A literatura
de 30”, “Jorge Amado”, “O negro no Brasil” e “Revolução Russa”.
O livro foi publicado pela Editora Record, atual detentora
dos direitos e da publicação de sua obra, e é resultada do trabalho de Thiago
Mio Salla. Indo no blog Prosa On-line, de onde coletamos as informações para
composição deste texto, é possível ler trechos de dois dos contos incluídos em Garranchos –
por aqui.
A outra edição que enumeramos foi, na verdade, uma reedição
da biografia de Graciliano. Redigida em 1992, pela passagem do centenário do
escritor, Dênis de Moraes fez acréscimos ao texto e anexou um caderno com 33
imagens, entre fotografias, cartas, bilhetes, desenhos e capas de livros do
autor biografado.
O autor conta que as novidades em torno de O velho
Graça, é este o título do livro, partem de achados significativos como o de
cinco entrevistas expressivas que Graciliano concedeu ao longo da vida. Já
sabemos todos da grande muralha que o escritor sempre ergueu em relação ao
assédio da imprensa, mas “os jornalistas Francisco de Assis Barbosa, Homero
Senna, Newton Rodrigues, João Condé e Joel Silveira, na década de 1940,
conseguiram a proeza de dobrá-lo e obtiveram declarações interessantes sobre
seu processo de criação (reescrevia obsessivamente os textos e cortava as
“gorduras”, com uma régua guiando seu lápis implacável); o papel do escritor na
sociedade (ressaltava que a literatura deve preservar sua autonomia frente à política,
sem deixar de refleti-la); e suas preferências literárias” – conta Dênis numa
entrevista para o caderno de cultura do jornal O Globo. E acrescenta:
“a Homero Senna [a entrevista] foi feita em caminhada pelo Centro do
Rio, na qual Graciliano parou em dois bares para tomar cachaça. Depois da
segunda ou terceira dose, soltou a língua, revelando, por exemplo, ser leitor
sistemático de dicionários, para aumentar o seu repertório de palavras.”
Dênis destaca ainda a descoberta de um a carta que Graciliano
chegou a redigir mas jamais enviou ao então presidente Getúlio Vargas, em 1938.
Trata-se de um desabafo sobre as dificuldades enfrentadas durante e depois do
período da prisão, que foi entre março de 1936 e janeiro de 1937. “A carta, de
uma lauda, era respeitosa, ainda que com algumas ironias, como, por exemplo, ao
qualificar Vargas como ‘meu colega de profissão’, numa alusão ao ingresso do
ditador na Academia Brasileira de Letras com apenas um livro de discursos” –
diz Dênis.
Foram muitos anos de garimpagem em arquivos públicos e
privados no Rio de Janeiro, São Paulo e Alagoas, bem como muitas horas de
conversas com amigos, parentes, artistas e gente próxima a Graciliano. O grande
destaque do livro parece ser, é o que a crítica mais tem citado, a capacidade
do biógrafo em fazer as interligações entre os vários Gracilianos: o menino
traumatizado pelas surras na infância, o jovem autodidata que lia Balzac, Zola
e Marx em francês, o mítico comerciante da loja Sincera, o revolucionário
prefeito de Palmeira dos Índios, o escritor sufocado por apuros financeiros, o
estilista da palavra na redação do Correio da manhã, o militante comunista
aos esbarrões com a burocracia partidária – conforme elenca resenha publicada
na Carta Maior.
Dênis é um interessado na vida alheia; principalmente a dos
intelectuais e artistas de esquerda, como atestam outras duas biografias
publicadas, além de O velho Graça, Vianinha, cúmplice da paixão – uma
biografia de Oduvaldo Vianna Filho e O rebelde do traço – a vida
Henfil. Além dessas duas personagens históricas, escreveu em parceria com
Francisco Viana, Prestes – lutas e autocríticas, obra baseada no único
depoimento concedido pelo líder comunista Luiz Carlos Prestes sobre sua
trajetória.
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