Polissia, de Maïwenn
Por Pedro Fernandes
O filme é grande aposta na carreira de Maïwenn. Não só
porque recebeu o Prêmio do Júri no Festival de Cannes em 2011, mas porque
estamos diante, em simultâneo, de três versões da menina que teve sua infância marcada
pela presença de uma mãe atriz e jornalista que desejava que a filha fosse uma
estrela do cinema. Em Polissia,
Maïwenn escreveu o roteiro, dirigiu e atua. É ela quem faz a fotógrafa desengonçada
que chega entre os policiais da Brigada de Proteção a Menores para fazer uma
cobertura fotográfica que deverá depois ir para um livro cujo foco é cotidiano
do grupo. A inserção da fotógrafa aponta para o tipo de filme que está à nossa
frente: misto de drama e documentário. Documentário porque o que se encena na
tela é justamente o trabalho diário desses policiais da Brigada de Proteção a
Menores; drama porque, além das histórias documentadas há a vida particular dos
próprios policiais. E é no cruzamento desses dois planos que se localiza a
trama do filme.
Estão aí representados ainda o interior de um ambiente
moral, sua organização e os diversos pontos de vista sobre a proteção do corpo
da perversão dos adultos em relação às crianças: sejam os maltratos seja a violação
infantil. O olhar penetrante da câmera causa no público uma sensação tátil de
que diante do corpo despido e inocente todos são fortes suspeitos; não conseguiremos
depois do filme, tirar uma conclusão que aponte qual o perfil de um pedófilo
porque o gesto que separa a simples manipulação assexuada da sexuada com o
corpo infanto é demasiadamente sutil em alguns casos e porque, na grande parte
das vezes, o praticante do crime de lesão é alguém tão próximo da criança e nem
ele próprio quem pratica e nem outra pessoa conseguem determiná-lo pedófilo.
Como o filme quer apresentar os múltiplos pontos de vista do
grupo de policiais que cuidam desde a recepção da denúncia, à investigação e
encaminhamento à justiça dos casos de abusos contra crianças não seremos
colocados diante de um drama individualizado, mas de várias histórias que, no
fim de tudo, vem nos dá uma certeza: vivemos numa sociedade doente. Uma sociedade
que elaborou um sofisticado código de conduta, mas nunca terá se adaptado
plenamente à repressão do corpo.
Com o cruzamento dos dramas externos e os dramas
particulares o interesse de Polissia não
será apenas constatar um mundo doente; somente isso reduziria o filme a mero
panfletismo. Mas o de mostrar como os policiais da Brigada de Proteção a
Menores conseguem conciliar suas vidas pessoais e a realidade diária com a qual
são confrontados. A constatação se dá pelo papel desempenhado pela atuação da fotógrafa
alterego explícito de Maïwenn. Apesar de
ser um filme longo e com momentos lentos, estamos diante de um filme eficiente
naquilo que se propõe.
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