Explicação dos pássaros, de António Lobo Antunes

Por Pedro Fernandes



Foi mais um da longa travessia que ainda tenho pela frente para contornar a obra de António Lobo Antunes. Ao meu alcance, Fado alexandrino, o romance que sucede este Explicação dos pássaros. Tenho a impressão de leitor iniciante que terá sido este, não os da ‘trilogia memorialística’ que marca o início da carreira literária do escritor, o livro em que encontramos um escritor que se inicia, embora sabendo que, para os bons escritores, toda nova obra sempre poderá ser uma tentativa de começo. 

E, por que, neste caso em particular, é o começo de tudo? Simplesmente porque o autor de Explicação dos pássaros se desvincula do tema da guerra colonial, plano e pilar dos três primeiros romances. Neste livro, o escritor mergulha naqueles temas mais caros às subjetividades em crise, algo notado nos romances anteriores, mas que aqui toma fôlego sem um elemento desencadeador. A ideia de finitude que perpassa todo o andamento da narrativa é mais produto de uma inquietação existencial que especificamente uma consequência de um desarrozoado domínio da violência.

Dividido num fim de semana, de quinta-feira para domingo, neste romance também notamos o narrador antuniano cada vez mais seguro da ideia de esfacelamento e entrelaçamento temporais exercitadas ao longo de sua trilogia. Temos a sensação de que, cada vez mais, o escritor se aperfeiçoa na técnica e vai produzindo uma narrativa também mais complexa, exigindo do leitor certo esforço mental – por vezes maçante, mas prazeroso – para alcançar o todo do enredo. Ou supor que alcança. Um perigoso jogo que, afinal, captura com maestria a utopia do domínio total de um acontecimento comunicativo, como de alguma maneira, é a narrativa. 

É entre quinta-feira e domingo, o tempo marcado textualmente, que Rui S., um professor universitário, se desloca, numa viagem entre o hospital, onde visitou a mãe em estado terminal, e um lugar qualquer, onde pretende pedir a separação da segunda mulher. António Lobo Antunes revisita o procedimento da road novel, mas no seu caso, a geografia é integralmente absorvida pelo vórtice psicológico, ínterim no qual se processam ações, vozes, o movimento próprio do narrado. 

Por isso, nem este entre-tempo e tampouco o entre-espaço é preservado em sua linearidade; isso porque a simples ação de dirigir que parece ser o que povoa boa parte do romance é, pelas idas e vindas da memória, intercalada pelos acontecimentos do passado, como a morte do pai, a separação da primeira mulher com quem teve dois filhos, o presente, como a atual situação do casamento e o futuro, pela oscilação de uma vida que como tudo está no fim, apresenta os mesmos sinais de desgaste e desencantamento.

Explicação dos pássaros é um exercício dramático; quer se desvincular do drama comum, porque diz respeito à existência. Rui S. é o típico herói falido desse nosso tempo, aquele que decepcionado dos deuses e da razão, não tem mais nada que lhe apeteça: a vida lhe é um pesado fardo impossível de se livrar e não notamos nenhum esforço de sua parte para fazê-lo. É um sujeito que não se pergunta sobre as coisas, apenas aceita como elas são, e este terá sido seu maior erro ou um dos defeitos imperdoáveis. É que sem esforço, sabemos, não é possível ir a lugar algum e tudo, até mesmo a vida, é capaz de se revoltar contra. E quando dermos pelo que fizemos, já não teremos capacidade alguma de mudar os rumos para onde fomos levados.



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