Americano, de Mathieu Demy
Por Pedro Fernandes
Às vezes achamos que há talento de sobra numa única pessoa,
enquanto outras, coitadas, não têm recurso sequer para inventar a própria assinatura.
Mathieu Demy é um exemplo do primeiro grupo. Quando assisti a este Americano sabia que ele era o ator
principal do filme, mas, perdoe-me as circunstâncias e o tempo, só dei a
conhecer que é também o diretor, quando fui fazer algumas pesquisas na web sobre sua pessoa. Evidente que todo
seu talento nasce da convivência e da educação que recebeu, afinal ele é filho
de ninguém menos que Jacques Demy e Adgnès Varda, dois importantes nomes da
cinematografia francesa e foi nos trabalhos dos pais em que Demy apareceu pela
primeira vez.
Americano é seu
primeiro trabalho na direção. Duplo trabalho, na verdade, que agora já sabemos,
a personagem principal, que domina integralmente as cenas de toda a narrativa,
é também o próprio Mathieu. A personagem por ele vivida é Martin, que recebe,
logo no início da trama, o comunicado da morte da mãe, que vivia na Califórnia,
Estados Unidos. Ido para Paris ainda criança numa circunstância que o impede de
lembrar que era realmente sua mãe, a volta ao lugar de nascimento não será
apenas para resolver questões de funeral e herança, mas um retorno para se
descobrir quem é Martin, o que ele realmente herdou de traço psicológico da mãe
e quem foi esta que lhe permitiu sua ida sem mais nem menos para longe dela.
Poderá, a primeira vista, ser encarado como um filme que dá contas
da impossibilidade de inconclusão do sujeito, esse elemento constantemente
atravessado de subjetividades alheias e, afinal, Americano é uma narrativa sobre identidade, a perda, a busca, a sua
constante refacção ou reinvenção de si,
mas aprendemos com Martin, é a impossibilidade de sabermos, afinal, quem o
outro, essa categoria tão importante, porque é ela que, diretamente, nos
direciona a saber que somos.
A descoberta de que o seu vazio de filho foi ocupado por outra criança
– que a lembrança aos poucos o faz recordar – filha de imigrantes mexicanos,
fará Martin, deixar tudo na Califórnia para buscar no México, saber dessa
personagem cuja única coisa que sabe dela é seu nome. Ao encontrar-se com Lola,
uma dançarina e garota de programa numa boate em Tijuana, ele pagará caro e
maus bocados para descobrir o que procura: a identidade alheia não só da mãe,
mas da própria Lola e, como já citei, a sua própria identidade.
Mathieu Demy é extremamente feliz na condução do enredo, muito bem
acabado. Resultado primeiro de sua paixão verdadeira pelo que faz, certamente,
porque o trajeto empreendido por Martin, a personagem que interpreta, é dado
somente àqueles que têm a crença na vida e é capaz de mergulhar nas linhas sem começo
nem fim do destino. O jogo aqui é para aqueles que sabem que não há nada a
perder, nem mesmo a vida, que esta é uma dádiva sobre qual devemos buscar o
controle integral. E o que não mata, a enriquece.
Comentários