A crise do impresso
Os que me acompanham noutros espaços que não apenas este
blog terão já lido que tem meu aplauso o jornal que vai à falência quando ele
próprio é responsável pela desgraça. Alguns não entenderão a sentença. E digo
mesmo que, se o jornal, o objeto, falasse, não entenderia o que está em questão com
esse riso aparentemente sacana. Mas, não estranhem, tenderei me explicar
nesse breve texto, mesmo achando que não devo. Sentenças boas são as que ao se
desembaraçarem suscitam um debate mais extenso. O retorno à sentença terá um propósito
mais que aclarar; ela volta porque ontem fomos surpreendidos, e nem devíamos,
com a notícia de que o Diário de Natal,
um dos jornais mais tradicionais do Rio Grande Norte, não irá mais circular;
pelo menos no formato impresso. Os leitores que quiserem ainda acompanhá-lo terão de fazer isso através da internet.
A morte do Diário
impresso não é fruto meramente de uma crise do impresso ou uma total valorização
que os sujeitos têm dado ao virtual como tem sido justificado por ambos os
lados: da parte de quem lê e da parte de quem produz. Não quero dizer que as
duas justificativas não sejam razões para que as coisas assim findem; os dois
processos têm, cada um à sua maneira, contribuído para isso. Mas, antes de tudo
há questões mais amplas e a crise do jornal impresso é fruto de atitudes
adotadas pelos próprios diários.
Os jornais foram cada vez mais se afastando da narração da experiência
pera apresentação do fato. Os jornalistas ficaram cegos diante da possibilidade
de transmitir em simultâneo e com mais rapidez possível em qualquer parte do
mundo o mesmo acontecimento e sempre primando pela fajuta ideia de
imparcialidade. É quando os jornais se igualam a vender notícia congelada e
requentada, a papagaiar sempre a mesma forma, a visar o desenfreado lucro que
subestima o texto e a capacidade de escrita do jornalista, que os indivíduos vão
se afastando do impresso. Em algum momento do passado quando a internet ainda
pronunciava o primeiro gugu-dadá já era preferível ouvir a fofoca contada pelo
outro no ambiente de trabalho ou esparramar-se em frente a TV para engolir imagens
e receber regurgitações dos ditos que estariam pintados em letras no dia
seguinte, onde?, no jornal.
Os jornais perderam a capacidade de reinventar os modos de
dizer; cresceram achando que duas coisas fazem mais sentido que qualquer coisa –
oferecer uma realidade dilatada aos últimos limites com os fatos escatológicos ou
pronunciar tapinhas nas costas e riso falso. Esqueceram que contar uma notícia não
é algo que se produz como máquina, mas é a capacidade (épica até) de levar uma experiência
individual à totalidade coletiva. Mesmo sendo produto nascido com o advento da
imprensa e, portanto, da reprodução em massa, é a vivência e a experiência de
um povo o que deve está ali representada. O leitor perde o interesse pelo
jornal no instante em que o que ele diz, diz do mesmo modo que encontramos em
lugar qualquer.
Foi com os jornais, mas que em qualquer outro meio, que
nasceu o tão espalhado conceito de globalização e a ânsia desenfreada pela novidade. “A informação
só tem valor quando é nova” – terão bradado e bradam ainda muitos. A “arte de
informar” difere da “arte de narrar” porque o jornalista não deve sugerir e nem
se posicionar diante do acontecido, deve evitar explicações. O acontecido só
tem sentido in loco; ele só dura o
tempo em que ocorre e explicá-lo é perder a informação. Esqueceram os
jornais que não é assim. O escrito está num tempo outro. E o acontecido não se
perde jamais. Ele se conserva e depois de muito ainda suscita desdobramentos. Cabe
ao jornalista saber lidar com isso. E, infelizmente, isso foi perdido; eles desaprenderam.
O grande jornalista tem muito do cronista, que é aquele
capaz de lidar com os episódios. Ele não pode se contentar em papagaiar, nem
apresentá-los como um modelo estanque. Muitos terão confundido isso e entendido
a possibilidade de ver os desdobramentos como algo vendável para favorecimento
de determinados grupos, só para citar um caso especificamente comum. Colocaram à
frente o interesse coletivo o individual. O leitor, acreditem, os
poucos que ainda existem, é um sensível termômetro para captar isso. O fim do
jornal impresso é apenas uma representação dessa capacidade: a incapacidade de
se reinventar frente ao conjunto diverso de possibilidades de dizer a mesma
coisa frente a outros aparatos de informação.
A pergunta é: haverá possibilidade de correção do erro que
cometeram? Infelizmente, como expectador, digo, sinceramente, desculpa, mas não
há. O futuro de outros será o mesmo, simplesmente porque o leitor está já
admirado com outras possibilidades de saber o que se passa ao redor dele, ou, o
leitor, este que é cada vez mais individualizado e preso no seu mundo de uma,
no máximo três pessoas, não está nem aí para o que se passa ao redor dele. Porque,
findo, esta é também uma questão que passa pela esfera que tudo corrói – o instinto
capital. Isso que criamos tão belamente, deslumbramo-nos com ele, mas não sabemos
em que lugar tudo vai dar.
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